Deus caminha com o seu povo migrante

Publicação da habitual mensagem pontifícia sobre as migrações aconteceu, por coincidência, numa semana que terminará com as eleições para o Parlamento Europeu e em que o tema das migrações tem estado no centro do debate político.

Publicação da habitual mensagem pontifícia sobre as migrações aconteceu, por coincidência, numa semana que terminará com as eleições para o Parlamento Europeu e em que o tema das migrações tem estado no centro do debate político.

Acaba de ser publicada a Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado de 2024, celebração que neste ano ocorre a 29 de setembro. A publicação desta habitual mensagem pontifícia anual aconteceu, por coincidência, numa semana que terminará no continente europeu com as eleições para o Parlamento Europeu e em que o tema das migrações tem estado no centro do debate político. Aproveito a ocasião para sintetizar em breves palavras o teor da Mensagem do Papa.

A partir do processo sinodal que a Igreja Católica está presentemente a viver, Francisco começa por associar a dimensão sinodal da Igreja à sua natureza itinerante, de “povo de Deus em caminho na história, peregrinante – poderíamos dizer «migrante» – rumo ao Reino dos Céus”. A narração bíblica do Êxodo, “longa viagem da escravidão para a liberdade” prefigura a viagem “da Igreja rumo ao encontro final com o Senhor”.

O Papa traça um paralelo entre este peregrinar da Igreja na história e os fenómenos migratórios de todos os tempos: “é possível ver nos migrantes do nosso tempo, como aliás nos de todas as épocas, uma imagem viva do povo de Deus em caminho rumo à Pátria eterna”. A analogia é ainda mais reforçada: “Como o povo de Israel no tempo de Moisés, frequentemente os migrantes fogem de situações de opressão e abuso, de insegurança e discriminação, de falta de perspetivas de progresso”. Convém, no entanto, ter aqui bem presente que no ensinamento da Igreja, e de um modo especial no magistério de Francisco, as migrações não são um problema a resolver, mas um fenómeno que sempre acompanhou o género humano. Nesse sentido, “todos somos migrantes”, a migração como que faz parte do nosso código genético. O povo português é disso um exemplo muito nítido, uma vez que resultou da combinação de muitos e variados povos que foram chegando à Península Ibérica ao longo dos séculos, e foi também repetidamente saindo do seu retângulo de origem para percorrer as mais diversas paragens do globo.

O Papa traça um paralelo entre este peregrinar da Igreja na história e os fenómenos migratórios de todos os tempos: “é possível ver nos migrantes do nosso tempo, como aliás nos de todas as épocas, uma imagem viva do povo de Deus em caminho rumo à Pátria eterna.

Pelo contrário, as migrações forçadas, as que são causadas pelas razões apontadas pelo Papa – opressão, insegurança, miséria -, podem ser consideradas como um obstáculo ao desenvolvimento humano integral, ao violarem o direito a não ter que migrar, a poder usufruir na sua terra natal das condições necessárias para o florescimento das capacidades inerentes à condição humana, e também se não conduzirem a processos de integração nos países de destino com vantagens para todos, os que chegam e os que os recebem.

Francisco recorre depois a diversas citações bíblicas para mostrar como Deus “acompanha o caminho do seu povo, dos seus filhos de todo o tempo e lugar”. Dessa forma, afirma o Papa, “muitos migrantes fazem experiência de Deus companheiro de viagem, guia e âncora de salvação”. É Deus que também inspira os bons samaritanos que os migrantes encontram ao longo do caminho.

Mas Deus – sustenta o Papa – “caminha não só com o seu povo, mas também no seu povo”: o Deus bíblico, o Deus de Jesus Cristo, identifica-se “com os homens e as mulheres que caminham na história – particularmente com os últimos, os pobres, os marginalizados”. É mesmo em virtude dessa identificação e em imitação do seu Senhor que a Igreja faz uma opção preferencial pelos mais pobres. E, por isso mesmo, diz o Papa, “os pobres salvam-nos, porque nos permitem encontrar o rosto do Senhor”. E poderíamos dizer também: os migrantes salvam-nos, porque nos permitem encontrar o rosto do Senhor.

Desta forma, o Papa estende o convite a que nos sintamos “em caminho juntamente com [os migrantes e os refugiados]”, a que “façamos «sínodo» juntos”, confiando-os a todos à intercessão de Maria. A Mensagem do Santo Padre para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado de 2024, na sua simplicidade, é um apelo a que voltemos a refletir em verdades básicas da nossa fé cristã. Deus está próximo, Deus acompanha todas as vicissitudes da história humana e, de um modo especial, também os movimentos migratórios. Deus caminha junto com o seu povo, Deus está presente no seu povo que sofre e se vê forçado a partir. Para as comunidades dos lugares por onde transitam tantos migrantes e refugiados e para as comunidades de destino desse caminhar – as comunidades de acolhimento – repete-se o convite a voltar a declinar os quatro verbos que Francisco erigiu numa espécie de dicionário ou gramática da resposta da Igreja aos fenómenos migratórios contemporâneos: acolher, proteger, promover e integrar.

Para mais informação sobre a Mensagem do Papa e a campanha de comunicação do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral para ajudar a celebrar o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado de 2024, ver aqui.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.