Em geral, há duas formas extremas de entender a ação do Espírito Santo no Conclave. Há quem imagine que ele atua por cima ou independentemente da Humanidade, como se existisse uma espécie de portal que se abre, num mecanismo que foge do nosso controlo. Da mesma forma que há quem pressuponha uma outra opção, que parece justificar toda e qualquer intriga e mundanidade, defendendo, no fundo, que o Espírito Santo se iguala a tudo o que acontece sem tensão. Ambas são perspetivas radicais e, como tal, equivalentes. E equivalentes porque negam algo fundamental da antropologia cristã: o livre-arbítrio.
Neste sentido, parece-me que nos é mais acessível conhecer a ação do Espírito Santo no Conclave através dos meios. E o grande meio é o facto de o Conclave recorrer a uma eleição. Os cardeais não vão a Roma para descansar em esplanadas, para passear pela Praça de Espanha, ou para peregrinar pelas igrejas romanas. São convocados para fazer uma escolha. E isso, hoje quase normalizado, tem uma força que nos passa despercebida.
A vida cristã não é uma série interminável de reflexões e indecisões. O discernimento cristão é orientado para a ação. Da mesma maneira que a fé não vive apenas de intenções ou sentimentos, mas manifesta-se em opções de vida claras, generosas e, muitas vezes, irreversíveis, feitas com liberdade interior. E o Conclave é uma imagem disso mesmo. O famoso episódio do Conclave de Viterbo, que decorreu entre 1268 e 1271, cujo impasse foi resolvido quando o governador da cidade escutou o conselho de S. Boaventura e tomou a decisão de fechar a porta da sala de reuniões, ficar com a chave e cortar a remessa de mantimento, é disso bom exemplo.
A vida cristã não é uma série interminável de reflexões e indecisões. O discernimento cristão é orientado para a ação. Da mesma maneira que a fé não vive apenas de intenções ou sentimentos, mas manifesta-se em opções de vida claras, generosas e, muitas vezes, irreversíveis, feitas com liberdade interior. E o Conclave é uma imagem disso mesmo.
E é em ordem a esta escolha que os outros meios se ordenam. Os cardeais escolhem o Papa numa capela. Não num polidesportivo. Juram guardar segredo. Não andam a anotar acontecimentos para posterior combate pós-eleitoral. Não têm comunicação com o exterior. Por isso, vivem um tempo de solitude. São muito diversos em origem e pensamento. E não um conjunto de máquinas pré-fabricadas, oriundas do mesmo produtor. O número das votações está pré-estabelecido. Daí que não há a tentação da voracidade e da gula eleitoral. São convidados a confessarem-se antes. Porque o Conclave não é o Campeonato do Mundo, nem a eleição do delegado de turma. Não votam logo quando chegam a Roma. Porque a Igreja não vive a lógica de “Rei Morto, Rei Posto”. Ou seja, há tempo. Há luto. Há processo.
Muitas vezes, é ao longo do Pontificado de um Papa que entendemos como o Espírito Santo guiou a escolha dos cardeais, mas é desde logo no processo que entendemos que há uma abertura diferente a algo que não seja mero capricho.
Na verdade, na sua estrutura, o Conclave assemelha-se mais a um encontro prolongado de oração do que a umas Presidenciais. E, por isso, não prescinde de discussão, confronto e tensão, porque a verdadeira oração e o verdadeiro encontro não são uma tarde de mão dada ao pôr do sol. E esta excecionalidade do Conclave é-nos mais clara neste momento em que, como portugueses, também atravessamos um período eleitoral.
No entanto, o primeiro lugar da ação do Espírito Santo é a carência e o desconforto. Por um lado, a carência de Pastor. Existe Conclave porque há uma perda. Por outro, o desconforto do processo. Não há decisões de homens sós, nem conclusões de secretaria.
Geralmente diz-se que as eleições são a festa da democracia. No caso da Igreja, o Conclave é uma inquietação que atravessa o deserto.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.