Caminhar juntos: o grande marco do Sínodo da Amazónia

Terminou há uma semana o Sínodo para a Amazónia com o mote “Novos Caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral.” Margarida Alvim acompanhou-o de perto e destaca a escuta e o caminho conjunto como traços marcantes do encontro.

Terminou há uma semana o Sínodo para a Amazónia com o mote “Novos Caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral.” Margarida Alvim acompanhou-o de perto e destaca a escuta e o caminho conjunto como traços marcantes do encontro.

1. Caminhar juntos

Muito para lá da Amazónia, este foi um momento marcante para a Igreja Universal e para o Mundo. Não pelo que se concluiu  em torno de potenciais pontos pastorais polémicos a que mediaticamente alguns se queriam agarrar (nomeadamente a ordenação de homens casados), mas precisamente pelo que representa de caminho de escuta e de encontro, gerador de respostas ao clamor da terra e dos mais pobres, contribuindo para pôr em prática a Laudato Si. O mapa e meta são pois a “relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta, a convicção de que tudo está estreitamente interligado no mundo, a crítica do novo paradigma e das formas de poder que derivam da tecnologia, o convite a procurar outras maneiras de entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da ecologia, a necessidade de debates sinceros e honestos, a grave responsabilidade da política internacional e local, a cultura do descarte e a proposta dum novo estilo de vida”. (Laudato Si, 16)

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Missa inaugural do Sínodo para a Amaz+onia

Sínodo significa caminhar juntos. Caminhar em relação é de facto um grande desafio do nosso tempo. Pressupõe viver aberto e disponível, descobrindo juntos o caminho à medida que andamos, arriscando e aceitando não controlar tudo, libertando-nos de falsas seguranças. O ruído de fundo que fomos ouvindo em torno do Sínodo, em esforços vários de acusação visando a divisão, revelam como precisamos de aprender a fazer caminho, largando as respostas doutrinais certas (que são um meio e não um fim), largando o medo da tensão e do desconhecido.

Foi ponto de esperança e de profecia, no sentido de nos reunir no Caminho, descobrindo novas formas de ser uma Igreja em saída, atenta às periferias, humilde e pobre com os pobres, dando voz à justiça e construindo o Bem Comum.

2. Uma Igreja da escuta

Viver e aprender a sinodalidade foi uma das dimensões mais valorizadas deste grande encontro, que começou a ser preparado há dois anos, através de consultas às comunidades locais dos 9 países que partilham este pulmão da Terra. O próprio sínodo fica marcado pela diversidade de vozes presentes e pelo processo de escuta e discernimento percorrido. “Estou muito grata por estar aqui, por ter voz, por ter a oportunidade de compartilhar esse momento muito importante na história de nossa Igreja. Este Sínodo da Amazônia procura encontrar novos caminhos para a ecologia integral, e esses caminhos já estão a ser forjados pela presença e participação de uma maior diversidade de vozes. Já estamos a mudar juntos. Isso deve ser celebrado.” Este é o testemunho de Josianne Gauthier, Secretária Geral da CIDSE (confederação internacional de ONG Católicas), um dos 12 convidados especiais convocados.

É uma escuta recíproca, onde cada um tem algo a aprender, cada um à escuta dos outros; e todos à escuta do Espírito Santo).

Papa Francisco

Na sessão conclusiva do sínodo, o Papa Francisco refere também o desafio e valor desta assembleia como espaço e tempo de aprendizagem: “o primeiro passo, eu acredito que é sempre um sinal de abertura face ao que é distinto, a essas novas vozes que vêm das bases. Uma Igreja sinodal é uma Igreja da escuta, ciente de que escutar «é mais do que ouvir». É uma escuta recíproca, onde cada um tem algo a aprender, cada um à escuta dos outros; e todos à escuta do Espírito Santo)”. Uma marca que recupera a tradição da Igreja da escuta e do discernimento. A tradição é a salvaguarda do futuro, é a raiz que permite à árvore dar frutos e continuar a gerar vida. Receber e caminhar no mesmo sentido, juntos, foi a força motriz valiosa apontada pelo Papa Francisco na sessão conclusiva.

O Sínodo foi neste sentido um grande apelo à conversão de todos, aprofundando o sentido de fraternidade, solidariedade e pertença a uma Casa Comum e a uma grande Família Humana. Foi ponto de esperança e de profecia, no sentido de nos reunir no Caminho, descobrindo novas formas de ser uma Igreja em saída, atenta às periferias, humilde e pobre com os pobres, dando voz à justiça e construindo o Bem Comum.

3. Casa Velha: acompanhar o sínodo como comunidade

A partir da Casa Velha, tivemos o privilégio de experimentar também esta sinodalidade, através da iniciativa “On the Way with Amazon”, uma caminhada pela mudança e cuidado da Casa Comum, num percurso pessoal e coletivo, em união com este momento. Laura Marques e Madalena Meneses (voluntárias Casa Velha/ FEC) foram de Ourém a Roma, de 1 a 25 de Outubro, a pé, de comboio e à boleia. Puseram-se a Caminho, para ir ao Encontro: de outros com as mesmas interpelações e também em caminho; com e pela Amazónia, com todos os povos indígenas de quem tanto temos a aprender. Um caminho ancorado na partilha, na espera e na suficiência (expressas nas boleias e no acolhimento), consciente dos impactos globais da crise climática. Atravessaram 8 países, abraçando a diversidade e em unidade de tantos outros (pessoas, organizações) que também caminham por uma Ecologia Integral.

Tive o privilégio de me juntar a elas já em Roma. Juntamente com outro voluntário da Casa Velha, constituímos uma pequena comunidade Casa Velha em Roma durante 4 dias, um tempo que nos fez também sentir próximos, pequenos na imensidão dos povos que ali se reuniram, parte da geração dos que procuram o Senhor, como rezávamos no dia de Todos os Santos.

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Grupo da Casa Velha que acompanhou o Sínodo em Roma.

Esta experiência simples foi verdadeiramente transformadora para todos os que de uma forma ou de outra se envolveram. O testemunho da Laura aponta alguns dos pontos-chave inspiradores para seguir em diante: “Pôr-me a caminho com o Outro, ajuda-me a caminhar em abertura e humildade; Fazer-me pequena, necessitada do Outro, na dependência do Outro que me dá boleia, coloca-me numa posição de abandono e confiança para com a Vida (que me dá tudo o que preciso a cada momento); Descobrir respostas diferentes aos problemas comuns (como é o cuidado da natureza, da proteção casa comum) e me questionar sobre o meu papel, a minha forma de ser ‘ativista; Redescobrir que do que sentimos (todos) falta é de fazermos pontes, entre o que há, o que se fez, se faz, no fundo fazermos pontes entre o que nos une e nos move (que é muito maior do que o que nos separa); O privilégio de podermos tocar várias realidades e dimensões da Vida (academia, comércio, comunidades religiosas, sociedade civil, etc) e conhecer os passos que deram e estão a dar para Cuidar do que é comum a todos.”

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São Tomás, Perú - Igreja situada numa vila amazónica

4. Um espaço de profecia para cumprir no dia a dia

Tudo está verdadeiramente interligado e uma resposta interligada tem tanta força…o sínodo foi espaço de profecia, a abrir na Igreja caminhos de maior discernimento em comum. Do documento final, o Papa Francisco destaca e pede-nos que trabalhemos o diagnóstico realizado, o qual contempla as 4 dimensões a ter em conta: a cultural, a social (denunciando todo o sistema extractivista que atropela e mata as pessoas), a ecológica (como gerir a relação com a terra, protegendo os mais indefesos, como adquirir estilos de vida mais simples) e a pastoral (como responder pastoralmente em regiões tão remotas). Os novos caminhos, os novos ministérios surgirão sempre a partir deste exercício de encontro, escuta, discernimento juntos. Caminhar juntos à luz de Cristo é a “simples” grande revolução que este Sínodo traz à Igreja e ao Mundo.

Uma marca que recupera a tradição da Igreja da escuta e do discernimento. A tradição é a salvaguarda do futuro, é a raiz que permite à árvore dar frutos e continuar a gerar vida.

A isso mesmo nos desafia o testemunho da Madalena – “Cuidar o mundo passa por várias coisas, por cada um no seu metro quadrado e à sua medida, sempre em relação… Com o mundo e as pessoas. A partir da realidade, podemos ouvir o que é preciso, intuir caminhos e concretizar pequenos passos. A partir de pequenos passos, a nossa zona de conforto aumenta e novos passos surgirão. Estes pequenos passos parecem insignificantes e solitários… Mas não estamos sozinhos! O mundo está mesmo ligado, há efeito onda e eco em tudo o que fazemos – e conhecemos muitas pessoas que estão mesmo a caminhar connosco nas suas vidas! A cuidar como nós, nas suas circunstâncias.”

Aproxima-se a celebração do dia Mundial dos Pobres (17 de novembro), excelente momento para continuarmos juntos a abrirmo-nos ao Caminho: “Ao aproximar-se dos pobres, a Igreja descobre que é um povo, espalhado entre muitas nações, que tem a vocação de fazer com que ninguém se sinta estrangeiro nem excluído, porque a todos envolve num caminho comum de salvação”. (Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial dos pobres).

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.