Peter Maurin foi um peculiar pensador francês que aspirava a construir “uma sociedade onde fosse mais fácil as pessoas serem boas”. Do seu projeto faziam parte quintas, porque era sua convicção que uma vida mais próxima da terra promovesse isso mesmo.
Vivo no campo há dois anos e meio e sinto que é mesmo verdade. As pessoas fora das cidades são menos agressivas e stressadas, mesmo quando a vida é dura e as coisas correm mal. Há mais tempo e ambientes bonitos onde cultivar (a par da terra) as relações. Quem tem feijão verde a mais oferece aos vizinhos, recebe em troca o que houver, e nessa partilha conversa-se da vida. Ao fim da tarde, as pessoas reúnem-se no café da aldeia e sabem parar.
Com a natureza, tenho aprendido muito, e acredito que estas lições são sabedoria evidente para quem cá vive desde sempre. Tenho aprendido a investir o meu tempo e cuidado no que ainda não se vê (sementes escondidas na terra), motivada pela fé no futuro. Tenho aprendido o ritmo das estações, a paciência, a não ter tudo logo nem ter tudo sempre. Há a época dos tomates e a época dos dióspiros, e não faz sentido não apreciar o que há pelo capricho do que apetece. Tenho aprendido que tudo se reutiliza, que um velho pedaço de rede ovelheira pode servir para fazer crescer pepinos e que até as pedras dos caminhos virão a dar bons canteiros. Tenho aprendido a escutar o meu corpo para evitar os exageros de quem está habituado ao imediato e quereria dar cabo de todas as silvas do terreno JÁ.
Se muitas pessoas saíssem das cidades, possivelmente seriam mais felizes, o mundo mais equilibrado, mas isso não basta. O ideal seria não nos termos urbanizado tanto, mas depois de o termos feito, medidas institucionais corajosas são incontornáveis. E não dependem só do voluntarismo de cada um.
Creio que sim, fora das cidades é mais fácil aos homens serem bons. Mas estive no Alasca em 2017, e lembro-me de ver como os glaciares tinham recuado centenas de metros em poucas décadas e perceber que, ainda assim, com as evidências das alterações climáticas à frente dos olhos, a maior parte da população tinha votado em Trump. Com o seu ostensivo desprezo pela ciência e por quaisquer acordos internacionais que pusessem em causa a “american way of life”.
As pessoas do Alasca eram boas, solidárias e viviam bem mais conectadas consigo mesmas, e com a Terra, do que a maior parte dos habitantes das cidades. Não era certamente devido à sua ausência de compromisso para com a sustentabilidade do planeta que votaram em Trump. Mas com ele, vieram mais quatro anos de inação ecológica, com consequências dramáticas que os seus votantes não imaginam sequer.
Uma coisa é a natureza chamar-nos a sermos bons no presente, outra são as medidas políticas impostas “de cima” para garantir que temos futuro. Se muitas pessoas saíssem das cidades, possivelmente seriam mais felizes, o mundo mais equilibrado, mas isso não basta. O ideal seria não nos termos urbanizado tanto, mas depois de o termos feito, medidas institucionais corajosas são incontornáveis. E não dependem só do voluntarismo de cada um.
A nós, cidadãos preocupados com a nossa Casa Comum, resta-nos a partilha de boas práticas, a educação das novas gerações e a luta contra o consumismo no dia-a-dia. Para esta esfera individual, a inspiração que nos pode vir de viver perto da natureza é uma boa ajuda. Na minha vida pessoal, acima de tudo, procuro recusar, reduzir, reutilizar e reciclar. E todos os dias, como educadora, procuro contagiar os meus alunos no sentido desta resistência perante a sociedade das falsas necessidades, alertando-os para a realidade da emergência climática (não é ficção!), procurando inspirá-los com os relatos desta vida diferente de quem optou por viver no campo (e que partilho nas redes sociais), que naturalmente ajuda a valorizar o essencial e recusar o dispensável e, como professora de Filosofia, instigá-los a pôr em causa, criticamente, um sistema que mais do que pessoas, os trata como consumidores manipuláveis.
Mas agora falta os políticos mudarem as estruturas, para que, tal como a vida no campo ajuda os homens a serem bons e a educação ajuda os jovens a questionarem o que isso significará, a economia coletiva ajude a sociedade a garantir-lhes um futuro possível.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.