O que é a vocação?
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A palavra portuguesa vocação vem da palavra latina vocare – que significa chamar. Para os cristãos falar de vocação remete-nos sempre para Deus, pois reconhecemo-nos e sentimo-nos seus filhos muito amados e por isso também chamados a viver a nossa vida em plenitude.
O cristão acredita que a sua vocação corresponde a um sonho – uma vontade – que o Senhor guarda para cada um. Por isso é também um horizonte que não poderá deixar de procurar. Aliás, pelo baptismo, todos somos chamados à santidade e esta realizar-se-á quando/se conduzirmos a nossa humanidade à sua expressão mais pura e verdadeira que será a configuração plena com Jesus – com a sua vida e com os seus critérios – para assim, como Ele, alcançarmos e participarmos na felicidade eterna.
Eu tenho vocação?
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Todos temos vocação! Porque o Senhor não faz acepção de pessoas e chama cada um a abraçar a sua vida desta maneira plena! E se o Senhor chama, então cada um de nós tem de responder positivamente. A vocação será sempre uma proposta de Deus que espera uma resposta do homem. Por isso teremos de empreender um caminho que passará necessariamente por: Conhecer melhor o Deus que nos chama – através de Jesus que temos de encontrar e experimentar pessoalmente para percebermos de que modo mais nos identificamos com Ele; Conhecer-me bem a mim mesmo/a com os meus desejos profundos e as minhas limitações – porque a vocação tem muito mais a ver com o que sou e com o que trago dentro, do que com ideias bonitas e santas que possa ter sobre a minha vida; Conhecer também as necessidades do mundo e de todos os que estão à minha volta – porque a nossa fé nunca nos fecha em nós, mas abre o nosso coração e a nossa vida às necessidades do mundo e dos nossos irmãos, principalmente os mais frágeis.
Como posso descobrir a minha?
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A descoberta da própria “vocação” pressupõe um caminho de verdadeira exploração que requer muita humildade e perseverança. A vocação não é um privilégio ou uma característica só de alguns, mas um horizonte desejado e procurado por todos. Não descansaremos nem nos pacificaremos enquanto não encontrarmos o sentido da nossa identidade mais profunda. Muitos dos chamados “problemas da meia-idade” têm a ver com o facto de muitas pessoas nunca se terem confrontado (ou terem mesmo fugido) de uma questão vital que deviam ter colocado a Deus nalgum momento da juventude: “Senhor, onde e de que modo queres que eu Te sirva?”. Só quem pergunta é que pode esperar e reconhecer uma resposta!
Será na oração e no encontro pessoal com Jesus Cristo – na escuta e confronto com a Sua vida e critérios – que iremos intuindo aquilo que o Senhor nos vai pedindo, em especial o modo de oferecermos a nossa vida e de nos irmos tornando aquilo que Ele sonha para nós. Discernir a própria vocação coloca-se, assim, sempre entre duas ou mais possibilidades. Ser padre ou consagrado não é melhor do que ser casado ou solteiro. Como ser médico não é melhor do que ser engenheiro ou artista. A vida mais santa será aquela a que o Senhor me chamar e não aquela que aos olhos do mundo parece mais pura ou mais radical. A vocação será sempre um encontro da nossa vida com a vida de Jesus, um verdadeiro encontro de duas liberdades. E o Senhor não deixará de nos fazer sentir o seu convite a vivermos a vida como missão, numa forma concreta que iremos descobrindo como aquela que dá mais frutos de Reino.
Que vocações existem?
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Todos fomos e somos continuamente chamados à vida: a ser «homens» e «mulheres», a ser pessoas que vivem em comunidade e chamados à comunhão e ao serviço com os outros. Como cristãos recebemos a missão de sermos como Jesus: é este o núcleo da nossa vocação baptismal. Somos especialmente chamados a dar uma resposta pessoal concreta e única na Igreja de modo a participarmos na construção do Reino de Deus na terra. Cada um ao seu jeito, segundo aquilo que for intuindo que o Senhor lhe pede. Pode ser no casamento, no sacerdócio, na vida consagrada, na vida laical… Nenhum destes tipos de vocação é melhor ou mais importante do que outro. Porque todas as vocações são boas e necessárias para o mundo e para a Igreja. O importante é que cada um descubra, com verdade, em que estado de vida pode seguir Jesus mais de perto, onde é que se identifica mais e melhor com Ele, servindo a Igreja e colaborando na construção de um mundo mais justo e mais à imagem de Deus.
Deus tem um plano para mim?
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“Muitas vezes, associamos a vontade de Deus ou a voz de Deus a uma experiência quase mística de descoberta de algo pré-determinado, uma espécie de mensagem escondida algures no universo que me será revelada ou que eu tenho de decifrar. Esta concepção é perigosa e pode provocar duas atitudes opostas, igualmente enganosas: o imobilismo (fico à espera de ouvir essa tal voz mágica de Deus ou de ver escrita uma mensagem de néon da Sua vontade algures no céu); e o voluntarismo cego (empenho-me em descobrir a vontade de Deus com as minhas forças, a partir unicamente das minhas certezas e convicções). Nenhum destes caminhos nos conduz a bom porto! A vontade de Deus é o fruto de uma história de amizade que se vai construindo entre mim e Deus e através da qual eu vou descobrindo, cada vez com mais clareza, que aquilo que eu realmente desejo profundamente é aquilo que o Senhor sonha para mim/nós. O Santo P. Cruz dizia com Graça: “Quem quer o que Deus quer, tem tudo quanto quer!”.
É preciso, no entanto, evitar algumas ingenuidades: o caminho de aprender a sentir e a ler o que sentimos não é claro nem imediato. É fácil confundir o que eu quero/preciso com o que me apetece; ou, no polo oposto, cair no idealismo que nos faz pensar que uns caminhos são mais válidos ou mais importantes do que outros (o célebre mito de que se for padre ou freira estou mais perto de Deus e terei uma vida mais santa). Para chegar a Deus não há autoestradas: o caminho é sempre Jesus e a única forma de chegar é descobrir a vontade de Deus para mim através do discernimento.”
Texto original que vale a pena consultar aqui.
Mas posso mesmo ouvir Deus?
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O processo de discernimento passa por aprender a reconhecer a voz de Deus dentro de nós. Tal não significa que irei ouvir umas vozes (há quem diga com humor que se se tal acontecer, então provavelmente essa pessoa devia falar antes com um psiquiatra !). Trata-se antes de crescer no conhecimento dos sinais de Deus, os interiores e os exteriores. Os exteriores podem ser acontecimentos, experiências, testemunhos, encontros, coincidências, etc. Os interiores habitualmente identificamos como consolação e desolação: A consolação: é um estado de vitalidade espiritual que se manifesta num aumento de fé, de esperança, de caridade e desejo de compromisso pela justiça. Experimenta-se frequentemente como um sentimento forte de paz, de luz ou de sentido. É um estado de sintonia profunda com o Evangelho e com os critérios de Jesus, mesmo que venha acompanhado de medos, apreensões e sofrimento; A desolação: É o estado contrário à consolação, manifestando-se em sentimentos de tristeza, desânimo, falta de fé e uma sensação de estar longe de Deus e do Seu amor.
Por vezes consideramos que o processo de discernimento se aplica só às grandes opções de vida. Mas não deve ser assim. Viver em atitude de discernimento é uma arte na qual todo o cristão pode e deve crescer, pois é ela que vai permitindo estar atento aos constantes desafios e toques de Deus. E o Senhor tem sempre algo a dizer-nos, no grande mas também no pequeno e quotidiano. No entanto, é verdade que é especialmente nos momentos e períodos de decisões maiores que esta arte deve ser exercida e exercitada com mais cuidado. Ajuda muito a este processo o exame de consciência diário, a oração frequente, a dedicação a um apostolado e a prática dos Exercícios Espirituais, que cada vez mais pessoas procuram e que continua a ser o modo mais bonito e eficaz de ordenarmos a nossa vida e de buscarmos e encontrarmos a vontade de Deus para ela.
É um caminho que se faz sozinho com Deus?
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É melhor que seja um caminho acompanhado por alguém! É certo que foi através da sua própria experiência que Santo Inácio de Loyola chegou a reconhecer estes sinais de Deus em si mesmo: convalescente em Loyola e pensando nas duas possibilidades de futuro (entregar-se a Deus ou continuar a sua vida de nobreza), contra todas as probabilidades, Inácio acabava por se sentir pacificado e alegre com a primeira e vazio e inquieto com a segunda. A partir desta experiência escreveria umas pequenas regras para discernimento dos espíritos (interiores), que são parte integrante dos Exercícios Espirituais e que continuam a ser uma referência incontornável para interpretar o que experimentamos interiormente quando nos colocamos em diálogo com o Senhor. Mas durante todo este tempo Santo Inácio procurou também esclarecer-se e confrontar o que sentia com outros (em especial com os seus confessores), de modo a confirmar que estava a seguir o caminho de Deus e não o seu.
Por isso convém que este caminho de descoberta de Deus e de mim mesmo/a seja acompanhado por uma pessoa com experiência espiritual que me ajude a dar sentido às chamadas de Deus na oração, a distinguir os meus sentimentos e pensamentos. Também me ajudará a tomar consciência das minhas defesas, dos obstáculos que, consciente ou inconscientemente, vou pondo àquilo que pode parecer mais exigente, mais difícil ou que pode supor algumas roturas ou escolhas que me levem a pôr de lado coisas boas. O acompanhante não é alguém que toma as decisões “em vez de”, nem um simples “amigo próximo”, mas alguém que ajuda não só a libertar dos medos e preconceitos infundados, como a (re)conhecer e aprofundar a passagem da presença de Deus na vida da pessoa.
Foto de destaque: Marek Piwnicki – Unsplash