O que é ter vocação?
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A pergunta sobre a vocação não é nada pacífica. Uns preferem fugir, outros vão a medo e outros escolhem nem saber. Não admira! Na linguagem corrente habituámo-nos a pensar que só alguns “têm vocação” e que esta é geralmente associada a um inevitável chamamento à vida religiosa. Ainda por cima, uma vida religiosa apresentada pela negativa: não se pode casar (a castidade), nem desfrutar dos bens (a pobreza), nem fazer o que se quer (a obediência). Não admira que muitos fujam! Mas é um grande engano não fazermos esta pergunta, porque, afinal, da resposta depende a nossa felicidade mais verdadeira!
A palavra portuguesa vem do latim vocare (chamar). Todo o cristão é “chamado” por Deus a uma vida plena e feliz. Não só alguns escolhidos! Todos! Uns como consagrados, é certo. Mas muitos outros como solteiros ou casados, como pais e avós, como profissionais empenhados naquilo em que trabalham, como membros de uma família, de um grupo concreto, ou de uma comunidade social e eclesial. Todos são chamados, porque todos são convidados a abraçar essa vida feliz e plena com o Senhor, independentemente do modo como ela depois se venha a concretizar.
Como posso descobrir a minha vocação?
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Perceber aquilo a que somos chamados supõe uma busca, que se pode mesmo tornar numa verdadeira exploração! No ser humano, a “vida plena” coincide, por paradoxal que pareça, com a “vida plena” das outras pessoas à sua volta: O segredo da felicidade, dizia a fada num famoso conto infantil, “é fazeres felizes as pessoas à tua volta!”. Esta é, no fundo, a experiência que todos temos, do “quanto mais (te) dás, mais rico ficas” (como dizia a nossa querida Santa Madre Teresa de Calcutá), constatando a verdade do que Jesus já dizia há 2 mil anos: “Que o maior de entre vós seja aquele que serve. Felizes sereis se o puserdes em prática!”
Todos andamos a tentá-lo de muitos modos, quando a “fórmula da felicidade” parece ser bastante mais simples! Por isso, o melhor é começares a perguntar com verdade: “Senhor, onde queres que eu Te sirva?”, que é outra forma de dizer: “Onde queres, Senhor, que eu ponha em ação a minha capacidade de amar, de forma a dar mais fruto, a transformar mais o mundo?”. Esta questão supõe um caminho – um discernimento – às vezes prolongado, já que poucas vezes a resposta é logo evidente.
Por onde posso começar?
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O discernimento da vocação passa, em primeiro lugar, por um processo de “escuta” do que Deus vai dizendo e propondo a cada um. Não há receitas à priori, nem fórmulas infalíveis para chegar a essa resposta. Não há uma “lista de requisitos” a cumprir, como se Deus só contasse com os super-dotados. A vocação também não é um “sacrifício”, como se Deus só se alegrasse com aquilo que é mais custoso. E não pode ser certamente fuga ou solução alternativa para algum tipo de frustração.
Discernir a vocação coloca-se, assim, sempre entre duas (ou mais) possibilidades, que em si mesmas são boas. Ser padre ou consagrado não é melhor do que ser casado ou solteiro. Como ser médico não é melhor do que ser engenheiro ou artista. E que a pessoa escolha uma destas possibilidades, não significa que viesse a ser infeliz na outra. A vocação é um “encontro de duas liberdades”: convite de Deus a viver a vida como missão, numa forma concreta que é a que dá mais “frutos de Reino”; e reconhecimento e aceitação por parte da pessoa, que assim se encontra e se realiza nesse projeto concreto de “bem maior”.
O que é essencial neste processo?
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Se o processo de discernimento é “escuta”, então torna-se essencial a confiança n’Aquele a quem escutamos: Deus e a sua vontade. Falar na “vontade de Deus” traz sempre o perigo de vê-la como uma predestinação ou imposição, a ser aceite com resignação ou por receio. Isto significaria imaginar Deus como um “tirano”, imagem afinal muito distante da do “Pai próximo” a que Jesus se referia constantemente. Um Deus-Pai que nos quer dar “a vida em abundância”, com ânimo e alegria interior.
Na verdade, a fé no seu sentido mais original é concebida como verdadeira confiança filial na promessa feita por Deus. Não se trata de uma promessa a uma vida simples e fácil, ou de uma presença que vem resolver os nossos problemas! É antes a certeza de que o Senhor estará sempre connosco e que esta Sua presença nos fará ver e interpretar todos os acontecimentos com a Sua Luz e a Sua esperança. “Deus é mais íntimo do que o nosso próprio íntimo”, dizia Santo Agostinho e foi essa confiança que permitiu a São Paulo escrever que “nada nos separará do Amor de Deus”.
Posso ouvir a voz de Deus?
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O processo de discernimento passa exatamente por aprender a reconhecer e interpretar essa “voz de Deus” dentro de nós. Isto supõe crescer no conhecimento dos “sinais de Deus” dentro e fora de si. Aos sinais interiores chamamos “consolação” e “desolação”: a consolação traduz-se habitualmente por alegria e paz interiores (mesmo se implica consequências difíceis), e aponta o caminho a seguir, que deixa a pessoa “encontrada” e pacificada. A desolação, pelo contrário, costuma manifestar-se como inquietação e falta de paz consigo mesmo, e é sinal de que essa opção pode não ser a melhor.
Foi através da sua própria experiência que Santo Inácio de Loyola chegou a reconhecer estes sinais de Deus em si: convalescente no seu quarto e pensando em duas possibilidades de futuro (entregar-se a Deus ou à vida de nobreza), surpreendentemente, Inácio acabava por se sentir pacificado e alegre com a primeira opção, e vazio e inquieto com a segunda. A partir dessa experiência vital passou a “ver novas todas as coisas” e escreveria umas regras para “discernimento dos espíritos” (interiores), que são parte integrante dos Exercícios Espirituais e que são profundamente atuais ainda hoje.
O que me pode ajudar neste caminho?
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Ajuda muito lembrar que o processo de discernimento não se aplica só às grandes opções de vida, mas faz sentido mesmo nas pequenas decisões e momentos da vida. É decisivo ir cultivando uma “atitude constante de discernimento” que é uma “sabedoria” na qual todo o cristão devia crescer, pois é ela que vai permitindo estar mais em comunhão com Deus e mais atento aos Seus constantes sinais e “toques” através da realidade. Mas é certo que é especialmente nos momentos e períodos de decisão que esta “sabedoria” deve ser exercida e exercitada com mais atenção.
Para tudo isto ajuda muito o “exame de consciência” diário, a oração frequente, a prática regular dos sacramentos e a experiência dos Exercícios Espirituais. Outra grande ferramenta é o “acompanhamento espiritual”, a possibilidade de ir confrontando com alguém mais “experiente nas coisas de Deus”, os movimentos e inquietações interiores. O acompanhante não é alguém que toma as decisões “em vez de”, nem um simples “amigo próximo” que dá uns bons conselhos, mas alguém que ajuda, não só a libertar dos medos e preconceitos infundados, como a (re)conhecer e aprofundar a passagem da “presença de Deus” na vida da pessoa. Já pensaste pedir a alguém que te ajude no teu caminho?