A missão sacerdotal dos leigos e a reconciliação

A missão “sacerdotal” dos leigos e a reconciliação no mundo foi o tema do primeiro “Café curto” organizado pelo Circulo Xavier. Teve lugar no Porto, no CREU, nos dias 20 e 21 de novembro, e foi orientado pelo P. Carlos Carneiro, sj.

O Concilio Vaticano II, depois de definir a Igreja como Povo de Deus, teve o cuidado de “classificar” todos os seus membros, definindo as funções próprias de cada um, sem deixar ninguém de fora. Indicou os Bispos como sucessores dos Apóstolos, os sacerdotes como os seus primeiros colaboradores, os religiosos (as) como testemunhas do mistério pascal e os leigos como cuidadores da realidade temporal. Inseridos numa igreja de comunhão, todos, segundo a sua vocação específica, são convidados à Santidade de Cristo. Durante séculos, os leigos não tinham uma missão específica na Igreja. Eram “só” simples fiéis. O Concílio deu aos leigos “estatuto” e uma missão apostólica, em linha com a graça recebida no “sacerdócio” do seu próprio Batismo.

A missão “sacerdotal” dos leigos e a reconciliação no mundo foi o tema do primeiro “Café curto” deste ano. A iniciativa do Circulo Xavier teve lugar no Porto, nas instalações do CREU, nos dias 20 e 21 de novembro. O orador foi o P. Carlos Carneiro, sj.

Perante a assembleia, o P. Carlos Carneiro sj deu ênfase ao papel dos leigos na Igreja que, com o Concilio Vaticano II, voltou a ser determinante na Igreja. A propósito desta recomposição do papel dos leigos na Igreja ficaram claros três elementos:

1.      Se a Igreja “Povo de Deus” é um outro “corpo“ de Cristo, então os cristãos leigos estão unidos a Cristo que é a “cabeça” deste novo corpo. A redescoberta do seu lugar na Igreja não é nem substituto nem contrário à missão hierárquica dos Bispos, à missão pastoral dos sacerdotes, ao testemunho dos religiosos (as). A Igreja conta com todos, precisa de todos, é feita com todos, dá lugar a todos.

2.      Com o Concilio Vaticano II a Igreja redescobriu a sua identidade batismal. A identidade da Igreja é mais vasta do que a sua clericalidade. A Igreja é episcopal, sacerdotal, fraternal, laical. E todas as vocações, segundo o batismo recebido, possibilitam em cada cristão a participação na vida de Cristo sacerdote, profeta e rei, segundo o modo próprio de cada uma. Cada batizado, segundo a vocação recebida, deve descobrir como pode ser sacerdote, profeta e rei à maneira de Cristo para renovar o mundo, renovar os comportamentos e atitudes, com os valores evangélicos da verdade, da justiça, da liberdade e do amor.

À Igreja não serve o modelo dos leigos que querem substituir os padres e que só vêem no sacerdócio uma forma de poder; do mesmo modo, à Igreja também não serve o modelo dos leigos que idolatram os sacerdotes numa subserviência infantil.

3.      À Igreja não serve o modelo dos leigos que querem substituir os padres e que só vêem no sacerdócio uma forma de poder; do mesmo modo, à Igreja também não serve o modelo dos leigos que idolatram os sacerdotes numa subserviência infantil.

Como poderá viver um leigo “adultamente” a sua vocação recebida no batismo? Segundo o Concilio a missão dos leigos consiste sobretudo em:

a)   Tratar das coisas do mundo: cuidar da criação, das criaturas e das coisas criadas. A presença ativados cristãos nas coisas “mundanas”, na “ordem temporal”, no coração do mundo define a missão do leigo. Cada cristão leigo é convidado a transformar o mundo em reino. Com a sua presença e intervenção cada leigo é mediador (sacerdote) na política, na economia, na cultura, na ciência, na vida social, na família, no trabalho de cada dia (cf. LG, 31). Ao “trabalhar” no mundo e ao instaurar os valores do evangelho na realidade “civil” cada cristão leigo santifica-se e santifica o mundo edificando uma sociedade que se orienta pelos valores maiores da dignidade humana, da defesa da vida, da proteção dos mais frágeis, da promoção da justiça, da defesa da paz e da liberdade.

A intervenção na ordem temporal é, sem dúvida, a missão “sacerdotal” específica dos leigos. Durante séculos a vida cristã dos leigos limitou-se às orações, à celebração da Eucaristia Dominical, à catequese das crianças e à contribuição com pequenas ofertas para a vida das comunidades, etc. Era uma perspetiva muito limitada que secundarizava os leigos e os mantinha num papel passivo na construção da comunidade cristã.

b)        Dar testemunho de Cristo:na família, no trabalho e na cultura. O Cristão leigo, segundo a Gaudium et Spes sabe estar no mundo, encontra Deus (à maneira inaciana) presente em todas as coisas do mundo. As coisas do mundo e toda a atividade humana são o seu campo de missão. Cada cristão leigo procura oferecer a todos as razões da sua fé e da sua esperança (cf. LG, 10). Construir o mundo através dos valores cristãos traz ao nosso dia a dia uma dimensão que não é menos espiritual que as práticas religiosas.As coisas “profanas” do mundo não são menos sagradas do que as coisas “religiosas”. Urge detetar e reforçar a imagem e semelhança de Deus que se revela em toda a criação.

A descoberta da importância do laicado na vida da Igreja constituiu uma das grandes inovações conciliares. São João Paulo II confirmou-a na Exortação Pastoral Christifideles Laici, orientando o laicado para que possa intervir na construção do mundo mais justo e fraterno.Para além dos vastos campos da sociedade, os cristãos leigos são particularmente chamados a intervir na construção da família como comunidade de pessoas ao serviço da via para a renovação da humanidade (cf. FC, 3). Devem igualmente preocupar-se com a cultura, a ciência e o desenvolvimento tecnológico de modo que se torne mais visível o valor de todas as coisas criadas e se encontre a beleza de Deus que se manifesta na entrega, na alegria e na dor da condição humana.

Dentro de um contexto político e social, a construção da paz e da justiça assim como a administração dos recursos económicos e dos bens podem articular-se numa economia que não mata e que não se opõe ao destino universal dos bens.

Dentro de um contexto político e social, a construção da paz e da justiça assim como a administração dos recursos económicos e dos bens podem articular-se numa economia que não mata e que não se opõe ao destino universal dos bens. Este cuidado com as realidades temporais, muito em particular com o bem de cada ser humano dá aos leigos o próprio mundo como missão onde ao apostolado da reconciliação entre pessoas, instituições e povos, uma vez que onde há pessoas há conflito, mesmo quando há amor, por isso é sempre preciso a reconciliação.

Criar uma cultura de reconciliação, a partir da realidade que se impõe e um cuidado com cada pessoa é uma missão de todos os cristãos. O cristão não é um derrotado ou subjugado à realidade que se impõe. A sua fé dá-lhe uma enorme capacidade de transformação. Como não “trabalha” para si mesmo, o cristão leigo é livre em relação aos resultados da sua entrega e dedicação. É um servidor “inútil” porque só fez o que queria e devia ter feito.

No Mundo, o cristão batizado é chamado a ser profeta, porque anuncia; é rei porque tem poder para servir e, é sacerdote porque vive a sua vida como mediador da fraternidade e da reconciliação. O Cristão leigo é, por isso, visto como um restaurador de brechas e a reconciliação é um ponto central da sua atuação no mundo, segundo o espírito das bem-aventuranças. O Cristão deverá ser reconciliador à semelhança de Cristo. Deverá ser sal e luz no mundo. Deverá ser integrador e não divisor.A reconciliação é o esforço do encontro.

Finalmente, se a missão dos cristãos leigos no mundo ficou mais clara com o Concilio Vaticano II para muitos, infelizmente, ainda não é tão clara a missão dos leigos dentro da própria Igreja, toda ela, chamada na diversidade das suas vocações à santidade de Deus. Neste sentido, ajudaria muito que que os sacerdotes não só se abrissem à missão dos leigos mas se colocassem ao serviço da realização das vocações laicais na Igreja e nunca as vissem como concorrentes mas complementares.

O próximo café curto será a 29 e 30 de Janeiro subjugado ao tema “Laudato Si” – A doutrina social da Igreja e a visão ecológica.