Lisboa está na moda e isso é bom para Portugal. O ideal seria que todo o país estivesse na moda, cenário que seria ainda melhor para Portugal. Mas enquanto isso não acontece, o melhor que temos a fazer é aproveitar o facto de Lisboa estar na moda. Isso já é bom para algum Portugal.
Ultimamente, há duas coisas que me têm parecido relevantes tendo em conta o facto de Lisboa estar na moda:
1. Precisamos de mais Web Summits
Ponhamos as coisas desta maneira: ainda que neste momento o pareça, não será possível viver do turismo para sempre. Há muito investimento estrangeiro que veio para ficar, assim como há muito interesse estrangeiro que veio para ficar. Mas não é provável que o turismo tenha vindo para ficar e nunca mais abalar. Estamos a beneficiar em Lisboa de circunstâncias que não durarão para sempre: a instabilidade no norte de África que se seguiu ao fracasso das primaveras Árabes e que desviou para nós algum do turismo que enchia os Club Meds; um atraso económico relativamente ao resto da Europa que fazia de Portugal um país extremamente acessível em termos de custos de habitação e de restauração; um fascínio que vinha do facto de Lisboa ser uma cidade cosmopolita onde no seu centro se podiam encontrar varinas, mercearias, ou tascos com vinho à pressão. Estas circunstâncias explicaram muito do entusiasmo que tem havido relativamente a Lisboa. Mas é pouco provável que durem para sempre.
No imediato, o turismo foi um importantíssimo bálsamo para a realidade lisboeta e nacional. Mas agora chegou o ponto em que é preciso começar a pensar nos próximos passos a dar para que o país se desenvolva sustentavelmente
O resultado mais positivo do turismo tem sido o balão de oxigénio que tem oferecido a todos aqueles que viviam com a corda à volta do pescoço na sequência da grave situação financeira que vivíamos há dez anos. No imediato, o turismo foi um importantíssimo bálsamo para a realidade lisboeta e nacional. Mas agora chegou o ponto em que é preciso começar a pensar nos próximos passos a dar para que o país se desenvolva sustentavelmente. Não podemos confiar que será a proliferação de Ubers e de Tuk-Tucs a resolver os nossos problemas. A uberização do nosso país é um paliativo e tem que ter um limite. Caso contrário, regressaremos ao pós-2008 quando o mercado perceber que o norte de África é seguro, ou que as nossas rendas são tão altas quanto as de Madrid, ou que Alfama já só tem estrangeiros e perdeu todo o lado típico que fazia com que fosse apaixonante.
É por isso que a Web Summit é um evento a explorar até à sua última gota. Por mais controvérsia que possa haver à sua volta, por mais que se possa acusar a CML de apresentar números que não prova, etc, este é o tipo de evento que mais promete para o futuro do país. Num mundo que cada vez mais trabalha a partir de um computador, o que nos pode dar confiança não são os quatro dias por ano em que os geeks do mundo inteiro vêm falar sobre novas aplicações. O que pode dar confiança é saber que muitos destes geek quererão começar a trabalhar a partir de Portugal, contratando gente, criando emprego. A indústria do turismo não durará para sempre. A indústria tecnológica, pelo contrário, tem ainda muito para oferecer.
2. O trânsito de Lisboa é um inferno – e tem solução
Em geral, não gosto das alterações que têm sido feitas à circulação de veículos automóveis em Lisboa. Está tudo muito bonito, mas o trânsito é um inferno. Também não gosto da EMEL. Como diz um amigo meu, são os publicanos dos nossos tempos – que pegam num imposto que é justo e que o transformam numa tirania que brada aos céus. A capital do nosso país está cada vez mais arranjada e merece cada vez mais ser visitada. Viver lá é que parece ser mais difícil…
Se bem entendo a visão de Fernando Medina, o que se pretende é que a população ganhe consciência de um facto óbvio: temos carros a mais a circular na nossa cidade. Medina tem toda a razão. Lisboa foi desenhada para coches, cavalos e meia dúzia de automóveis. Esta quantidade de carros é realmente insustentável. Não é possível que todos circulem em Lisboa, ou que todos estacionem em Lisboa. Agora: o que é preciso fazer, ao mesmo tempo que se restringe a circulação, é criar uma alternativa para isso. E em parte, têm-se arranjado soluções (as bicicletas, trotinetas e afins são inícios de solução interessantes). Mas é preciso mais. É preciso que se façam mais três coisas.
O problema do trânsito resolve-se sem precisar do investimento que o metropolitano exige. O da mentalidade é que talvez não.
Em primeiro lugar, é preciso que a CML ajude os carros a não entrar em Lisboa. Isto faz-se melhorando a qualidade do estacionamento fora da cidade. Deveria ser iniciativa e responsabilidade da autarquia criar estruturas de estacionamento – junto a centrais rodoviárias ou a estações de comboio – para quem vem da margem sul, de Oeiras, do Oeste, ou de qualquer outro sítio. É do interesse da cidade que os carros não entrem. A ser assim, que se arranje maneira de ficarem à porta. Em segundo lugar, é preciso – obviamente – melhorar a qualidade dos transportes públicos. Muito tem sido dito sobre isso. Muito tem sido dito sobre a lentidão e pesado custo do alargamento da rede de metropolitano. O que não se está a perceber é que há alternativas mais baratas: retirando carros de circulação, passam a poder circular muitíssimo mais autocarros. E isso resolve o problema tão bem quanto uma óptima rede de metro (que nós dificilmente teremos, por razões que têm que ver com a velocidade dos nossos ciclos políticos). Se os carros passarem a ficar à porta (voluntária ou compulsivamente), os autocarros – e os eléctricos – passam a circular. O problema do trânsito resolve-se sem precisar do investimento que o metropolitano exige. O da mentalidade é que talvez não. Finalmente, a terceira parte da solução. É preciso que haja mais vantagens para os carros partilhados. É conhecida a estatística que diz que um carro passa cerca de 96% do seu tempo estacionado. Ora, a ser assim, a decisão de ter carro próprio numa cidade como Lisboa não é senão irracional. Uma forma importante de a CML retirar carros de circulação passa por dar benefícios a quem use carros partilhados (subvencionando-os, ou criando lugares de estacionamento reservados, ou oferecendo benefícios a nível de IMI ou outros). É uma decisão economicamente competente para a autarquia: criando incentivos para a utilização de carros partilhados, reduz o número total de carros em circulação e aumenta a fluidez no trânsito da cidade com tudo o que isso implica.
Se queremos que Portugal aproveite o facto de Lisboa estar na moda, temos que olhar para a economia procurando soluções de longo prazo e temos que fazer com que a cidade não hostilize aqueles que nela vivem. Há passos a ser dados nos dois sentidos. O que é preciso é desenvolvê-los.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.