Nasci no dia de São Patrício. Não foi, portanto, por um acaso que procurei conhecer a história deste santo de vestes verdes. Em Portugal, não tem uma única igreja a ele dedicada. Durante todo o ano, a sua memória permanece distante. Mas a 17 de março, São Patrício é sinónimo de festa e de uma alegria que tem contagiado a celebração da minha vida.
Em comunhão de santos, muitos outros me têm acompanhado. Cada santo, com o seu carisma, tem trazido luz aos meus passos: São João Crisóstomo, São Bernardo de Claraval, São Francisco Xavier, Santa Teresa de Ávila… E também outros que só não o são oficialmente: Pedro Arrupe, Hélder Câmara, Etty Hillesum, Dorothy Day… A leitura das suas vidas tem sido preciosa no meu caminho de aproximação a Deus, a ponto da ladainha dos santos se ter tornado, para mim, numa ação de graças por tanto bem recebido. Agradecimento a Deus pelo bem que neles colocou e que a mim e a tantos tem inspirado.
Dentre todos, lembro de um modo especial São Francisco de Assis, cuja intensidade de amor a Deus e ao próximo me marcou profundamente. E também Santo Inácio de Loyola, pelo compromisso lúcido e apaixonado de Jesus Cristo a que os seus Exercícios Espirituais me convocaram. No entanto, não é só o lado santo das suas vidas que me inspira. Um e outro partilham um passado mundano que não impediu uma conversão radical orientada para a maior glória de Deus. E isso faz toda a diferença.
“Todos os santos têm um passado e todos os pecadores têm um futuro”, lembrou o Papa Francisco, citando Oscar Wilde. Muito provavelmente, quem conheceu o publicano Mateus jamais imaginou que ele seria aclamado santo. E que dizer de Saulo que se tornou São Paulo? A todos – justos e pecadores – o Senhor pede “Sede santos porque eu sou santo.” (Lv 11,45) Porque não há passado que Deus não perdoe, nem doente que não queira curar.
Viver assim acompanhado no seguimento de Cristo é uma graça muito particular a que fui chamado. Sei que transporto este tesouro num frágil vaso de barro, mas o que superabunda é a alegria por me ter sido dado segui-lo assim, passo a passo, nesta vida rodeada de santos.
Durante muito tempo intrigou-me a indicação dada por Jesus ao paralítico que acabara de curar, para que levasse o catre consigo. (Mt 9, 6) Porque seria preciso o catre se estava curado? Até que um dia me revi no paralítico e percebi que também eu não posso deitar fora o meu catre. Uma só palavra de Jesus salva-me, mas as minhas fraquezas levam-me a precisar de novo dele, uma e outra vez… Consolam-me, por isso, as palavras do Papa Francisco, na inspiradora Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate: “Nem tudo o que um santo diz é plenamente fiel ao Evangelho, nem tudo o que faz é autêntico ou perfeito.” (GE 22) Não perco a esperança, portanto, enquanto continuo a transportar o meu catre. Mas não dou graças por ele, pois melhor sinal seria se dele estivesse dispensado.
Como Abraão, escuto o Senhor que diz “Anda na minha presença e sê perfeito” (Gn 17, 1). Mas todos os dias escolho curvas e contracurvas. Apesar desta minha fraca resposta, Deus nunca me deixou, nem nunca me deixou só. Há muitos anos ouvi de um padre jesuíta que a Graça de Deus se manifesta através dos outros. Isso mesmo tenho testemunhado. No dia a dia, ainda mais do que os grandes santos da Igreja, muito tenho sido abençoado pela luz dos santos “«ao pé da porta», daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus.” (GE 7) Apesar de, como afirmou Santa Teresa Benedita da Cruz, “saber quais sejam as almas a quem devemos agradecer os acontecimentos decisivos da nossa vida pessoal é algo que só conheceremos no dia em que tudo o que está oculto for revelado”, procuro não ser cego à santidade que me é dada testemunhar. A isso dou graças, aos santos que me acompanham e tantas vezes me levam no catre desde a beira do caminho ao encontro do Senhor.
O exame diário ajuda-me a treinar o olhar atento e agradecido. E há tanto para agradecer todos os dias, principalmente se tiver em conta que “A magnanimidade mostra-se nas coisas simples e diárias.” (GE 169) E a vida familiar é composta por tantas… (cf. GE 143) Na referida exortação sobre a chamada à santidade no mundo atual, o Papa Francisco lembra que “A santificação é um caminho comunitário, que se deve fazer dois a dois.” E acrescenta: “Há muitos casais santos, onde cada cônjuge foi um instrumento para a santificação do outro.” (GE 141) Penso imediatamente em Maria e José, mas também em Sara e Abraão ou Priscila e Áquila. Penso como se terão apoiado mutuamente nos melhores e nos piores dias, chamando o outro à santidade, lembrando-se que Deus “depende de nós para amar o mundo e demonstrar-lhe o muito que o ama”, como refere Santa Teresa de Calcutá.
Viver assim acompanhado no seguimento de Cristo é uma graça muito particular a que fui chamado. Sei que transporto este tesouro num frágil vaso de barro, mas o que superabunda é a alegria por me ter sido dado segui-lo assim, passo a passo, nesta vida rodeada de santos.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.