É impossível passar pela estrada nacional que liga Guimarães a Vila Nova de Famalicão sem que um certo saudosismo nos invada. Rapidamente damos por nós a recordar ou a imaginar um passado que terá sido mais auspicioso, a contar pelo número de fábricas que encontramos a cada quilómetro, mas das quais restam hoje paredes abandonadas, com janelas partidas, telhados que ameaçam ruir, e os portões fechados. Há, todavia, várias empresas têxteis que sobreviveram à crise que, há quase dez anos, arrasou o Vale do Ave. Mas, como se ouve por esses lados, a realidade “já não é o que era.”
Quem tiver conversado, ao longo do último ano, com as pessoas que residem nessa região, sabe que existe uma grande apreensão relativamente à debilidade atual do setor têxtil. Fala-se de uma quebra de produção que poderá pôr em risco milhares de postos trabalho. Apesar de o assunto não ter merecido quase nenhuma projeção mediática, o Expresso publicou em março deste ano uma notícia, na qual dava conta que esta queda de produção estaria relacionada com o facto de empresas multinacionais, grande parte associadas ao grupo Inditex, estarem possivelmente a enviar as suas encomendas para os mercados da Turquia e Marrocos, em detrimento de Portugal.
A situação não parece ter registado sinais de melhoria desde então. Aliás, as confeções começam a fechar porque não têm encomendas. Há empresas têxteis a apresentarem sérios indícios de instabilidade, entre os quais a incerteza quanto à existência de condições para continuarem a laborar, a dificuldade no pagamento atempado aos trabalhadores, o encerramento de unidades de produção. A realidade não é animadora e só parece confirmar a apreensão de que uma nova crise ameaça o têxtil e que, a acontecer, afetará a vida de milhares de portugueses, incluindo localidades inteiras cuja maioria da população depende do setor.
Sem querer resumir-me aos alarmismos, o que me intriga em toda esta questão é o estranho silêncio da parte dos meios de comunicação social e das entidades e partidos que, tradicionalmente, têm como apanágio a defesa dos trabalhadores. Estará o setor têxtil português assim tão recomendável e competitivo para justificar este silêncio? Se sim, por que razão as empresas (ditas) “tradicionais” não têm crescido, e nalguns casos parecem inclusive manter-se a custo? Por que razão não há novas empresas a surgir no Vale do Ave? E se não está ‘recomendável’, porque será que ninguém, desde a esquerda à direita, se interessa devidamente por este assunto? Onde estão as associações que representam os trabalhadores? Estarão os sindicatos à espera de que os trabalhadores fiquem em situação de desemprego para depois vir fazer desta também uma causa sua? Acharão os sindicatos que a criação (e preservação) dos postos de trabalho é já território do “inimigo” e, portanto, uma luta apenas dos empregadores? Estarão barreiras ideológicas a sobrepor-se a uma realidade que carece de voz no espaço público? É caso para perguntar: será que em Portugal só se age depois de o “desastre” acontecer?
Posto isto, e voltando ao Vale do Ave, pergunto-me: não deveriam os sindicatos ser mais interventivos no que diz respeito a este problema? Não me recordo deste tema ter sido sequer abordado durante a última campanha política.
Neste quadro, não me parece nada estranho que a influência sindical esteja a diminuir no nosso país. Qual é afinal hoje o papel dos sindicatos em Portugal? Estará o sindicalismo a passar de moda? A realidade de outros países (com economias mais recomendáveis que a nossa) parece desmentir esta hipótese. Por exemplo, na Finlândia a força sindical regista uma presença elevada, onde três quartos dos trabalhadores estão representados por movimentos sindicais. Portanto, não parece ser o sindicalismo que está ultrapassado, mas talvez a ideia muito nossa de que os sindicatos só devem intervir para negociar as indemnizações e os despedimentos, quando já não há mais nada a fazer. As organizações sindicais não são uma mera consequência de um problema, mas uma resposta a uma realidade social. A sua voz insubstituível é necessária e deve estar presente em todas as fases da atividade laboral e não só quando as empresas ameaçam “morrer.” Deve ser construtiva e capaz de diálogo, mas também de denúncia e confronto quando estejam em causa os interesses legítimos dos trabalhadores.
Posto isto, e voltando ao Vale do Ave, pergunto-me: não deveriam os sindicatos ser mais interventivos no que diz respeito a este problema? Não me recordo deste tema ter sido sequer abordado durante a última campanha política. Andámos distraídos a saber quem era o autor da geringonça, ou a conferir quantas vezes palavra “ambiente” era referida no programa de cada partido. Estranho o silêncio! As associações sindicais são movimentos sociais (supostamente) independentes, mas parece-me inegável o peso que determinados partidos e as suas agendas políticas exercem sobre elas. Terá o tal ‘silêncio estranho’ alguma coisa a ver com esta influência partidária? Estará a descredibilização do movimento sindical relacionada com a sua partidarização?
Talvez esteja na hora de repensarmos os nossos modelos ideológicos e/ou as nossas filiações partidárias. Não é errado termos ideologias ou partidos. O único problema é quando estas ou estes nos impedem de ver e confrontar a realidade. Às vezes, ficamos presos a batalhas ideológicas de uns contra outros, e esquecemos verdadeiramente aqueles cujos interesses representamos. Como disse há uns anos o Papa Francisco, “não existe uma boa sociedade, sem uma boa força sindical.” Parece-me que em Portugal precisamos de descobrir o que significa hoje esta boa força sindical.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.