Os nomes da diferença

Como devemos agir como cristãos face a uma pessoa LGBTI? Devemos fazer como Jesus: sentar-nos com ela para a conhecer, ouvir a sua história, aprender o seu nome — o nome pelo qual Deus a chama. Fazer com que a Igreja seja também a sua casa.

Em junho, todos os anos, há quem saia à rua para marchar contra o preconceito, a discriminação, a intimidação, e a violência contra pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, intersexuais, e pertencentes a outras minorias sexuais. Estes eventos têm raiz na Rebelião de Stonewall contra a repressão policial exercida sobre estes grupos em junho de 1969 em Greenwich Village, Nova Iorque. São pessoas, vale a pena repetir. Pessoas que se mostram com amor-próprio para revelarem onde são feridas na sua dignidade. A sua vida tem certamente muitas dimensões e muitos interesses, mas nesta e noutras ocasiões assumem a sua diferença com diferentes nomes para reclamarem por direitos iguais, nomeadamente ao tratamento justo e à segurança. Neste sentido, esta deve ser também uma causa da Igreja porque estas pessoas exigem o reconhecimento da sua dignidade humana. Por essa razão se reúnem e apoiam, chamando a si uma solidariedade mais ampla. A 26 de junho de 2016, o Papa Francisco disse que a Igreja devia pedir desculpa às pessoas homossexuais que ofendeu, reafirmando que todos os seres humanos devem ser respeitados. Foram palavras bem recebidas por quem ansiava por elas há muito tempo.

Esta é uma questão política e social que se inscreve na expansão ou no avanço da democracia como projeto de libertação e liberdade. Tem também ganho contornos religiosos, tornando-a por vezes divisiva, em particular no campo das políticas da educação. De um lado, quem procura combater o bullying através do esclarecimento sobre a diversidade sexual e outros aspetos da sexualidade. Do outro, quem vê nisso uma forma de doutrinação ideológica. Não é fácil entender a que corresponderia esta doutrinação, se a ideia é dar informação e transmitir conhecimento para que estudantes com idade e maturidade apropriadas entendam o mundo diverso que habitam e a sua própria situação. A doutrinação implicaria, pelo contrário, uma tentativa de encaminhar os estudantes para uma visão fechada e única, distante da sua realidade.

A 26 de junho de 2016, o Papa Francisco disse que a Igreja devia pedir desculpa às pessoas homossexuais que ofendeu, reafirmando que todos os seres humanos devem ser respeitados.

A Igreja inclui pessoas LGBTI no seu seio e tem produzido documentos e pronunciamentos doutrinais que abordam os tópicos da orientação sexual e da identidade de género. O documento da Congregação para a Educação Católica, “Homem e Mulher os Criou”: Para uma Via de Diálogo sobre a Questão do Gender na Educação” , com data de fevereiro deste ano mas guardado para publicação neste mês, é o mais recente exemplo desta produção. O padre jesuíta James Martin comentou de modo perspicaz que “os principais parceiros de conversa do documento parecem ser filósofos, teólogos e documentos da Igreja mais antigos assim como declarações papais — e não biólogos ou cientistas, nem psiquiatras ou psicólogos, nem mesmo as pessoas LGBT e as suas famílias”. Tal é evidente na forma como concebe a identidade de género como uma escolha em vez de uma descoberta ligada a uma condição sexual, salvaguardando os casos que necessitam de discernimento. Uma conceção como esta não leva em conta, logo não parece ter escutado, as experiências reais das pessoas transexuais e intersexuais para as quais a biologia e a psicologia tem a pouco e pouco demonstrado as causas. Teólogos como o dominicano Tomás de Aquino ou o jesuíta Teilhard de Chardin decerto não ignorariam estes dados. Seja como for, o documento convida à escuta e ao diálogo e isso é um importante sinal de abertura.

Os comentários de Francisco vieram no seguimento da afirmação do cardeal Reinhard Marx, Arcebispo de Munique e Freising, de que a Igreja e a sociedade como um todo fizeram muito para marginalizar as pessoas homossexuais. Marx e o cardeal dominicano Christoph Schönborn, Arcebispo de Viena, têm argumentado que a Igreja deve valorizar as relações estáveis entre pessoas do mesmo sexo. Estas pessoas “partilham uma vida, partilham as suas alegrias e sofrimentos, ajudam-se mutuamente”, disse Schönborn em 2015. Timothy Radcliffe, antigo Mestre-Geral da Ordem Dominicana, tinha afirmado algo semelhante no contexto de um grupo de trabalho da Igreja Anglicana sobre a sexualidade humana para o qual foi convidado como teólogo: “a homossexualidade pode ser expressiva da fidelidade mútua, um relacionamento de aliança no qual duas pessoas se ligam uma à outra para sempre”. Como escreveu o Papa Bento XVI na encíclica Deus Caritas Est, “o amor exclusivo e definitivo torna-se o ícone do relacionamento de Deus com o seu povo e, vice-versa, o modo de Deus amar torna-se a medida do amor humano”.

A missão profética da Igreja é incitada através desta questão. Não é por acaso que os livros dos profetas do Antigo Testamento são também textos com um claro enquadramento social e político. No livro de Isaías, a voz de Deus ressoa para apaziguar e salvar: “Nada temas, porque Eu te res­gatei, e te chamei pelo teu nome” (43,1b). Deus chama-nos pelo nome porque nos conhece intimamente e resgata-nos do medo porque somos fruto da sua criação e do seu amor. Deus permanece connosco em cada provação. Cada pessoa é um ser inimitável cuja identidade se reflete num nome e numa história singulares no interior da comunidade humana e da Igreja. Como devemos agir como cristãos face a uma pessoa LGBTI? Devemos fazer o que Jesus fez: sentar-nos com ela para a conhecer, ouvir a sua história, aprender o seu nome — o nome pelo qual Deus a chama. Em suma, fazer com que a Igreja seja também a sua casa.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.