Quando deu por si, o bem estava feito. Tinha, por momentos, acabado de ser quem queria, quem pedia todas as noites para ser. Alegre e leve, segura e acolhedora…Quando deu por si, tinha sido tudo, sem pensar, sem frustrar, sem calcular. Quando deu por si, tinha dado de si sem dar por nada.
A mudança é muitas vezes desejada por nós, e que bom que assim é. Reconhecemos o que somos, as nossas fragilidades e limitações, acreditamos e desejamos sermos capazes de mais e melhor. Sem nos acomodarmos, percorremos caminhos de alternativas e possibilidades e sonhamos sempre com um horizonte largo até ao infinito. Desejar a mudança é o primeiro passo para que esta aconteça mas não a vincula por si só à realidade dos nossos dias.
Por vezes este desejo, por mais profundo e sincero que seja, não tem correspondência imediata com os nossos gestos, na nossa vida, e é difícil apaziguar em nós esta vontade por cumprir. O tempo de algumas mudanças ultrapassa a nossa vontade mas não se cumpre sem ela, quase nunca.
Como me sinto quando o processo de mudança se torna mais moroso do que poderia imaginar?
Nesta sede de separar em nós o que é “trigo” e o que é “joio”, há que ser paciente e compassivo ou então podemos estar a arrancar tudo. Na urgência e no fervor, podemos estar a perder mais por menos. A certa altura, a astúcia até poderá passar por investir em fazer crescer o trigo até que o joio se perca no meio do campo de tanto bem que somos.
Consigo reconhecer as minhas virtudes? Invisto e dou-lhes espaço e atenção para que se desenvolvam?
As pequenas vitórias, os pequenos passos que damos, na direção da promessa que encerramos em nós, não podem ser esquecidos ou delegados para segundo plano. São nossos, fazem parte, e ainda que pequenos e empoados de retrocessos são a prova viva deste desejo de mais e melhor.
Que lugar ocupam no final do dia as minhas vitórias?
Para nós, cristãos, esta dinâmica de desejo e de mudança é indissociável da Oração e da Confiança. Só na Oração nos é revelada a verdade do que somos, por onde passam os nossos desejos e, acima de tudo, o fim para que fomos criados e que nos deverá orientar. E, por fim, a Confiança no trabalho silencioso de Deus em nós, que nem sempre percebemos pela razão, mas que nos surpreende depois nos gestos inesperados, simples, laivos de todo o bem que somos e que ali se cumpriu.
Fotografia: Henry Be – Unsplash
Artigo originalmente publicado no site essejota.net da Pastoral Juvenil da Companhia de Jesus. Esse site já não está disponível.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.