O Deus Ressuscitado: a abertura do novo tempo

Este «futuro que se antecipou em Cristo» é a razão pela qual os cristãos hão-de procurar viver e testemunhar, na sua fragilidade, que o encontro com o Ressuscitado gera vida e alegria profunda.

«Porque procurais entre os mortos Aquele que está vivo?» (Lc 24,5). Esta é possivelmente uma das perguntas mais desinstaladoras do Novo Testamento, ainda mais quando continuamos a leitura do Evangelho segundo São Lucas e lemos: «não está aqui; ressuscitou» (Lc 24,6).

De alguma maneira, no coração do anúncio da fé cristã, há uma clareza em proclamar que «Aquele que morreu na cruz ressuscitou». Desde o início, a Igreja vive iluminada por essa luz pascal, que se contagia pelo testemunho sempre renovado de que «Cristo vive». Ora, não sendo fácil de explicar a ressurreição, creio que se pode assumir que é um acontecimento que permanecerá sempre no mistério do Deus trinitário; no entanto, deixo uma pequena reflexão, partindo da frase do teólogo grego Ioannis Zizioulas: «a ressurreição é recordação do futuro».

Certamente que começamos por perguntarmo-nos: «como podemos recordar algo que ainda não aconteceu?». Pois bem, é a própria Bíblia que nos explica isso mesmo, ao mostrar-nos inúmeros encontros de pessoas com Jesus. Em cada um deles, considerando que a redação do Evangelho é pós-pascoal e procura dar conta de «quem é Jesus Cristo», notamos que aquelas pessoas experimentam algo muito próprio da vida cristã: a dinâmica da morte e ressurreição do próprio Senhor. Pensemos, por exemplo, na mulher adúltera perdoada ou em Zaqueu perdoado, no paralítico curado ou na samaritana feliz por ter visto o Messias… Em cada um destes encontros, vemos pecadores e pecadoras rejeitados, esquecidos e desprezados pelo seu povo, que se encontram com o próprio Deus e vivem um encontro com o Amor que lhes dá uma alegria profunda, fazendo-os ver o que é a vida em Deus, já no seu «aqui e agora». Eles «experimentam e recordam o futuro», tal como nós, um futuro que é «ressuscitar com Cristo» e essa é a experiência que muda o próprio momento em que vivem, ao fazerem a experiência de um Deus que os ama e os salva.

Neste sentido, um grande testemunho que o Evangelho nos dá é que a ressurreição do Senhor, no domingo de Páscoa, não é «mais uma coisa na vida de Jesus», mas sim a antecipação do «futuro que nos espera», num acontecimento que supera a história e nos abre um novo horizonte na vida. Desta forma, o pleno testemunho da vida cristã há-de nascer do encontro com o Ressuscitado e manifestar-se pela comunhão com a morte e ressurreição do Senhor. Pela ressurreição de Jesus, Deus cumpre a sua promessa e é por isso que o anúncio «não está aqui; ressuscitou» faz o coração das mulheres explodir de alegria diante do sepulcro vazio, desejando testemunhar que «o Senhor está vivo».

Pela ressurreição de Jesus, Deus cumpre a sua promessa e é por isso que o anúncio «não está aqui; ressuscitou» faz o coração das mulheres explodir de alegria diante do sepulcro vazio, desejando testemunhar que «o Senhor está vivo».

É claro que, em nós, pode resistir a dúvida. Mas além das nossas dúvidas e inseguranças, a Palavra de Deus, que encarnou em Maria, cumpre-se e abre em nós o horizonte da eternidade. Este «futuro que se antecipou em Cristo» é a razão pela qual os cristãos hão-de procurar viver e testemunhar, na sua fragilidade, que o encontro com o Ressuscitado gera vida e alegria profunda, tal como vemos no Evangelho. Basta pensar em cada eucaristia, em cada santa unção, em cada confissão; cada sacramento é experimentar esse encontro vivificador com o Ressuscitado que nos transforma. Pensemos também em cada oração que fazemos, em cada visita ao Santíssimo, em cada gesto de caridade, em cada visita àqueles de quem ninguém se lembra; em cada um destes encontros, o testemunho da vida cristã é iluminado pela força do Filho de Deus que destruiu a morte com a sua ressurreição, fazendo com que a alegria da ressurreição seja identitária na vida cristã.

É comovente pensar que a ressurreição de Jesus inaugura a vida cristã, com a antecipação desse futuro que transforma a nossa realidade, deixando-lhe essa marca indelével de eternidade. Neste sentido, creio que facilmente recordamos testemunhos de vida marcados pela dinâmica pascal. Tal como contemplamos a alegria da mulher pecadora perdoada que se levanta, pela mão do Senhor, e vê vida onde havia morte, vemos a mesma alegria quando um sacerdote dá uma santa unção a um doente abandonado; vemos a mesma alegria na mãe que vive com consolação as noites mal dormidas para cuidar do seu filho recém nascido; vemos a mesma alegria no casal que se abre ao dom da filiação adoptiva, dando amor e vida a uma criança que viveu uma história de sucessivas rejeições e abandonos; vemos a mesma alegria nos cristãos que celebram a Páscoa em ambientes de perseguição; vemos a mesma alegria naqueles que procuram construir a paz e a fraternidade universal. Estes testemunhos de vida cristã, que algum dia contemplámos, não nascem do puro voluntarismo, mas sim da força que brota do encontro com o Ressuscitado, um encontro que deixa marcas de eternidade no tempo presente, tal como aconteceu com Zaqueu, ao deixar o Senhor entrar em sua casa.

Concluindo com a imagem de Zaqueu, recordo as palavras de Jesus nesse encontro: «hoje, veio a salvação a esta casa» (Lc 19,9). Hoje, a salvação (a vida em Deus) está mais perto de nós, do que quando abraçámos a fé, como diz São Paulo. Se, com a morte de Jesus, o véu do Templo se rasgou e com ele se rasgou o que separava a humanidade de Deus, com a sua ressurreição, começa «hoje» uma vida nova, abre-se «hoje» a porta de um novo Templo, que não conhece separações entre ricos e pobres, justos e injustos, santos e pecadores, Deus e a humanidade. Esse novo Templo é o Senhor Jesus Cristo, Morto e Ressuscitado. Com tudo isto, fica este desejo de que o domingo de Páscoa seja o «hoje» em que «recordamos o futuro da ressurreição», o «hoje» em que recordamos que «o Senhor está vivo». Só através da luz da ressurreição podemos dizer: «nada nos separará do amor de Deus» (Rom 8,38); não porque somos determinados, fortes ou convictos, mas porque o Amor de Deus nos salvou com a morte e ressurreição do Seu Filho e as graças desta vida eterna experimentamo-las «hoje».

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.