Na Apresentação das Características da Educação da Companhia de Jesus (Características a partir de aqui) foca-se, em poucas palavras, onde continua a grande preocupação das instituições educativas da Companhia de Jesus:
«Como formar o homem de hoje? Ou, melhor, como nos devemos preparar para sermos os homens de hoje? A resposta terá necessariamente de se encontrar na inacianidade […] a qual […] se encontra na fidelidade aos Exercícios Espirituais que para nós acentuam o carácter personalizado da educação».
Partindo desta formulação e porque as Características não dedicam um capítulo específico ao Aluno, vamos tentar delinear o que as mesmas pensam sobre o que um Aluno, educado numa instituição educativa da Companhia de Jesus, deverá ter e ser.
Tal como a Ratio[1], as Características partem do princípio que o centro e ator do processo educativo é o Aluno. É ele, de acordo com a sua maturidade e circunstâncias concretas em que se encontra, o primeiro responsável pela sua educação, e o que virá a ser dependerá do seu empenho na mesma. A Família tem o direito natural e o dever de assumir a responsabilidade de optar, em liberdade e em consciência, por um Projeto Educativo para os seus filhos. A Escola, através do Projeto Educativo que oferece, ajuda a família, como sujeito, a concretizar essa responsabilidade, cabendo ao Estado criar condições para que a Família exerça, sem qualquer constrangimento económico, social, político e ideológico, este seu direito e dever.
As Características, partindo da Ratio, tentam explanar, sem sistematizar, o que significa educar, em termos inacianos.
Assim, o Aluno:
1. Faz de Jesus Cristo o modelo do “ser pessoa”. Isto significa que o Aluno deve lutar por conhecer, amar e seguir Jesus Cristo, “recriando” a realidade com e para os outros, num espírito de serviço, o qual se manifesta, sobretudo, na entrega aos mais necessitados e aos que não têm voz.
2. Faz da vida um caminho para Deus, isto é, faz da reflexão crítica sobre as suas experiências pessoais e da própria vida um caminho para a presença e comunhão com Deus e, consequentemente, com os outros.
3. Une, sem separar, competência científica (litterae), humana e espiritual (virtus). A formação académica e científica, séria e profunda, e a consciência e vivência dos valores cristãos, assumem-se, no processo educativo, como um compromisso de vida. Na pedagogia inaciana, uma sem a outra não fazem sentido. Um Aluno pode ser academicamente excelente, mas sem uma formação humana, cristã e espiritual, pode fazer mais mal que bem. Por outro lado, um Aluno excelente a nível humano, cristão e espiritual, mas incapaz a nível académico, é uma pessoa impreparada para contribuir para a construção de uma sociedade mais humana, mais divina e, por isso, melhor para todos.
4. Integra na vida fé, cultura e ciência, vertentes que um Aluno educado deve sempre integrar no exercício de uma profissão ou de qualquer atividade social e política.
5. Faz do magis um modo de ser e de estar na vida, isto é, o Aluno faz da procura da excelência a sua maneira de ser e estar em cada circunstância da sua existência: o «’Mais’ não implica uma comparação com outros, nem uma medida de progresso, em relação com um nível absoluto. É antes o desenvolvimento mais completo possível das capacidades individuais de cada pessoa em cada etapa da sua vida, unida à prontidão para continuar esse desenvolvimento, ao longo da vida, e a motivação para empregar no serviço dos outros as qualidades desenvolvidas».
6. Faz da perseverança e da coerência no exercício da liberdade um caminho para o bem comum. A pessoa é livre, não para fazer o que lhe apetece, mas para fazer o bem! A Ética começa, não pelo direito, mas pelo dever da procura e vivência do bem comum. Para que isto se torne possível, é preciso autocontrolo e autodisciplina no uso responsável da liberdade.
7. “Persegue” a felicidade como um dom natural que Deus dá a cada ser criado. O Aluno deve aprender, no processo educativo, a conhecer-se, a encontrar-se na sua interioridade, a procurar, no silêncio profundo do encontro com Deus, a sua felicidade. Todavia, a sua felicidade tem uma regra: ela deve ser procurada e realizada com e a pensar nos outros, nunca contra os outros. O conceito de felicidade passa, por isso, por uma visão do mundo que é “crivada” pelos critérios da Incarnação, Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo.
8. Procura o bem e o belo. Ensinar o Aluno a fazer da vida, com as suas alegrias e tristezas, expectativas e frustrações, certezas e dúvidas, graça e pecado, etc. o “meio ambiente” privilegiado para exercitar o crescimento da sua imaginação, afetividade e criatividade e, repercutindo isto numa ação transformadora e ética, lutar pela divinização do mundo que, apesar de ferido pelo pecado, está já redimido. O bem e o belo fazem o mundo mais divino e, por isso, mais humano.
9. Sabe comunicar. O ser humano vive em comunidade. A palavra, a escuta e o diálogo deverão ter como fim primário a verdade e o bem comum que unem e conduzem a uma paz construtiva. O Aluno de uma instituição educativa da Companhia de Jesus deve, por isso, dominar as técnicas de comunicação, já que estas são fundamentais para a construção de uma comunidade que faz do diálogo o caminho para uma paz justa.
10. Aprende toda a vida. A educação é um processo evolutivo e contínuo. «Aprender é importante, mas muito mais importante é aprender e continuar com [esse] desejo». «A educação da Companhia reconhece que o crescimento intelectual, afetivo e espiritual continua por toda a vida».
11. Procura ser um líder no serviço. A liderança que nasce do serviço e se faz serviço requer abertura à graça de Deus, discernimento, coragem e risco na prossecução de um projeto que tem como fim a construção de um mundo melhor. Por isso, a participação ativa, constante e modeladora na vida da Polis é um dever de um cristão comprometido com Deus, os homens, a vida e o mundo.
Hans Peter-Kolvenbach com muita clareza, sintetiza tudo o dito:
«Hoje, o nosso principal objetivo educativo, deve ser formar homens e mulheres para os outros… pessoas que não possam conceber o amor a Deus sem que não inclua o amor pelo […] seu próximo; homens e mulheres totalmente convencidos que um amor a Deus que não se manifeste na justiça pelos outros é uma farsa. Este tipo de educação vai diretamente contra a tendência educativa que prevalece praticamente em todo o mundo.»
E continua:
«[…] O fim último da educação jesuíta é […] o pleno crescimento da pessoa, que conduz à ação. Este objetivo de ação, tendo como base uma firme compreensão, e avivado pela reflexão, move o estudante à autodisciplina e à iniciativa, à integridade e ao esmero. […] Pessoalmente, estou muito animado pelo que sinto ser um crescente desejo […] em perseguir com mais vigor os fins da educação jesuíta que, compreendida adequadamente, conduzirá à unidade, não à fragmentação; à fé, não ao cinismo; ao respeito pela vida e pela dignidade humana, não à espoliação do nosso planeta; a uma ação responsável baseada num juízo moral, não a uma timorata retirada ou a um ataque temerário. […]. O ideal da educação jesuíta procura uma vida de intelecto, uma vida de integridade e uma vida de justiça e amoroso serviço aos nossos companheiros e companheiras e ao nosso Deus. Quer dizer: uma chamada ao crescimento, uma chamada à vida. Quem responderá? Quem, senão tu? Quando, senão agora?»
Ou, dizendo de outra maneira, no seguimento dos Exercícios Espirituais[2], eu, como Aluno ou ex-Aluno dos jesuítas, que tenho feito, que faço, que devo fazer para, responsavelmente, divinizar o mundo com a minha vida?
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[1] Gracos – Grupo de Reflexão e Análise dos Colégios da Companhia de Jesus (Ed.). Características da Educação da Companhia de Jesus. Oficinas Gráficas da Tilgráfica, Braga, 1987.
[2] Margarida MIRANDA – Ratio Studiorum da Companhia de Jesus (1599). Regime escolar e curriculum de estudos. Edição bilingue Latim-Português. Introdução, versão e notas por Margarida Miranda. Ratio Studiorum, um modelo pedagógico por José Manuel Martins Lopes S.J. Faculdade de Filosofia de Braga – Universidade Católica Portuguesa, Província Portuguesa da Companhia de Jesus, Edições Alcalá, 2008.
[3] SANTO INÁCIO DE LOIOLA. Exercícios Espirituais. Tradução Mário Garcia, S.J. SNAO, Braga, 2016.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.