Há quem diga que a clausura é uma verdadeira inutilidade, que está fora de moda, que é uma perda de tempo e de vida, que simplesmente não faz sentido nos dias de hoje. Com tanta coisa para fazer, tantas bocas para alimentar, tantos nus para vestir, tantos lugares do globo e dimensões da vida comum onde é preciso intervir já não tem sentido viver fechado em quatro paredes e um claustro, sem poder pôr as mãos na massa de forma quotidiana e concreta.
E nós próprios, mesmo quando não lhe colamos um rótulo de inutilidade, é um facto que temos alguma lentidão em compreender esta forma de vida e aqueles que por ela optam. Não raras vezes, até familiares e amigos de quem decide seguir Jesus desta maneira têm dificuldade em entender. Um paradigma tecnocrático como o do mundo em que vivemos não admite tamanha improdutividade. Um verdadeiro desperdício…
No entanto, em poucos lugares se encontram hoje pessoas de sorriso tão aberto, de coração tão feliz, com a vida tão resolvida e tão em casa como nos mosteiros de clausura. É um facto.
O que leva alguém a querer abraçar uma forma de vida assim? Os que o fazem não tiveram desgostos de amor, não lhes faltaram alternativas, não fugiram do mundo. Tinham outras oportunidades, estavam no início de carreiras promissoras. Nalguns casos trocaram, literalmente, ‘o certo pelo incerto’ e o ‘champanhe pelos salmos’. Nem que seja pela estranheza, estas vidas têm alguma coisa a dizer-nos.
No entanto, em poucos lugares se encontram hoje pessoas de sorriso tão aberto, de coração tão feliz, com a vida tão resolvida e tão em casa como nos mosteiros de clausura. É um facto.
Dizem-nos em primeiro lugar que Jesus não vale só a pena. Vale a vida. Que quando se encontra um tesouro o único caminho possível é deixar tudo para o comprar. Dizem-nos que tudo é mesmo tudo e que só Deus é absoluto. Dizem-nos que é necessário vencer o medo e arriscar voos mais altos porque fomos feitos para eles.
Mas dizem-nos mais. Dizem-nos que o seguimento de Jesus é sempre radical. Diante da dificuldade contemporânea em entender opções definitivas e em levar a sério os compromissos para a vida toda, ali não há espaço para a mediocridade, para o assim-assim, para as meias tintas, para o até dar. Joga-se o definitivo da vida numa totalidade que todos nós desejamos, mas que ainda não alcançámos.
As formas de vida contemplativa ensinam-nos ainda o valor do silêncio. Fazem-nos descobrir o lugar onde nascem as palavras essenciais e importantes da nossa vida. O nosso quotidiano está cheio de palavras e de opiniões. Muitas vezes são palavras vazias e pouco densas, inconsequentes. E são tantas que se tornam banais. Pelo contrário, para quem vive o silêncio cada palavra é uma pérola, cada palavra conta, cada palavra vale e é cheia de significado. Quem ama o silêncio não desperdiça palavras. E o silêncio é a ‘pátria da palavra’, é o útero onde ela nasce e pode ser encontrada na sua limpidez originária. O silêncio tem um estatuto próprio, é uma qualidade de presença, não precisa de valor acrescentado. Fazia-nos tão bem aprender esta presença de qualidade: nas nossas relações, nas nossas famílias, nos nossos trabalhos, na vida quotidiana…
Joga-se o definitivo da vida numa totalidade que todos nós desejamos, mas que ainda não alcançámos.
E uma opção de vida como esta só é possível a quem faz a experiência de uma grande liberdade, de uma liberdade libertada. A chave, habitualmente, está atrás da grade. Quem quiser sai. Basta abrir. É de livre vontade que se está. É a medida mais alta do amor. O amor decidido, onde nos temos para nos darmos. Às vezes nós, que nos dizemos livres, somos aborrecidos prisioneiros dos nossos apetites e dos nossos afazeres. Grande paradoxo. Somos presos em liberdade.
E finalmente a finalidade. Só é possível esta vida para quem vive a partir do fim. A vida contemplativa é sinal da ressurreição e do fim dos tempos. Quem vive assim não é do passado, está mais à frente, indica a meta, acredita na providência e sabe que Deus não falha.
Os mosteiros de clausura e os monges e monjas que neles vivem são verdadeiros oásis no meio das nossas vilas e cidades. São como faróis que nos apontam o caminho, sinais que brilham para não nos esquecermos do essencial. São um convite à contemplação e ao silêncio, à liberdade e a uma respiração mais profunda onde há espaço para a verdade última da vida se revelar. Para nós, a quem às vezes custa respirar, são de uma utilidade superior.
Se não consegues ainda assim compreender, fica o desafio: vai lá e vê. Entra no silêncio da oração, na felicidade profunda, descobre a alegria de quem vive assim. Só há uma coisa que não posso prometer! Que ao entrares, não encontres a tua Casa.
Esta vocação não é para todos. Mas pode ser para ti!
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.