A Fé, se virmos bem, põe-nos em tensão! Ela estende-nos até à medida máxima do que podemos e somos chamados a ser, amplia as nossas perspetivas e faz-nos conhecer, avaliar e decidir num horizonte mais largo e com maior capacidade de ação.
A Páscoa de Jesus abre no mundo e no coração dos crentes uma porta de plenitude que já vivemos, mas não de forma definitiva. Para nós, ela é um já e um ainda não! Não podia haver maior esticão! Nem maior tensão…
É bom quando nos sentimos tendidos e a crescer, sem ficarmos demasiado instalados nos nossos quentes e nas nossas seguranças. A quem caminha com Jesus, basta a segura insegurança da Fé. É preciso deixar as redes e atravessar o trapézio da vida sem outra proteção a não ser a da presença constante e fiel do Senhor. Com a confiança das crianças… ainda que não sem ‘temor e tremor’…
Mas há tensões e tensões! Há tensões que progressivamente nos aumentam e há aquelas que só nos partem e dividem ou nos deixam demasiado tenros e lassos.
Há tensões que nos esticam e fazem crescer: experimentamos o peso da finitude, mas desejamos o infinito; sentimo-nos inacabados, mas ansiamos por estar completos; sabemos que somos só principiantes, mas que cada passo bem dado nos aproxima do fim. E há conflitos e crises, interiores e exteriores, que nos trazem oportunidades de superação e de crescimento, que são autênticas oportunidades de caminho se não nos fecharmos em nós e alargarmos olhar. Nestas tensões vai-se acertando o tom da nossa vida e as cordas da existência vão ganhando a tensão certa para que o som seja afinado…
Mas também há tensões que nos dividem e dispersam: a indiferença relativista; o individualismo e a exclusão dos outros que geram vida solitária; a idolatria dos bens materiais e o desejo de consumo que nos põe só a olhar para o chão; o pessimismo estéril que nos rouba a esperança; a acédia egoísta que nos desmobiliza e deprime; o mundanismo espiritual que nos faz trocar o Deus das coisas pelas coisas de Deus; as guerras entre nós que nos dividem e causam tantas tensões e tantos escândalos.
É certo que na Igreja também houve sempre tensões… desde o princípio! Os discípulos que lutavam pelo melhor lugar, Pedro e Paulo nas suas diferentes visões de como integrar os que aderiam ao Evangelho, Jerónimo e Agostinho em algumas questões teológicas… Mas talvez porque hoje tudo é mais mediático, algumas tensões são mais vivas e sentimo-las tão próximas que somos, quase automaticamente, impelidos e pressionados a apressadamente tomar partido.
Talvez este seja um tempo para aprendermos que, para amadurecerem, as coisas precisam de tempo, talvez seja um tempo para nos concentramos mais no essencial e deixarmos que ‘o tempo seja superior ao espaço’, que ‘a unidade prevaleça sobre o conflito’, que ‘a realidade seja mais importante do que as nossas ideias’ e que o ‘o todo seja superior à parte’, porque a parcialidade é filha da mentira e parente chegada de todos os fundamentalismos.
Não há pior tensão do que aquela tensão curvada de quem apenas olha para o seu umbigo e se deixa ficar preso em si próprio. E quanto mais velhos somos, mais difícil se torna este exercício, porque a maturidade não é compatível com autossuficiências ou autocentramentos. Nem a maturidade pessoal, nem a maturidade eclesial.
Olhar mais para Jesus e para os outros pode salvar-nos de tensões estéreis e inúteis. É bom ‘sairmos’ e alargarmos o olhar, mais para o alto e para mais longe. Se queremos tensão… que seja boa… e que seja a sério… Só é possível seguir Jesus vivendo a partir do fim, e consequentemente, abraçar a Fé é sempre assumir o elevado risco de viver em ‘Alta Tensão’.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.