No cristianismo, os elementos tradicionalmente associados à doutrina da “guerra justa” têm raízes nas reflexões de Santo Agostinho, em particular no livro Cidade de Deus. Seguiram-se contributos dominicanos de São Tomás de Aquino e da Escola da Salamanca, a partir do pensamento de frei Francisco de Vitória. O entendimento contemporâneo da Igreja Católica é, essencialmente, o de que a guerra deve ser evitada.
Por essa razão, a advocacia da paz entre nações e do desarmamento internacional, especialmente banindo as armas nucleares, tem marcado o magistério do Papa Francisco e o ativismo de muitos católicos. Gaudium et Spes, a constituição pastoral do Concílio Vaticano II sobre a Igreja no mundo atual, fixou estas ideias. No ponto 79, o documento justifica a ação armada apenas em legítima defesa, “depois de esgotados todos os recursos de negociações pacíficas”. Assim sendo, é reconhecido o papel de quem se dedica “ao serviço da pátria no exército”, porque são “servidores da segurança e da liberdade dos povos”.
A argumentação a favor da legítima defesa armada não significa, no entanto, que “tudo se torna lícito entre as partes beligerantes”. Os não-combatentes, soldados feridos, e prisioneiros devem ser respeitados e tratados com humanidade. A doutrina da “guerra justa” identifica quatro condições para a legitimidade moral da defesa, em linha com o bem comum. Primeiro, que a agressão à nação ou comunidade de nações tenha um caráter duradouro, grave, e certo. Segundo, que todos os outros meios de pôr fim ao conflito tenham sido infrutíferos. Terceiro, que a ação tenha condições reais de ser bem sucedida. Quarto, que o uso de armas não tenha consequências mais graves do que o mal que se pretende eliminar.
Ou seja, quando uma guerra tem de ser travada para defesa e proteção, ela deve ser conduzida no espírito dos pacificadores, dos artífices da paz. A violência agressora da guerra começa um ciclo que parece não ter fim à vista. Nesses casos extremos, como aconteceu na Segunda Guerra Mundial para travar a força destruidora do nazi-fascismo, o ciclo só termina com a garantia da derrota de uma ameaça permanente, defendendo os povos atacados e as vidas em perigo. Jesus é o príncipe da paz que os cristãos seguem nesse caminho difícil. É ele que nos ensina que a paz não é simplesmente a ausência de guerra. A palavra grega eirene (paz) usada no Novo Testamento abre outras sentidos. A paz é unidade e harmonia entre seres humanos que partilham a mesma origem e a mesma morada. É também concordância espiritual da humanidade com Deus através de Cristo e da salvação que anuncia e possibilita.
Por tudo isto, “guerra justa” talvez seja uma expressão infeliz e contraditória. Não há justiça na guerra. A guerra é sempre injusta, porque é uma afronta à fraternidade que nos deve unir.
Por tudo isto, “guerra justa” talvez seja uma expressão infeliz e contraditória. Não há justiça na guerra. A guerra é sempre injusta, porque é uma afronta à fraternidade que nos deve unir. A justiça redefinida pelo amor de Cristo é a “de quem se sente em todo o caso sempre mais devedor do que credor, porque recebeu mais do que aquilo que poderia esperar”. A justiça alimenta-se do amor ao próximo e da atenção às suas necessidades (Mt 25,31-40). A guerra, pelo contrário, não corresponde a nenhuma necessidade ou nenhum anseio verdadeiramente humanos, mas a uma vontade corrompida de domínio ou de vingança. Por isso, o Salmo 68 lança um apelo a Deus para que faça ouvir a sua voz: “Dispersa as nações que desejam a guerra!” (31d).
Uma das iniciativas cívicas mais importantes em Portugal em relação a estes temas denomina-se “Municípios pela Paz”. Iniciada em 2016, esta rede junta o Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC) a um grupo de municípios que se tem alargado, liderados por partidos políticos distintos como no Seixal (Partido Comunista Português), em Soure (Partido Socialista), e no Fundão (Partido Social Democrata). Em tempos recentes, em debates e encontros organizados pelo CPPC têm participado dirigentes da Juventude Operária Católica, da Liga Operária Católica – Movimento de Trabalhadores Cristãos, da Pastoral Operária, e D. Januário Torgal Ferreira, antigo bispo das Forças Armadas. Ao participarem no movimento, os Municípios pela Paz assumem dez compromissos com uma cultura da paz e uma educação para a paz, em defesa do espírito e dos princípios da Carta das Nações Unidas e da Constituição da República Portuguesa, do desenvolvimento de relações internacionais equitativas, solidárias, e pacíficas e de uma política de amizade e cooperação entre os povos e os países, no respeito pela sua soberania. Entre as suas atividades em colaboração com outras entidades, destaca-se um calendário de iniciativas públicas que assinalem o Dia Internacional da Paz (21 de setembro), o Dia Internacional para a Abolição Total das Armas Nucleares (26 de setembro), o Dia Internacional do Desporto para o Desenvolvimento e a Paz (6 de abril), e os bombardeamentos nucleares de Hiroxima e Nagasáqui (6 e 9 de agosto).
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.