Há expressões que usamos e das quais não fazemos ideia a origem. No Segundo domingo da Páscoa a Igreja apresenta-nos Tomé, um dos doze apóstolos e o autor do adágio que entrou no nosso quotidiano. Será interessante pensarmos em tantas coisas que nos levam a dizer como o apóstolo Ver para crer.
Falando com um outro jesuíta nestes dias ele dizia-me que a falta de fé de Tomé não se trata de uma falta de fé em Deus, mas uma falta de fé na comunidade. São João não nos diz porque é que Tomé estava ausente no dia de Páscoa, apenas nos informa. Os discípulos, que fazem a experiência pacificadora da ressurreição, não contêm a alegria de ver Jesus novamente no meio deles e contam tudo a Tomé, mas Tomé tem dificuldade em acreditar neles.
Temos vivido tempos conturbados, entre a pandemia e a guerra, as notícias tristes sucedem-se e de alguma maneira parecem hipotecar a nossa alegria neste tempo pascal. Mas a pedagogia de Jesus ressuscitado vem lembrar-nos que, mesmo no meio da confusão e do medo, a paz e a alegria conseguem superar até mesmo a morte. Sem perdermos uma certa dose de realismo no confronto com o nosso mundo, será importante dar o passo na fé da comunidade crente que nestes dias despe o roxo carregado da Quaresma e se abre ao branco da Páscoa. A fé daqueles que se sabem acompanhados e em caminho, a fé daqueles que querem receber a paz como um dom que o Cristo ressuscitado quer oferecer, e oferecer em superabundância. Das duas vezes que Jesus se junta ao grupo dos discípulos traz este desejo, de que a paz esteja com eles. Esta paz é uma espécie de marca registada de Jesus.
Aqueles de nós que somos batizados, que pertencemos à família de Deus, devíamos estar habituados a fazer fé da palavra da comunidade, a não duvidar. Porque temos tanta dificuldade em acreditar na palavra e no testemunho dos que estão perto de nós? Isso poderá dizer alguma coisa também de nós? A nossa palavra como cristãos é digna de fé?
Gostava muito que ao longo deste tempo pascal nos fossemos exercitando nas nossas famílias, nos nossos trabalhos, nos lugares que habitamos a um movimento de credibilidade. Gostava que aprendêssemos a acreditar, mesmo quando nos parece que vai contracorrente; a esperar numa esperança cristã que é realista, mesmo que o mundo à nossa volta insista em nos dizer que não faz sentido.
Quando uma semana depois Tomé está com os outros e vê Jesus, não precisa tocar as feridas para acreditar, para fazer a sua profissão de fé. Jesus restaura em Tomé a fé que ele tinha perdido na comunidade, ajuda-o a perceber que a comunidade tinha razão, que Jesus estava realmente vivo. A boa notícia é que Jesus continua vivo, continua a desafiar-nos a passar do medo à alegria.
Aquele que lê este texto pode perguntar-se porquê tanta insistência na alegria. A alegria é um fruto da ressurreição, e ainda que o mundo nos diga que não temos motivos para a alegria, devemos recordar-nos que, com a ressurreição, Cristo venceu o mundo, e como tal é o único capaz de nos transformar de modo a que o nosso olhar se converta, que convertamos o modo como olhamos a realidade.
Neste segundo domingo da Páscoa, que Tomé seja o nosso guia neste caminho rumo à verdadeira alegria pascal.
Fotografia de D A V I D S O N L U N A – Unsplash
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.