Um Papa “rei, profeta e sacerdote” que visitou Timor como “sol nascente”

O Papa foi para mim, nesta visita a Timor Leste, um reavivar da nossa unção batismal, sermos profetas, reis e sacerdotes em nome de Cristo que todos seguimos e servimos. Possa o Povo timorense acolher e transformar em vida tamanha dádiva.

O Papa foi para mim, nesta visita a Timor Leste, um reavivar da nossa unção batismal, sermos profetas, reis e sacerdotes em nome de Cristo que todos seguimos e servimos. Possa o Povo timorense acolher e transformar em vida tamanha dádiva.

É difícil expressar por palavras a marca que o Papa deixou nesta terra e no seu povo. É difícil encontrar em mim palavras que descrevam o significado da sua passagem. Só me ocorre agradecer e deixar que se cumpra o que aqui foi vivido.

No dia da chegada do Papa a Timor as ruas estavam pejadas de pessoas de todas as idades e de toda a condição social. Uma verdadeira alegria que contagiava pelo entusiasmo e pela expectativa de o ver. Como fotógrafo fixei-me nesses rostos e nessa moldura humana que pacientemente aguardava a chegada do “grande irmão”. À medida que fotografava essa multidão caí na conta da grandeza da sua hospitalidade e da forma sublime como a expressa através do seu sorriso. Um imenso sorriso, do tamanho da ilha, do tamanho do seu povo. E, claro, as crianças. Em todo o lado, omnipresentes, como primeiros porta-vozes desse sorriso.

A passagem do carro do Papa a grande velocidade não impediu que os seus sorrisos chegassem  até ele, não fosse o sorriso luz, e luz de Deus para os homens. Mais do que um beijo, o Papa recebeu do povo timorense um grande sorriso que nasceu da sua alma simples e terminou no olhar humilde de quem o acolheu.

No dia seguinte, a celebração da missa em Tasi Tolo foi um segundo momento inesquecível. A multidão compactada ocupava uma área de vários estádios. Não havia espaço nem para esticar as pernas. Milhares de pessoas aguentaram horas seguidas ao sol a vinda do Papa para com ele celebrar a Fé e a Esperança. Uma resistência heroica como toda a sua história, como todas as suas vidas. A  maior parte destas pessoas caminharam quilómetros a pé desde as suas casas  para ali estarem compactadas, encaixadas, emparedadas numa única nação, num único povo de louvor. O Papa chegou e manifestou-se. Não pude deixar de o contemplar como um verdadeiro “crismado”, um verdadeiro cristão à altura do seu chamamento. Um homem ungido com o óleo do crisma que nos irmana a todos numa mesma missão sacerdotal, profética e real. E foi assim, como sacerdote, que o Papa presidiu à Eucaristia, em nome do mesmo menino que Isaías, na primeira leitura, anunciava sem o ter conhecido. O seu corpo e a sua cadeira de rodas falavam de um sacerdote frágil, impotente, e que por isso compreendia aqueles a quem celebrava este sacrifício de amor.

No momento da Liturgia da Palavra, quando o sacerdote falava aos seus,  o profeta manifestou-se unindo o céu e a terra e tocando o coração inquieto daqueles que o acolheram e ouviam. O Papa começou por elogiar a criança como ator da salvação, como instrumento de conversão de quem a acolhe e se torna como ela. Convidou-nos a sermos frágeis nas mãos do Pai, acolhendo o seu Reino numa medida desmesurada e transbordante. E depois convidou-nos a não ter medo de sermos pequenos, de não querermos ser mais do que somos e do que Deus nos deu gratuitamente. Sobretudo de não termos medo. De perder medo ao próprio medo, essa erva daninha tão limitadora e enraizada no coração dos timorenses.

O Papa falou como um pastor-profeta que conhece as ovelhas pelo nome. Por isso ama-as antes de tudo como são, na sua identidade mais profunda e autêntica. E se houve algo que o profeta quis defender foi exatamente os adornos da cultura que embelezam o sagrado da vida dos timorenses na sua identidade. Kaibauk e Belak, o sol e a lua, a força e a ternura. Duas peças de uma cultura centenária que adornam o timorense e que nas mãos de Deus se transformam na força e na ternura de um pai e de uma mãe, força e ternura do próprio Deus na pessoa de Jesus nosso irmão grande (Maun Boot). “Que a vossa fé seja a vossa cultura”, que a vossa cultura testemunhe a vossa fé. E se não bastasse, elevou a rainha aquela que trouxe o Príncipe da Paz nas suas entranhas, mostrando-a como modelo da confiança e da humildade que transformam o mundo. Quando o profeta deixou de falar a sua voz ainda ecoou um bom pedaço no silêncio de uma verdade que ficou entranhada no coração daqueles que o ouviram.

Por fim, no final da missa, como resposta ao bispo metropolitano de Díli, o Papa revestiu-se da sua terceira missão batismal, a missão da realeza, para deixar um grito de alerta e de cuidado ao seu povo. Foi como Chefe de Estado, que é mais do que um chefe temporal, que o Papa alertou os timorenses para os perigos e as ameaças que podem chegar a toda a hora. Esses “crocodilos” que ficarão na história da denúncia deste povo, ditos e revelados pela boca do amigo da Verdade. “Cuidado com os crocodilos que querem destruir a vossa cultura e identidade” que querem que desapareçam para que eles reinem. Cuidado! Dito bem alto e a várias vozes.

O Papa Francisco foi para mim, nesta sua visita a Timor Leste, um reavivar da nossa unção batismal, sermos profetas, reis e sacerdotes em nome do mesmo Senhor Jesus Cristo que todos seguimos e servimos. Possa o Povo timorense acolher e transformar em vida tamanha dádiva recebida. Transformá-la em verdadeira cultura e tradição. Uma cultura que brote dos “grãos de trigo” e de “mostarda” que o Evangelho tanto elogia, sementes promissoras de uma sociedade mais justa e fraterna.

No final da missa, enquanto o Papa “dançava” entre sorrisos e abraços da multidão, no céu, um enorme bando de andorinhas dançou um círculo perfeito e interminável. Foram despedidas e lágrimas do Povo ao seu Papa, uma coroa agradecida à Mãe de Deus e Mãe de todos os timorenses.

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Papa Francisco com o P. João Felgueiras, jesuíta português de 103 anos que está em Timor há várias décadas.

 

Fotografias: P. Paulo Teia, sj

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.