1. Como mel para a boca
Rowan Atkinson, aliás Mr. Bean, e Kristin Scott Thomas em Uma família dos diabos, de Niall Johnson (2006). Um homem olha a sua mulher a arranjar-se, ao mesmo tempo que o narrador declama um hino retirado do Cântico dos Cânticos.
2. Um texto bíblico
Ela
Eu sou o narciso de Saron,
eu sou o lírio dos vales.
Ele
Tal como um lírio entre os cardos
é a minha amada entre as jovens.
Ela
Tal como a macieira entre as árvores da floresta
é o meu amado entre os jovens.
Anseio sentar-me à sua sombra,
que o seu fruto é doce na minha boca.
Que ele me leve para a sala do banquete,
e se erga diante de mim a sua bandeira de amor.
Sustentem-me com bolos de passas,
fortaleçam-me com maçãs,
porque eu desfaleço de amor.
Por baixo da minha cabeça Ele põe a mão esquerda
e abraça-me a sua mão direita.
Eu vos conjuro, mulheres de Jerusalém,
pelas gazelas ou pelas corças do monte:
não desperteis nem perturbeis
o meu amor, até que ele queira.
A voz de meu amado! Ei-lo que chega,
correndo pelos montes,
saltando sobre as colinas.
O meu amado é semelhante a um gamo
ou a um filhote de gazela.
Ei-lo que espera,
por detrás do nosso muro,
olhando pelas janelas,
espreitando pelas frinchas.
Fala o meu amado e diz-me:
Ele
Levanta-te! Anda, vem daí,
ó minha bela amada!
Eis que o Inverno já passou,
a chuva parou e foi-se embora;
despontam as flores na terra,
chegou o tempo das canções,
e a voz da rola
já se ouve na nossa terra;
a figueira faz brotar os seus figos
e as vinhas floridas exalam perfume.
Levanta-te! Anda, vem daí,
ó minha bela amada!
Minha pomba, nas fendas do rochedo,
no escondido dos penhascos,
deixa-me ver o teu rosto,
deixa-me ouvir a tua voz.
Pois a tua voz é doce
e o teu rosto, encantador.
Agarrai-nos as raposas,
essas raposas pequenas
que devastam as vinhas,
as nossas vinhas já floridas.
Ela
O meu amado é para mim e eu para ele,
ele é o pastor entre os lírios,
até que rebente o dia
e as sombras desapareçam.
Volta, meu amado, e sê como um gamo
ou um filhote de gazela
pelas quebradas dos montes.
Cântico dos Cânticos 2
3. O esclarecimento
O Cântico dos Cânticos apresenta um canto de amor de um homem à sua mulher. Este canto faz-nos entrar no mistério da relação de amor que une dois esposos. Numerosas passagens deste texto convidam a contemplar a atitude masculina diante da sua amada. É o tema da virilidade na Bíblia que hoje nos propomos aprofundar.
«Demasiados homens estão amputados de si próprios. “A virilidade já não é um valor no Ocidente”, escreve Paul François Paoli em La tyrannie de la faiblesse. Ela, no entanto, não é agressividade nem dureza do coração, menos ainda vulgaridade. Mas o dom do seu corpo e do seu sangue para se tornar guardião da esposa na vulnerabilidade da sua gestação para proteger a vida frágil (…). Eis o que conduz o homem à sua realização, e a mulher a gerar a vida. Não se pode gerar a vida senão na união ao corpo de um outro. O homem é uma força que tem de se baixar ao estatuto de servidor, para nunca cair na brutalidade despótica de quem nunca fez do seu poder um serviço. A lógica do amor de um homem é eucarística: «Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela» (Epístola de S. Paulo aos Efésios).»
[Devemos esta excelente reflexão ao Padre Luc, de Bellecize, na sua Homilia de 22 de Junho de 2014!]
É divertido constatar que este conceito de virilidade parece associar-se a uma citação de Simone de Beauvoir – que com certeza não é uma mãe da Igreja! – em O segundo sexo (Paris, 1949):
«Ninguém é mais arrogante em relação às mulheres, mais agressivo ou desprezador, do que um homem inquieto com a sua virilidade».
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
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