Um ano para nos reinventarmos e ousar com Deus

Estamos a viver uma oportunidade única para alcançar mudanças positivas e necessárias. As feridas que trazemos são a marca de uma fragilidade que, quando aceite, é redentora.

Estamos a viver uma oportunidade única para alcançar mudanças positivas e necessárias. As feridas que trazemos são a marca de uma fragilidade que, quando aceite, é redentora.

Estamos a começar uma nova etapa, depois de um ano atípico, estranho, surpreendente, mas apesar de tudo um ano que nos aproximou a todos, para além das barreiras e das imposições, na descoberta da nossa humanidade.

Na Fundação AJU – Jerónimo Usera, este foi um ano que pediu de nós uma dose enorme de fé e uma necessidade brutal de reinvenção e de superação. Um tempo que provocou uma alteração na vida de todos nós, afetando ritmos e rotinas, desinstalando-nos e fazendo-nos sentir a nossa própria fragilidade.

Foi preciso reinventarmo-nos quando percebemos que precisávamos de nos ajustar, trilhando novos caminhos, ao encontro de soluções possíveis que aliviem e consolem. Muitas famílias, que até há pouco estavam estabilizadas, vivem agora um tempo de impasse e uma angústia inesperadas. Voltámos a ter muitos pedidos de famílias mais numerosas e muitas pessoas que se tinham autonomizado estão de volta, atordoadas e envergonhadas, com uma grande dificuldade em encarar e integrar o que estão a viver.

Quando somos confrontados diariamente com a dor humana e com novas situações de grande vulnerabilidade e precariedade, precisamos de encontrar um ponto de equilíbrio e ”ousar com Deus”.

Quando somos confrontados diariamente com a dor humana e com novas situações de grande vulnerabilidade e precariedade, precisamos de encontrar um ponto de equilíbrio e ”ousar com Deus”. Produzir mudança implica humildade e foco no que realmente importa. Implica atenção e cuidado.

As nossas respostas são integrais e é “no olhar a pessoa como um todo”, acompanhando-a em todas as fases da sua vida, que tentamos fazer com cada uma um percurso “à medida”. É o que no momento atual e apesar das dificuldades temos feito, com limitações que se tornaram em muitos casos portas abertas à inovação.

Foi preciso repensar ao detalhe, adaptar respostas, antecipar, reconhecer o que é realmente necessário para cada situação, traçar estratégias sem perder a humanidade e a proximidade.

Tem havido um grande aumento de pedidos de ajuda nestes últimos meses. Muitas pessoas lutam para conseguir gerir o orçamento familiar e temos tido um visível declínio em relação aos bens doados. Contar com pessoas atentas e solidárias e com uma equipa motivada e coesa tem sido fulcral e sinónimo de resiliência, empatia, e esperança, ingredientes essenciais para se “fazer a diferença”.

Foi preciso repensar ao detalhe, adaptar respostas, antecipar, reconhecer o que é realmente necessário para cada situação, traçar estratégias sem perder a humanidade e a proximidade.

 

Fazer um percurso com uma família pede da equipa uma visão integrada, pede um esforço multidisciplinar e, no nosso caso, uma visão cristã. É o que temos continuado a fazer nestes últimos tempos.

Curiosamente, fomos surpreendidos de muitas maneiras pelas reações positivas às novas abordagens. As pessoas sentem-se gratas pelas iniciativas e pelo cuidado que temos tido. Aderem às atividades e colaboram empenhadas.

Estamos a viver uma oportunidade única para alcançar mudanças positivas e necessárias. As feridas que trazemos são a marca de uma fragilidade que, quando aceite, é redentora.

Este foi um ano que nos interpelou, nos fez pensar, nos desinstalou e que, se deixarmos, nos dará asas para nos relançarmos, para não desistirmos. Um ano que nos desafiou a confiar mais, a deitar fora o medo e a não deixar de celebrar a vida. A aprender que os tempos difíceis nos ajudam a compreender melhor o que é eterno e que, por isso, não passa.

Quando fazemos esta experiência, que é também uma experiência de fé, não podemos deixar de olhar a realidade de uma nova forma. Vamos mais além e é esta também a aprendizagem deste ano. Ter atenção ao outro. Acolher melhor, escutar o que de mais profundo existe, o que muitas vezes fica por dizer. Saber ler nas entrelinhas e escutar o que não se conseguiu pronunciar ou descontar o que foi dito a mais.

Faço eco das Palavras do Papa Francisco: “que a cultura da atenção, da escuta e do diálogo seja aprendida como caminho”. E que no próximo ano possamos viver de uma forma mais focada, depurada, inteira… com menos distrações e mais intenção de coração, para trazer ao de cima o que de melhor existe dentro de cada um.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.