Em 1967, na sua encíclica Populorum Progressio (PP), o Papa S. Paulo VI afirmava que o “desenvolvimento é o novo nome da paz”. Nas suas palavras:
“as excessivas disparidades económicas, sociais e culturais provocam, entre os povos, tensões e discórdias, e põem em perigo a paz. (…) Combater a miséria e lutar contra a injustiça, é promover não só o bem-estar, mas também o progresso humano e espiritual de todos e, portanto, o bem comum da humanidade. A paz não se reduz a uma ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário das forças. Constrói-se, dia a dia, na busca de uma ordem querida por Deus, que traz consigo uma justiça mais perfeita entre os homens” (PP 76).
Como fica patente, para o Papa, sem um desenvolvimento de todos os povos não há lugar à paz, sendo que este “não se reduz a um simples crescimento económico. Para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo” (PP 14). Assim, “a situação actual do mundo exige uma ação de conjunto a partir de uma visão clara de todos os aspectos económicos, sociais, culturais e espirituais” (PP 13). Para alcançar o desejado desenvolvimento, torna-se pois necessária uma cooperação entre os povos que vise o bem comum e seja capaz de ultrapassar os problemas que a todos dizem respeito.
Hoje, aos elementos mencionados por S. Paulo VI, é inevitável acrescentar a questão climática, que, ameaçando o equilíbrio dos ecossistemas e tornando mais frequentes os fenómenos naturais extremos, será – ou já é mesmo – uma nova fonte de instabilidade, pobreza e conflito. Sendo este um desafio global, indiferente a fronteiras e afinidades ideológicas, torna-se ainda mais crucial a cooperação internacional.
De facto, falar de desenvolvimento integral hoje não pode excluir a dimensão ecológica. Um meio ambiente saudável (ou não) tem impacto sobre a saúde, a economia, a disponibilidade de recursos… No fim de contas, afecta toda a ação humana, já que o ser humano faz parte do ecossistema. Inversamente, a nossa ação afecta o meio ambiente, positiva ou negativamente. Trata-se de um círculo de influência mútua, que pode ser vicioso ou virtuoso. Desta forma, pensar a política e a maneira de viver em sociedade deve forçosamente ter em conta a nossa relação com a Casa Comum e pede uma abordagem holística, que, por incluir mais variáveis, é mais complexa e traz mais nuances. As visões dualistas a preto e branco não são, portanto, úteis para fazer face aos desafios atuais.
Porém, vivemos cada vez mais num mundo polarizado, tanto a nível internacional, com blocos regionais fechados entre si, como no interior de cada país, onde o diálogo entre grupos políticos diferentes é tenso e feito de chavões simplistas. Neste contexto, as instituições políticas, nacionais e internacionais, revelam-se incapazes de gerar os consensos desejados e a cooperação é posta em causa, apesar da sua importância.
Assim, promover “todos os homens e o homem todo”, em harmonia com o cuidado do planeta – isto é, uma ecologia integral –, requer quase previamente uma abertura ao outro e à complexidade da realidade, sem receio da diferença e do discernimento exigido pelos tons de cinzento. No fim de contas, sem tal atitude, não é possível a paz nem o desenvolvimento que a torna duradoura. Percebemos então melhor a referência que faz S. Paulo VI aos aspectos culturais e espirituais: sem cuidarmos destas dimensões profundamente humanas e humanizadoras, não seremos capazes do desenvolvimento integral que buscamos.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.