Seguir Jesus pobre e humilde – a imaginação como possibilidade

Celebrámos ontem a Festa de Santo Inácio. Na homilia da missa, na Igreja de São Roque, em Lisboa, o Padre Provincial falou sobre a alegria, e também as dificuldades, de seguir Jesus pobre e humilde. Algo que pode começar pela imaginação.

Celebrámos ontem a Festa de Santo Inácio. Na homilia da missa, na Igreja de São Roque, em Lisboa, o Padre Provincial falou sobre a alegria, e também as dificuldades, de seguir Jesus pobre e humilde. Algo que pode começar pela imaginação.

Seguir Jesus pobre e humilde. Quem quiser ganhar a sua vida, há-de perdê-la. E quem a perder, há de ganhá-la. É isto que nos diz o Evangelho de hoje. Parece ser um jogo com regras invertidas. Mas será que isto não é apenas uma “treta piedosa”, um jargão jesuítico que usamos na eucaristia, nos exercícios espirituais, mas que parece impossível na vida?

Era esta a inquietação que levava para os meus Exercícios Espirituais que terminei há pouco: será que seguir Jesus pobre e humilde faz algum sentido? Quero mesmo viver assim? Nós, jesuítas, queremos mesmo viver assim? Eu posso viver assim ou não? Por vezes, o dia a dia leva-nos a desacreditar de tal possibilidade. Primeiro, porque não conseguimos viver assim, depois porque analisando a realidade que nos rodeia, até entre companheiros, parece-nos que isso não é possível.

Na missa, sim, é possível. Quando fazemos Exercícios Espirituais também. Nos nossos grupos, na CVX, quando aconselhamos outros, também. Mas quando vem alguma experiência de carência, de negação, de desconsideração; quando não tenho aquilo que gostaria de ter, quando os outros não me fazem aquilo que eu gostaria que me fizessem, quando não me consideram como eu gostaria que me considerassem, não me consultam, não me elegem, parece que já não é possível. Aí, parece que, de facto, nada disto faz sentido.

Faz sentido, mas quando temos tudo. Aí é bom sermos pobres. Faz sentido, mas quando somos considerados, quando as reuniões correm bem e as conferências estão cheias. Quando estou bem no meu lugar e todos me confirmam, aí, é fácil seguir Jesus pobre e humilde.

É tão grande a inautenticidade e são fortes os motivos para desacreditar. Mas no final dos exercícios espirituais senti-me confirmado de que, apesar de me custar tanto viver assim, apesar de sentir que a Companhia tem tantas feridas neste modo de seguir Jesus, sim, faz sentido. Sim, é possível! É possível alcançarmos o fruto da liberdade e da alegria, vivermos assim: pobres como Jesus pobre, humildes como Jesus humilde.

Este é o caminho da felicidade. Esse é o caminho da alegria, da liberdade, da fecundidade. Talvez não chegamos a esta conclusão porque já o vimos realizado em nós ou à nossa volta, mas porque o Senhor no-lo prometeu. Porque o Senhor o viveu.

Este é o caminho da felicidade. Este é o caminho da alegria, da liberdade, da fecundidade. Talvez não chegamos a esta conclusão porque já o vimos realizado em nós ou à nossa volta, mas porque o Senhor no-lo prometeu. Porque o Senhor o viveu.

Também nestes meus exercícios recentes me pareceu que talvez não cheguemos a esta convicção profunda de que podemos seguir Jesus pobre e humilde – na nossa vida pessoal, institucional, eclesial – a partir de uma sucessão de momentos, mas por meio de uma ruptura imaginativa. Será uma questão de imaginação.

Michael Paul Gallagher, um jesuíta irlandês, que muitos jesuítas que passaram em Roma tiveram a graça de conhecer, dizia que a imaginação é a faculdade da possibilidade. É como um órgão espiritual que temos dentro e que nos faz acreditar que é possível um mundo novo, para além das evidências. Por isso, para chegar a amar a pobreza e a humildade de Jesus e viver pobres e humildes como Ele, precisamos desta conversão epistemológica, de uma revolução científica que gere outro modo de compreender as coisas. Talvez não cheguemos lá por sequências, mas pela ruptura que a imaginação pode operar.

Tentemos imaginar a nossa vida construída sobre esta rocha. Como seria a nossa vida pobre, humilde e onde a liberdade se alcançasse como o fruto do não ter e do não se possuir a si mesmo? Tentemos imaginar a nossa vida se tivéssemos só o essencial e conseguíssemos deixar de lado o supérfluo. Imaginemos uma Companhia assim, uma Igreja assim. O que seria?

Será possível? Talvez seja possível na medida desta nossa imaginação, de acreditarmos, de concebermos internamente esta possibilidade. Sim, é possível porque Jesus o viveu e o prometeu.

O que seria a arquitectura nascida deste modo de viver? O que seriam as artes, a política, a comunicação, o modo de vida, de vestir, de comer, de organizar o espaço lá em casa? Que corpo e que visibilidade esse modo de ser pobre e humilde ganharia?

Foi pela imaginação que Santo Inácio começou a sua conversão. Ele que tinha a sua imaginação capturada pelos romances de cavalaria, que leu enquanto recuperava da perna baleada, começou a perguntar-se: E se eu viver como São Francisco viveu? E se eu for peregrino, deixar tudo, for para a Terra Santa? Santo Inácio convenceu-se de que era possível.

De facto, a imaginação como faculdade do possível funcionou com Inácio. Mas ele não tinha ainda tudo para que essa faculdade pudesse ganhar raízes e dar fruto. Faltava-lhe o Amor, faltava-lhe saber que tudo começa quando se é amado. A imaginação de Inácio era ainda a vontade de ser e de fazer. Mas no seu caminho de peregrino vai percebendo que esta imaginação só terá raízes e dará frutos se se inscrever no amor misericordioso do Senhor. Quando se reconhecer amado e escolhido, enquanto ainda era pecador, poderá viver a liberdade criativa desse mesmo amor. E poderá viver colhendo os frutos desse amor, tanto mais quanto menos coisas tiver, tanto mais quanto menos for senhor de si.

Será mesmo possível viver assim? Quero viver assim? Não sei se já quero. E desejo? Não sei se já desejo. Talvez ainda só deseje desejar. Sim, desejaria desejar querer. Assim, talvez a imaginação comece a abrir-me a essa possibilidade.

Será mesmo possível viver assim? Quero viver assim? Não sei se já quero. E desejo? Não sei se já desejo. Talvez ainda só deseje desejar. Sim, desejaria desejar querer. Assim, talvez a imaginação comece a abrir-me a essa possibilidade. E começarei a compreender que, se calhar, não preciso de duas túnicas. Poderei deixar uma; não preciso de dois carros. Poderei deixar um. Não preciso de um milhão na conta bancária, posso deixar 100 mil… para começar! E assim poderei viver de um modo mais simples e ser mais alegre, mais feliz, mais fecundo, mais criativo, mais misericordioso. Poderei ser mais parecido com Cristo, fazendo o bem, nos lugares em que vivo, com as pessoas que me rodeiam.

Sim, é possível. Não porque a realidade já nos confirme isso, mas porque o Senhor o prometeu, o viveu. E Santo Inácio, ao seu modo, também o viveu, e Francisco de Assis, e Charles de Foucauld, e Teresa de Calcutá, e tantos outros. Afinal, não são só dois ou três, mas são tantos os que nos recordam que este modo de viver é possível.

Peço ao Senhor esta faculdade de imaginar que modos de viver a partir do Evangelho são possíveis. Peço ao Senhor a graça dos seus frutos, sendo a alegria o mais belo. A alegria é a alma e o cume dos frutos do Espírito. Revela a confiança do amor. Sejamos testemunhas desta alegria, desta fortaleza, acreditemos que podemos servir a nossa cidade com esta alegria. Sabemos como o mundo precisa desta alegria. Olhemos para os nossos companheiros que aqui estão hoje, e que vivem na Síria, lugar de tanta destruição e sofrimento. Sabemos através do testemunho deles que uma outra imaginação é possível. Eles lá estão, mesmo sendo poucos, para recordar que há uma outra esperança, uma outra possibilidade, porque mesmo na destruição o Senhor anda por ali e vai gerando vida. Sim, é possível seguir Jesus pobre e humilde.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.