Estive na Tailândia várias vezes durante os últimos anos. É um país que adoro. A máxima, para mim adquirida e indiscutível, que diz que a “melhor comida do mundo é portuguesa”, morreu nas ruas e restaurantes de Bangkok. Vem isto a propósito dos miúdos da gruta de Tham Luang. Tenho pensado nisto enquanto ocidental com algum conhecimento da cultura oriental, especialmente a humilde cultura tailandesa.
Penso que seria extremamente difícil uma operação de resgate de tamanho sucesso neste nosso mundo ocidental. Não por falta de meios e/ou conhecimento, que os temos de sobra, mas pela essência, muito especial, dos miúdos tailandeses. Mais de uma semana no escuro de uma gruta medonha. Alguns com apenas 12 anos. No entanto, quando foram encontrados estavam num estado bastante razoável, tendo em conta o que estavam a viver. Sem comida, sozinhos, sem luz, conseguiram estar bem psicologicamente.
Diz-se que uma mente forte ajuda no meio do desespero. O papel do treinador deste grupo de 12 jogadores de futebol ajudou bastante. Sabe-se agora que durante a adolescência o treinador viveu o que nenhum miúdo de oito anos merece viver. Os pais e o irmão morreram devido a uma epidemia na aldeia remota onde viviam, a criança foi entregue pelo tio a um templo budista e esta quase se tornou um monge. Aí assimilou aquilo que mais me impressiona nos tailandeses. A sua RESILIÊNCIA perante o que a vida oferece. A força para lutar quando tudo parece perdido, ironia suprema de um povo de estatura baixa e que enfrenta a vida com um sorriso e uma vénia.
É uma cultura respeitadora das hierarquias. Especialmente da idade. Na Tailândia, quando o mais velho fala os outros ouvem. Respeito, humildade e educação. Por muito que nos pareça estranho, os miúdos da Tailândia estão, por condições naturais da sua educação, da sua vivência e ambiente, incomparavelmente melhor preparados do que os nossos, no mundo ocidental, para situações destas ou para qualquer tipo de catástrofe.
A RESILIÊNCIA perante o que a vida oferece. A força para lutar quando tudo parece perdido, ironia suprema de um povo de estatura baixa e que enfrenta a vida com um sorriso e uma vénia. É uma cultura respeitadora das hierarquias. Especialmente da idade. Na Tailândia, quando o mais velho fala os outros ouvem.
Tenho pensado em como seria uma situação destas com um grupo de 11 miúdos europeus. Seriam capazes de aguentar como estes miúdos da Tailândia? Tenho sérias dúvidas. Apesar de fisicamente superior, com acesso a tudo e mais alguma coisa, um comum miúdo europeu, como o meu filho de onze anos, dificilmente seria capaz de sobreviver durante mais de uma semana sem comer e numa gruta escura.
Existem coisas que neste nosso mundo, o tal primeiro mundo, se perderam há muito. Solidariedade, lealdade, interesse “desinteressado” pelo próximo, ajudar por ajudar, partilhar, humildade. Um monte de coisas que desapareceram. Os miúdos, as crianças do nosso mundo ocidental têm tudo, mas falta-lhe o que os tailandeses têm de sobra: RESILIÊNCIA, sentido de entreajuda. Vivemos, aqui no ocidente, numa sociedade egoísta, onde damos tudo por adquirido e facilmente ficamos frustrados perante a adversidade, pois lidamos mal com a frustração.
Esta equipa de futebol da Tailândia deu um exemplo ao mundo. Mas os tailandeses também. Aceitaram toda a ajuda sem complicar, aceitaram-na humildemente, agilizaram o sistema, aliviaram a burocracia para receber especialistas do mundo inteiro.
Faço mergulho. Nunca o fiz em grutas, pois prefiro o conforto do mar. Os mergulhadores são os heróis desta operação. Só quem percebe um bocadinho disto consegue entender a complexidade que é mergulhar num ambiente destes. Este salvamento, este resgate, é inédito, nunca tinha sido tentado algo semelhante. Foi um sucesso. A todos os níveis.
Podemos e devemos retirar daqui ensinamentos. Talvez o maior de todos seja perceber como é que um grupo de adolescentes conseguiu ter a força mental e a capacidade de esperar, de se unir na adversidade e de sobreviver. Como se fossem um só.
Foto de capa: A Tailândia é conhecida pelas suas grutas, a da capa fica em Tham Khao Luang, um lugar diferente daquele em que se deu o acidente.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.