O Papa canonizará no domingo o arcebispo Óscar Romero (1917 – 1980), assim como o Papa Paulo VI e outros santos, durante o Sínodo dos Jovens, em Roma. Foi um processo de beatificação e canonização com muitos obstáculos e atrasos. Em El Salvador, Romero já é venerado por grande parte da população como santo. No entanto, a alta sociedade do país utilizou todos os meios a fim de impedir o reconhecimento oficial por parte da Igreja, tendo até aliados entre cardeais influentes da cúria romana. Estes argumentavam que Romero não teria morrido pela fé, mas por interferir na política.
Francisco assumiu a beatificação e posterior canonização de Óscar Romero como uma questão muito pessoal, considerando-o um mártir e um bispo exemplar de uma Igreja pobre para os pobres, com cheiro a ovelha.
A história de Óscar Romero é de uma grande mudança pessoal e até de conversão. Nascido no seio de uma família pobre, despertou nele o desejo de ser padre aos doze anos. Uma vaga permitiu que estudasse Teologia em Roma, onde seria ordenado padre em 1942. De volta a El Salvador, tornou-se um pastor estimado. No entanto, era considerado conservador e queria manter a Igreja afastada dos conflitos sociais crescentes. Subiu na carreira eclesiástica abruptamente: em 1970 foi nomeado Bispo Auxiliar, depois Bispo da Diocese de Santiago de Maria e, por fim, em 1977, Arcebispo da capital de El Salvador. Aqueles que esperavam a continuação do compromisso social do seu antecessor, ficaram dececionados com a nomeação de Óscar Romero.
No entanto, o assassinato do padre Rutilio Grande, sj e de dois companheiros em nome dos latifundiários chocou-o profundamente. Grande encorajou os camponeses da aldeia agrícola de Aguilares a organizarem-se e exigirem uma distribuição mais justa da terra. Embora fosse amigo dele, Romero mantinha uma postura reservada face ao trabalho pastoral de Rutilio Grande. Mas estando perante os seus corpos ainda a sangrar, percebeu que teria de seguir também o caminho de Rutilio. Dentro de poucas semanas, tornar-se-ia num profético defensor dos pobres, falando-se até do “milagre Romero” provocado pela morte de Rutilio Grande.
“O assassinato do padre Rutilio Grande, sj e de dois companheiros em nome dos latifundiários chocou-o profundamente. Dentro de poucas semanas, tornar-se-ia num profético defensor dos pobres, falando-se até do ‘milagre Romero’ provocado pela morte de Rutilio Grande.”
A transformação de Romero trouxe consigo a conclusão de que os problemas sociais de El Salvador não poderiam ser resolvidos somente através da caridade, mas que era necessário averiguar as causas da pobreza e da injustiça. Ele próprio esclareceu isto no seu sermão de 16 de Dezembro de 1979: “Uma verdadeira conversão cristã hoje deve revelar os mecanismos sociais que marginalizam os trabalhadores e camponeses. Porque é que só há salário para o pobre camponês durante as colheitas do café, do algodão e da cana-de-açúcar? Porque é que esta sociedade precisa de camponeses sem trabalho, de trabalhadores mal pagos, de pessoas sem salários justos?” A seu ver, principalmente os cristãos deviam desmantelar estas cadeias, a fim de não se tornarem cúmplices de um sistema governante que gerava cada vez mais pobres, marginalizados e necessitados.
A beatificação e canonização de Romero prolongou-se durante tanto tempo, pois este estava associado à controversa Teologia da Libertação, que procura dar a resposta cristã à injustiça e opressão. No seu seio, encontra-se a opção preferencial pelos pobres, definida pelos bispos latino-americanos nas conferências de Medellín (1968) e de Puebla (1979). Outra característica da Teologia da Libertação é a crença de que Deus também age através de sinais do tempo na História. Metodologicamente segue os três passos: ver – julgar – agir.
Antes da sua conversão, Romero era contra a Teologia da Libertação, pois achava perigoso a Igreja e a Teologia interferirem em questões sociais e políticas. No entanto, tornou os dois jesuítas Ignacio Ellacuría sj e Jon Sobrino sj, dois teólogos de libertação, seus conselheiros próximos.
“Só honramos o santo Óscar Romero apropriadamente quando seguimos o seu caminho: quando dizemos a verdade sobre este mundo, que é um mundo de sacrifícios; quando nos questionamos sobre as causas da pobreza e injustiça; nomeamos e lutamos contra os ídolos do nosso tempo; aceitamos riscos e conflitos”
Uma expressão para a canonização de alguém é “elevá-lo em honra aos altares”. Mas isto pode ser associado ao perigo de o arrebatar, de o idealizar. O próprio Jesus alertou para o perigo de idolatrizar os profetas. Nós só honramos o santo Óscar Romero apropriadamente quando seguimos o seu caminho: quando dizemos a verdade sobre este mundo, que é um mundo de sacrifícios; quando nos questionamos sobre as causas da pobreza e injustiça; quando nomeamos e lutamos contra os ídolos do nosso tempo; quando aceitamos riscos e conflitos; quando acreditamos que a entrega é maior do que o egoísmo e que o amor é maior do que a morte.
O critério decisivo para a humanidade de uma sociedade é a sua forma de lidar com os mais vulneráveis. O Papa Paulo VI, que será canonizado com Óscar Romero, designou a Igreja, no seu discurso perante as Nações Unidas em 1965 em Nova Iorque, como a “especialista em humanidade”. Aqui reside o significado e a missão da Igreja no mundo de hoje, a reivindicação segundo a qual deve ser medida, tanto nos países do Sul como nos do Norte.
A Igreja deve sempre tomar o partido dos vulneráveis. Estes são, concretamente na Europa, os refugiados, os desempregados, os sem-abrigo, as vítimas de violência e exploração sexual, os fetos e bebés que são negligenciados, os idosos deportados. Venerar Romero significa seguir o seu caminho: denunciar a injustiça e promover a justiça. Ao elevar Romero “em honra aos altares” tem de se ter em conta os pobres e marginalizados neste mundo, para “elevar a honra de uma vida digna”. Pois, através das suas palavras: “A glória de Deus é o pobre que vive.”
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.