Em 2019, o Papa Francisco escreveu uma carta a economistas, investigadores e agentes de mudança para irem a Assis participar num encontro dedicado a repensar os modelos económicos mundiais, as suas consequências e como poderiam ser alterados. Devido à COVID-19 este encontro transformou-se num movimento – A Economia de Francesco – com hubs em todo o mundo onde as ideias de criar uma economia justa, inclusiva e ambientalmente responsável se têm vindo a tornar realidade. O Hub português, por exemplo, tem feito muito trabalho relacionado com o combate a pobreza.
Este movimento mundial, que durante a pandemia se encontrou muitas vezes virtualmente, teve o seu grande encontro com o Papa Francisco no último fim de semana em Assis! Foi um momento muito emocionante pois queríamos estar com o Papa, contar-lhe o que fizemos e o que ainda estamos a pensar fazer e ouvir, sobretudo ouvir, quais as suas expectativas para o futuro. O Papa, no estilo que o caracteriza tão bem, deixou aos jovens bastantes mensagens, mas deixo aqui aquelas que mais me marcaram e que emergiram numa conversa com a Leonor Távora, Aci.
Re-parar como que num apelo a que voltemos a parar, reparar como uma exigência de observar e reparar como um call to action que nos impele a dar uma resposta aos pedidos do Papa.
Como em todos os eventos desta natureza, há sempre uma palavra que nos fica, que nos liga a este evento, que nos faz viver novamente as emoções que sentimos ao longo dos três dias. Para mim, a palavra que mais descreve o encontro em Assis com o Papa é a palavra reparar. Reparem que estou a atribuir a reparar um triplo significado. Re-parar como que num apelo a que voltemos a parar, reparar como uma exigência de observar e reparar como um call to action que nos impele a dar uma resposta aos pedidos do Papa.
No primeiro dia do encontro de Assis, fomos convidados a reduzir drasticamente a velocidade com que vivemos a nossa vida, a voltar a parar. Confesso que este convite a re-parar chegou de uma certa forma paradoxal. Depois de tantos anos a desejar este encontro, muitos de nós queríamos aproveitar cada minuto para conhecer mais pessoas e projetos. Tínhamos feito planos para viver cada segundo do encontro de uma forma intensa, queríamos aproveitar todas as oportunidades. Mas a verdade é que ao longo dos três dias tornou-se evidente que este re-parar é necessário se vamos realmente abrir caminho para mudar modelos económicos. A velocidade com que vivemos a nossa vida gasta muitos recursos. Esta é uma revelação que me atravessou ao meio. Reduzir a velocidade (e o consumo de recursos que daí advém) está nas nossas mãos e para mim tornou-se uma responsabilidade.
Estar em Assis também nos obrigou a reparar, a observar de uma maneira que vai muito para além daquilo que os nossos olhos conseguem apreender. Em primeiro lugar, estamos em Assis rodeados de uma beleza natural que inspirou S. Francisco de Assis e que realmente é estrondosa. Em segundo lugar, observamos também como a diversidade de pessoas, países, cores, idiomas e maneiras de estar na economia pode realmente criar um movimento que ao mesmo tempo é uno nos seus princípios e diverso nas pessoas e na aplicação destes mesmos princípios. Este reparar faz-nos cair na conta que a diversidade de talentos individuais e coletivos só se transforma em riqueza económica quando são criadas pontes que caminham na mesma direção mesmo entre perspetivas diferentes.
“Reparar é também um imperativo ético”, disse-nos o Papa Francisco no encontro cara a cara que teve connosco no sábado de manhã. Desafiando-nos a deixar as ideias de lado e a construir para que sejamos esperança, o Papa desafiou-nos sobretudo a reparar a dignidade do trabalho humano. Esta responsabilidade de reparar a dignidade do trabalho ressoou em mim pois tem um lado pessoal e uma grande dimensão profissional e organizacional. Não podemos reparar se não conseguirmos chegar às feridas das organizações que lideram o trabalho em Portugal e no mundo. Tenho para mim que muitos líderes de organizações querem reparar esta dignidade do trabalho mas não sabem como. Por isso o movimento da economia de Francisco tem de criar pontes com todos, para que possamos reparar a beleza de uma economia que funciona para todos, diminui a desigualdade e toma conta da Casa Comum.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.