A inclusão das pessoas com deficiência tem sido um caminho longo para a Igreja e penoso para muitos nela, sobretudo para os próprios. Há tanto ainda por fazer, mas só o poderemos fazer juntos. A consulta sinodal que está a decorrer pode ser uma forma de avançar, mas só e apenas se cada um de nós contribuir com o que sabe, viu e ouviu.
O documento Rampas para Jesus nasceu em 2016 pelas mãos de pessoas dedicadas à inclusão de pessoas com deficiência na vida das paróquias. Este documento foi incorporado no plano de ação dos serviços pastorais a pessoas com deficiência do Patriarcado de Lisboa e da Conferência Episcopal Portuguesa e começou a ser implementado na diocese de Lisboa em 2020 com a criação de um grupo de partilha de representantes das paróquias que se quiseram ir juntando. É um grupo aberto a todos os representantes Rampas para Jesus que se queiram juntar nesta vontade de acolhimento paroquial a todas as pessoas com deficiência. Na consulta sinodal que está a decorrer e que terminará em outubro de 2024 pergunta-se como valorizar a corresponsabilidade dos fiéis com deficiência. Alguns grupos têm proposto uma maior abertura relativamente à catequese, ao serviço litúrgico, ao acolhimento, à escuta; alguns têm ainda proposto a criação de um ministério cuja missão seja garantir a inclusão de pessoas com deficiência na igreja paroquial. Será a experiência das Rampas para Jesus uma semente do que se pretende na valorização da corresponsabilidade das pessoas com deficiência na Igreja? Será necessário instituir um ministério?
A resposta a estas questões não é simples e certamente durante a reflexão sinodal poderá surgir mais luz sobre este assunto. O Papa Francisco tem sublinhado em palavras e atos a importância da fraternidade humana, o respeito e a riqueza da diferença. Na sociedade, e também na Igreja, a questão da inclusão tem passado por muitas fases, desde o tempo em que as pessoas com deficiência eram escondidas e vistas como erro ou castigo, passando pela certeza de que na sua fragilidade as pessoas por terem deficiência eram santas ou super-heróis. Hoje vemos pessoas com deficiência com voz própria, que dão a conhecer os seus pensamentos e vontades, e a pergunta que nos devemos colocar como Igreja é se as estaremos a escutar. Se valorizamos a corresponsabilidade que as pessoas com deficiência têm na Igreja, se lhes damos o espaço e a atenção que precisam para serem participantes, de facto. Se recebemos os inúmeros dons que têm e querem oferecer. Se as escutamos e lhes damos visibilidade. Se deixamos de falar n’eles e poderemos afinal falar de um NÓS muito maior, muito mais pleno.
De maneira a conhecer melhor a questão sobre a inclusão, se procurarmos as afirmações da Igreja sobre o tema ao longo dos anos, e muito particularmente nos últimos três pontificados, podemos encontrar algumas afirmações que foram decisivas no caminho que temos percorrido:
- Durante o pontificado do Papa S. João Paulo II, a Santa Sé emite um documento a propósito da celebração do ano internacional da pessoa com deficiência, em 1981, onde se pode ler: a pessoa com deficiência é sujeito plenamente humano, com correspondentes direitos inatos, sagrados e invioláveis. Foi há 43 anos.
- O Papa Bento XVI escreveu na sua Exortação Apostólica pós-sinodal de 2007 Sacramentum Caritatis: «Uma particular atenção há de ser reservada às pessoas com deficiência: sempre que a sua condição o permita, a comunidade cristã deve facilitar a sua participação na celebração no lugar de culto; a propósito, procure-se remover, nos edifícios sagrados, eventuais obstáculos arquitetónicos que impeçam o acesso às pessoas com deficiência. Enfim, seja garantida também a comunhão eucarística, na medida do possível, aos portadores de deficiência mental batizados e crismados: eles recebem a Eucaristia na fé também da família ou da comunidade que os acompanha».
- O Papa Francisco, para além de tantos atos de demonstração de afeto – quem esquece o seu sorriso junto de tantas pessoas com deficiência, designadamente na Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023 ao acolher as oferendas litúrgicas das mãos de dois acólitos com trissomia 21? – e valorização da presença das pessoas com deficiência na Igreja, afirmou no passado Dia Internacional das Pessoas com Deficiência: “Acolher e incluir as pessoas que vivem nesta condição ajuda toda a sociedade a tornar-se mais humana. Nas famílias, nas paróquias, nas escolas, no trabalho, no desporto: aprendamos a valorizar cada pessoa com as suas qualidades e capacidades, e não excluamos ninguém.” (3 de dezembro de 2023)
Juntando à voz dos pastores da Igreja Católica alguns documentos encontramos como afirmações mais recentes no novo Diretório para a Catequese:
- “As comunidades são chamadas não só a cuidar dos mais frágeis, mas a reconhecer a presença de Jesus que neles se manifesta de modo especial. Isto «requer uma dupla atenção: a consciência da educabilidade para a fé da pessoa com deficiência, até grave e gravíssima; e a vontade de a considerar um sujeito ativo na comunidade em que vive». (269)
- “Compete às Igrejas locais abrir-se ao acolhimento e à presença habitual das pessoas com deficiência no âmbito dos percursos de catequese, marcando posição a favor de uma cultura da inclusão contra a lógica do descarte.” (271);
- “As pessoas com deficiência são chamadas à plenitude da vida sacramental, mesmo quando se trata de distúrbios graves. (…) ninguém pode recusar os sacramentos às pessoas com deficiência. (…) é importante a inclusão pastoral e o envolvimento na ação litúrgica, especialmente dominical. As pessoas com deficiência podem realizar a dimensão alta da fé que compreende a vida sacramental, a oração e o anúncio da Palavra. Efetivamente, elas não são apenas destinatárias de catequese, mas protagonistas de evangelização. É desejável que elas mesmas possam ser catequistas e transmitir a fé de modo mais eficaz, com o seu testemunho.” (272)
Também no contexto do percurso sinodal que vivemos foi feita uma consulta especial a pessoas com deficiência que resultou num extraordinário documento com o título “A Igreja é a nossa casa”. Na primeira pessoa podemos ler: “Somos todos representantes de realidades que, de diversas formas, possuem uma característica peculiar na inclusão de pessoas com deficiência; alguns entre nós somos sacerdotes, outros diáconos permanentes, consagrados ou ministros extraordinários da Eucaristia; outros somos responsáveis por Associações internacionais, ou delas fazemos parte há muito tempo. O nosso testemunho é o de pessoas que já participam da vida da Igreja e que, em todos os níveis, fazem parte das comunidades e demonstram que a inclusão é um caminho viável e, até certo ponto, já implantado.”
No documento Rampas para Jesus encontramos três perguntas: o que é uma paróquia inclusiva? Para que serve uma paróquia inclusiva? Como tornar uma paróquia inclusiva? Este documento deve ser partilhado, apropriado e completado. Talvez até dificilmente venha a ser fechado porque a construção destas rampas está ainda a começar. E não é só em Portugal; no mundo inteiro há poucos serviços pastorais que se ocupam da inclusão de pessoas com deficiência.
No documento Rampas para Jesus encontramos três perguntas: o que é uma paróquia inclusiva? Para que serve uma paróquia inclusiva? Como tornar uma paróquia inclusiva? Este documento deve ser partilhado, apropriado e completado. Talvez até dificilmente venha a ser fechado porque a construção destas rampas está ainda a começar. E não é só em Portugal; no mundo inteiro há poucos serviços pastorais que se ocupam da inclusão de pessoas com deficiência. Por isso se pode ler no fim das Rampas para Jesus expressões como: «Vai ser sempre difícil.» «Cada caso é um caso.»
O que o documento propõe é que consideremos que “«a pessoa precede a sua deficiência» e que «somos todos feitos à imagem e semelhança de Deus», para compreender que o primeiro passo a que somos chamados consiste em acreditar no outro e nas suas potencialidades, bem como na ajuda de Deus (…).” O grupo Rampas para Jesus na diocese de Lisboa tem crescido devagar e com uma proposta diferente para cada realidade paroquial em que se insere. O pároco nomeia uma pessoa, com ou sem deficiência, para ser representante das Rampas para Jesus na sua paróquia e assim começa o caminho. Uma vez por mês os representantes das Rampas para Jesus de cada paróquia encontram-se (virtualmente) e partilham ideias, conquistas e dificuldades. É simples o método, mas tem sido eficaz no caminho que a diocese de Lisboa se propôs fazer.
Voltando às propostas sinodais coloca-se a questão da valorização da corresponsabilidade das pessoas com deficiência na Igreja. Se por um lado propor um ministério para a inclusão parece ser uma proposta que fecha mais uma vez as pessoas ao seu grupo exclusivo, por outro faz lembrar alguns sistemas de quotas em que é necessário primeiro impor a presença de uma pessoa para que seja ela própria o agente da mudança que se quer sistémica. Como fazer? Por onde começar? Já temos a justificação da razão para que esta corresponsabilidade seja concreta e valorizada através de tantas palavras, documentos e gestos por parte do magistério da Igreja. Porque é que insistimos em falar n’eles e a proteger quem quer ter voz própria e contribuir com o que sabe fazer de melhor? O que é que podemos fazer para nos tornarmos um verdadeiro NÓS? Uma família humana diversa e unida, onde há espaço para todos os que se querem aproximar de Deus, onde há espaço para o crescimento e entreajuda.
Neste ano o Papa pede-nos a oração em preparação do Jubileu de 2025. Que estas questões permaneçam na nossa oração, que nos ajudem a tomar as melhores decisões que podemos e sabemos, mas que sobretudo nos lembremos sempre de nunca deixar ninguém de fora. Para que, como Jesus nos disse, o Júbilo, a Alegria d’Ele esteja em nós e a nossa Alegria seja completa (Jo 5,11)
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* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.