Quando sou fraco, então é que sou forte

No Dia Mundial do Migrante contamos a história de D. que veio para a Europa para alcançar uma vida melhor. Apanhou o barco para Espanha e durante a viagem teve um problema e passou 10 dias como náufrago. Hoje tem emprego e uma vida estável.

No Dia Mundial do Migrante contamos a história de D. que veio para a Europa para alcançar uma vida melhor. Apanhou o barco para Espanha e durante a viagem teve um problema e passou 10 dias como náufrago. Hoje tem emprego e uma vida estável.

O Centro Comunitário São Cirilo é uma fundação que pertence à Província Portuguesa da Companhia de Jesus e tem como missão acolher, capacitar e integrar pessoas e famílias, sobretudo refugiados e migrantes, em situação de vulnerabilidade social.

Para assinalar o Dia Internacional do Migrante teríamos muitas histórias e percursos de vida para partilhar, contudo existem histórias que nos marcam particularmente, o percurso do D. é uma delas. O D. é senegalês, tem 21 anos, dois metros de altura, uma mochila cor-de-rosa sempre às costas e um sorriso do tamanho do mundo. Mas a sua história de vida nem sempre foi alegre.

O D. viveu com os pais até aos cinco anos, altura em que o enviaram para uma daara (uma escola tradicional de princípios islâmicos com uma educação moral e religiosa muito dura e rígida). O D. nunca aprendeu a ler nem a escrever, apenas sabia dizer o Alcorão de cor. Aos 16 anos, conseguiu fugir da escola e voltou para casa, contudo o seu pai levou-o de volta para a daara. Por já ter fugido uma vez, quando regressou foi acorrentado com o intuito de não fugir novamente. Ainda assim, com 18 anos, o D. volta a fugir, mas desta vez com destino a Dakar. Contactou a mãe, que lhe contou que o pai havia morrido e, tendo ele a mãe como uma figura de referência na sua vida, regressou à sua terra natal, onde trabalhava como pescador para ajudar a família, mas recebia muito mal e passava muitas dificuldades.

Com o objetivo de vir para a Europa, de forma a tentar alcançar uma vida melhor, apanhou um barco para Espanha. Durante a viagem, o barco teve um problema e o D. passou 10 dias como náufrago, no mar. Após esta tragédia, quando resgatado, foi encaminhado de volta para o Senegal, visto ser o seu país de origem. Uns meses mais tarde, a mãe de D. surpreende-o com um bilhete de barco que o levaria a Marrocos, onde trabalhou três meses num restaurante. Conseguiu apanhar um novo barco com destino a Espanha, onde ficou um mês. Apanhado por uma rede de tráfico humano, foi trazido para Portugal e foi levado para Beja, onde trabalhava muitas horas por dia sem receber e dormia no chão. Fugiu para o Porto, ficou em situação de sem-abrigo até que encontrou o Centro São Cirilo onde fez um pedido de alojamento. O objetivo do D. era encontrar um trabalho digno e, dessa forma, conquistar uma vida melhor.

No Centro São Cirilo, o D. encontrou um quarto, roupa e comida. De manhã, era comum encontrar o D. a ver desenhos animados na televisão porque, na verdade, nunca tinha tido infância. Frequentou as aulas de alfabetização e algumas formações que o capacitaram para poder integrar o mercado de trabalho. Após 5 meses, iniciou trabalho na construção civil como servente mas tinha o sonho de trabalhar nos andaimes. Hoje em dia, o D. já fala português, aluga um quarto, comprou uma trotinete elétrica e concretizou o seu sonho de trabalhar nos andaimes. Tudo isto, sem nunca perder o sorriso do tamanho do Mundo!

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.