Quando as bombas matam Silvas e Fonsekas

Qualquer ataque terrorista não nos deve deixar indiferentes, seja onde ou contra quem for, cristãos, muçulmanos, budistas ou hindus. Mas é impossível não sentir afinidade com gente perseguida por ter uma fé que foi levada de Portugal.

Qualquer ataque terrorista não nos deve deixar indiferentes, seja onde ou contra quem for, cristãos, muçulmanos, budistas ou hindus. Mas é impossível não sentir afinidade com gente perseguida por ter uma fé que foi levada de Portugal.

Haverá Silvas e Fonsekas entre os mortos. E também Fernandes ou Dias, quase de certeza. O ataque às igrejas do Sri Lanka foi um ataque a uma minoria religiosa cuja origem remonta ao século XVI, quando a pequena ilha vizinha da Índia foi colonizada pelos portugueses. Ainda há poucos anos o Papa Francisco reconheceu essa evangelização ao canonizar José Vaz, um padre goês que tanto Portugal como a Índia podem reivindicar entre os seus santos. Falava português e konkani, além do cingalês.

Haverá pouco mais de um milhão de cristãos hoje no Sri Lanka, a ilha que também já se chamou Ceilão e que n”Os Lusíadas Camões refere como Taprobana, o limite do mundo conhecido na Europa antes das Descobertas portuguesas. Entre esses há um grupo, os burgers, que descende de portugueses e holandeses, os colonizadores seguintes, antes de os britânicos somarem a ilha às suas possessões asiáticas. Os burgers, uns 40 mil apenas, são uma elite que tem dado juízes, generais e ministros ao país, e entre eles é famoso Sarath Fonseka, o general que pôs fim ao separatismo tâmil no norte e reforçou o controlo da maioria budista, em teoria trazendo a paz.

Tirando as Filipinas, antiga colónia espanhola, e a Coreia do Sul, que descobriu o cristianismo sem necessidade de colonizadores, o mundo católico asiático é essencialmente uma criação portuguesa, da Índia a Timor-Leste, sem esquecer esse Japão onde depois das conversões em massa nos séculos XVI e XVII se seguiram 200 anos de clandestinidade dos cristãos.

Esta ligação histórica explica porque entre as igrejas destruídas no Sri Lanka há a de Santo António, que naquelas paragens será sempre mais conhecido como sendo de Lisboa do que de Pádua.

Qualquer ataque terrorista não nos deve deixar indiferentes, por longe que seja e contra quem quer que seja, cristãos, muçulmanos, budistas ou hindus (há todos na ilha). Mas é impossível não sentir uma afinidade com gente que de alguma forma está ligada a nós, que é perseguida por ter uma fé que foi levada de Portugal, por ter uma cultura que ainda guarda alguma coisa da nossa, seja palavras, músicas ou algum prato mais típico. Ou o nome.

Este texto foi inicialmente publicado no Diário de Notícias de 21 de abril

Fotografia: CNN

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.