“Procurando a vontade de Deus para a minha vida”

Nesta semana que antecede a Festa de Santo Inácio, Manuel Rodrigues, ligado aos jesuítas de Braga e membro da CVX, dá o seu testemunho sobre a vivência da espiritualidade inaciana.

Nesta semana que antecede a Festa de Santo Inácio, Manuel Rodrigues, ligado aos jesuítas de Braga e membro da CVX, dá o seu testemunho sobre a vivência da espiritualidade inaciana.

Estudante na Faculdade de Filosofia, em Braga, conheci, naturalmente, os Jesuítas. Alguns, como professores, deixaram a sua marca, que ainda hoje recordo com saudade, não só pela sua sabedoria como pela sua simplicidade. Esta forma de estar cativou-me. Veio ao encontro da minha realidade pessoal.

Praticava uma vivência cristã de cumprimento dos preceitos, meramente catequéticos, tudo o resto era para mim um campo de rituais e dúvidas. Entre conversas de jardim e corredores da Faculdade, fui convidado a participar em momentos de encontro no eterno Centro Académico (CA), como era conhecido pelos mais novos na cidade. Entretanto, acompanhei o nascimento do Centro Académico de Braga (CAB) com orientações e envolvimento dos Jesuítas, numa ação pastoral mais voltada para os universitários. Durante vários anos o CAB era uma segunda casa que formou muitas personalidades. Hoje continuamos nos aCABados (Circulo Luís Gonzaga), há 16 anos.

Em 1983, fui convidado para entrar num grupo CVX (Comunidade de Vida Cristã). Uma provocação que se mantém até hoje. Conheci vários grupos. Hoje faço parte da Banda Larga e fico eternamente agradecido pelos amigos que conheci e pelos Jesuítas que nos acompanharam. Cada um, com um modo peculiar de estar, ajudaram-me a descobrir que a diferença é uma riqueza que se abre à aceitação do outro e de mim mesmo.

Na mesma altura, cruzou-se uma outra proposta que me envolveu e me tem acompanhado ao longo dos últimos 37 anos. Aderi ao movimento da Cruz Vermelha Portuguesa como voluntário na área da emergência. É uma coincidência que penso estar justificada pelo início da minha caminhada numa dimensão mais espiritual que me levou, naturalmente, à realidade do mundo, mais concreta e prática, onde sinto que me entreguei inteiro até ao momento que vivemos, atualmente. Ao longo de tanto tempo, quando a vontade de desistir surgia, também uma inquietação não me dava descanso.

Mais sensível ao profundo humanismo que a instituição encerra nos seus sete Princípios, e confesso, que o que mais me fascinou foi o princípio da Neutralidade, através dos quais senti que para ser voluntário tem de haver liberdade pessoal e espiritual para, assim, poder estar perto de todos e merecer a sua confiança, não ficando preso às minhas fragilidades pessoais, interesses ideológicos ou sociais, numa indiferença aprendida que me interpela a agir com alegria, e até a esquecer os próprios interesses.

Pelos Exercícios Espirituais descobri a necessidade de haver equilíbrios na vida; no dar e receber; no alcance dos pequenos gestos; no saber pedir; em discernir o que é mais importante à luz da oração e da razão iluminada pela fé, contribuindo para uma realidade mais evangélica, alicerçada pelo testemunho como cristão, mais ao nível de estímulos e respostas do que sentir e gostar as coisas, internamente.

Pelos Exercícios Espirituais descobri a necessidade de haver equilíbrios na vida; no dar e receber; no alcance dos pequenos gestos; no saber pedir; em discernir o que é mais importante à luz da oração e da razão iluminada pela fé, contribuindo para uma realidade mais evangélica, alicerçada pelo testemunho como cristão, mais ao nível de estímulos e respostas do que sentir e gostar as coisas, internamente.

Testemunhamos os contrastes da realidade social, onde não é fácil dar sentido ao sofrimento. Sentimo-nos fragilizados e insatisfeitos pelas nossas limitações e penso que a boa vontade não é tudo… a desolação apodera-se de nós. Aprendi que, nestas alturas, é importante contrariar este espírito, optando por esta decisão livre, em que ganha mais força o sentido cristão, procurando a vontade de Deus para a minha vida.

Tenho em mim claro que não posso fazer tudo. Mas, percebo que dar parte de mim a cada pessoa, mesmo não sendo o mais perfeito, é o que Deus quer de mim em determinados momentos.

Algumas vezes dou por mim a tentar compreender Deus nos olhares que ficam vazios, que dão a sensação dolorosa de quem desistiu, não havendo espaço para falsas empatias. Procuro encontrar sentido na pessoa concreta que está à minha frente, em que a sua história de vida pessoal se condensa por instantes. Não podemos ficar indiferentes à dignidade humana a que temos direito e que, em muitos casos, é arrumada em espaços e tempos parados, conduzidos por gestos mecanizados, aos quais alguns ainda têm acesso. Outros sucumbem ao peso do nada, que não nos dá espaço para ficarmos indiferentes.

Procuro compreender a minha realidade como professor e o que posso fazer para além das aulas. A vontade de partilhar o que me dá felicidade é uma realidade concreta e verdadeira. Acompanhado por colegas, lançamos o repto aos alunos finalistas do 12.º ano para uma atividade que nos ultrapassa como experiência e vivência de emoções. Há doze anos que propomos o Caminho de Santiago como atividade para os finalistas da nossa escola. Centenas de alunos já partiram connosco durante vários dias alternativos à comodidade do lar.

Acreditaram!

Imitando atrevidamente S. Paulo, digo: Não me julgo a mim mesmo. Há quem me julgará sem se enganar.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.