Total de assinantes final 1878 – (lista abaixo)
Ex.mos Senhores e Senhoras Deputados à Assembleia da República,
O debate parlamentar dos projetos de lei sobre a eutanásia está agendado para dia 20. Enquanto jovens, não podíamos ficar indiferentes a este facto. Temos entre 16 e 30 anos, vivemos em diversos pontos do país e queremos manifestar o nosso empenho como cidadãos atentos e comprometidos. Desejando que, tal como nós, outros se façam ouvir neste debate tornámos pública esta carta, acreditando que outros jovens possam sentir o apelo a uma participação ativa na vida pública (assinar esta carta aqui – até dia 18 de fevereiro).
Partilhamos com quem apresenta os projetos de lei que serão discutidos no dia 20 a preocupação com o sofrimento, a doença, a dignidade, a solidão, e a dificuldade de lidar com a morte. No entanto, consideramos que a morte assistida, nas formas de eutanásia e suicídio medicamente assistido, não é uma resposta adequada a estas questões, sendo que a sua aprovação no Parlamento poderá constituir um irremediável erro que ainda é possível prevenir.
1. Uma iniciativa contra o parecer dos profissionais da saúde
Em maio de 2018 os projetos de lei sobre a morte assistida foram chumbados e, já nesse momento, a discussão foi escassa e não esclareceu a opinião pública permitindo uma indesejável confusão de conceitos. Afinal, este é um tema complexo legislado apenas por três países europeus e cinco países em todo o mundo.
O que explicará este repentino regresso? De 2018 até hoje não surgiu qualquer movimento social significativo pedindo alterações, nem este foi um tema presente nos debates da última campanha eleitoral.
Terá havido pressão por parte das associações dos profissionais de saúde? Não, antes pelo contrário, os profissionais de saúde têm-se posicionado clara e inequivocamente contra a morte assistida. É essa a opinião do atual bastonário da Ordem dos Médicos e de cinco dos seus antecessores, é esse o parecer do Conselho Nacional de Ética e Deontologia da Ordem dos Médicos, o parecer da Ordem dos Enfermeiros, e ainda a opinião da Associação Médica Mundial.
O que torna difícil, se não impossível, compreender como podem ser apresentadas propostas radicalmente opostas às conhecidas posições e pareceres dos profissionais de saúde quando é a estes que caberá ajuizar e executar o que se encontra previsto nestes projetos.
2. Não é o doente que decide, não é uma questão de liberdade
Temos dificuldade em compreender os argumentos da liberdade e da autonomia como justificativos desta opção. É certo que é o doente que pede para morrer. No entanto, a sua liberdade esgota-se nesse pedido, devendo este depois ser avaliado por um (ou mais) médicos, a quem compete verificar o cumprimento de certos requisitos legais (estabelecidos pelo legislador) e, caso os considere verificados, compete-lhe final e exclusivamente provocar a morte ou, no caso do suicídio assistido, criar condições para que ela aconteça.
Não estamos a falar de desligar um suporte artificial de vida ou interromper tratamentos desnecessários. Essas possibilidades já estão reguladas, respeitando a liberdade do doente e dos profissionais de saúde. Aqui trata-se de um médico provocar a morte de um doente e para isso não basta citar o princípio da liberdade individual.
A eutanásia torna a morte assistida num ato médico, mas também num ato jurídico, objeto de uma legislação que transforma profissionais de saúde em juízes da vida e da morte. Serão eles quem decide quais os pedidos que devem ou não ser aceites.
3. Uma decisão médica que pode ser errada, um erro irremediável
A eutanásia torna a morte assistida num ato médico, mas também num ato jurídico, objeto de uma legislação que transforma profissionais de saúde em juízes da vida e da morte. Serão eles quem decidirá que pedidos devem ou não ser aceites, que pacientes devem ou não morrer. Mas se a lei for incorretamente aplicada, o resultado é a morte indevida de alguém. E esse erro é irremediável, pois a morte é irremediável.
É apenas razoável prever aplicações erradas da lei. Um médico, tal como qualquer outro profissional, também falha. Especialmente na aplicação de uma lei cujos critérios são o sofrimento e a vontade, dois fatores subjetivos, dificilmente medíveis do ponto de vista da ciência e dificilmente reguláveis do ponto de vista da lei. Como se lida com os casos em que o doente pede para morrer devido a outros motivos que não a sua doença, tais como o medo de sofrer ou de ser um peso para os outros, a solidão ou o abandono? É esta a realidade no estado americano de Oregon, onde os motivos mais frequentemente apresentados (números de 2018) não são o sofrimento (25.6%), mas a perda de autonomia (91,7%) e a perda de qualidade de vida (89,7%) ou ainda o sentir-se um fardo para a família, cuidadores e amigos (54.2%). Diante de um pedido destes, o sentimento de compaixão do médico, a sua incapacidade de identificar qual a principal motivação do doente, ou o seu desejo de respeitar a liberdade do paciente, podem certamente levá-lo a aceitar pedidos que não sejam rigorosamente conformes aos critérios da lei. E uma lei que, para além de impossível de remediar, seja tão susceptível de violação, não pode ser aceite.
4. Uma porta aberta a consequências imprevisíveis
Ainda que o saibamos controverso e exigente na sua formulação não podemos deixar de apresentar o argumento da rampa deslizante. Quanto a isto, os números são claros: tem havido um aumento exponencial dos casos de morte por eutanásia, como demonstra o relatório da Regional Euthanasia Review Committees. Este aumento tem também ocorrido no plano jurídico: os critérios têm-se alargado, permitindo mais facilmente a prática da morte assistida. Em 2005 foi aprovado um protocolo na Holanda que permitia, em condições extraordinárias, a eutanásia de crianças recém-nascidas. Em 2014, a lei belga foi alterada, eliminando qualquer restrição de idade no acesso à eutanásia.
É tudo isto que desejamos prevenir e apelamos por isso à vossa prudência. Estão conscientes de que a vossa decisão poderá tornar real em Portugal, o que hoje já é verdade na Bélgica e na Holanda? Porque, quando argumentam que a eutanásia é uma questão de liberdade, apontam neste sentido. Se é verdadeiramente uma questão de liberdade, então qualquer limite de idade, doença, etc, que constranja essa liberdade e autonomia deveria ser eliminado, seguindo assim o exemplo da Holanda e da Bélgica.
E quando o que está em causa é a vida, nenhum erro ou precipitação se pode remediar. Resta apenas prevenir.
5. Há muito por fazer na atenção a quem sofre
Num país onde quase 40 mil idosos vivem sozinhos ou isolados, onde apenas 1 em cada 4 adultos tem acesso aos cuidados paliativos, onde 71,4% dos pensionistas vivem com uma reforma igual ou inferior a 421 euros, a decisão pela morte assistida será certamente condicionada por todos estes problemas. Importa criar condições para responder a estas situações, manifestando respeito e cuidado pela pessoa e pela sua dignidade em todos os momentos e circunstâncias da sua vida. A aprovação da morte assistida não pode ser uma prioridade, nem acreditamos que seja a resposta.
No 1.º artigo da Constituição da República, lemos: “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.” Cada pessoa é plena em dignidade independentemente do seu estado de saúde ou sofrimento. Cabe-nos a nós enquanto “sociedade livre, justa e solidária” sermos parte ativa na preservação da noção de dignidade dos mais frágeis.
Ex.mos Senhores e Senhoras Deputados
Nenhum de vós poderá garantir que os efeitos da rampa deslizante não se farão sentir em Portugal. Nenhum de vós poderá garantir uma infalível aplicação da lei. E quando o que está em causa é a vida, nenhum erro ou precipitação se poderá remediar. Resta apenas prevenir. É isso que vos pedimos, retirando os projetos de Lei apresentados ou votando contra a sua aprovação.
10 de fevereiro de 2020
Subscrição encerrada: total final 1878 (44 1ºs subscritores + lista aqui)
Primeiros subscritores (44)
Miguel Louza Viana, 24 anos, Lisboa – Estudante de Mestrado em Engenharia e Gestão de Energia
Beatriz Neto Filipe, 25 anos, Lisboa – Consultora
Leonor C. Ribeiro da Costa e Almeida, 24 anos, Porto – Economista
Tiago André Oliveira Vidal, 19 anos, Vila Nova de Famalicão – Estudante de Direito
Afonso da Gama e Castro Espregueira, 27 anos, Braga – Estudante de Filosofia
Gonçalo Nuno B. D. Pinto Monteiro, 25 anos, Porto – Estudante de Economia
Maria Teresa C. da Frada da Cunha Pinto, 23 anos, Porto – Ciências da Comunicação
Tiago Manuel Queirós Barata, 21 anos, Braga – Estudante de Engenharia Informática
Vânia Sofia Martins Fernandes, 30 anos, Braga – Contabilista
Inês Sarmento Ribeiro Braga, 27 anos, Braga – Psicóloga
Diogo da Gama e Castro Espregueira, 30 anos, Porto – Engenheiro
Mariana Cantante Viana Baptista, 23 anos, Lisboa – Estudante de Psicologia
Domingos G. Freire de Andrade, 26 anos, Lisboa – Advogado
Maria Francisca Ferreira Marques, 22 anos, Cascais – Estudante de Jornalismo
Isabel Maria Oom de Sacadura Mónica, 26 anos, Lisboa – Avaliadora de obras de arte
Beatriz P. Rodrigues da Silva Fernandes, 25 anos, Cascais – Médica
Mariana Dias da Silva Valério, 24 anos, Lisboa – Médica Dentista
Marta Dias da Silva Valério, 26 anos, Lisboa – Médica
Sofia De Castro Dias da Silva Valério, 28 anos, Lisboa – Gestora
Gonçalo do Vale Sá da Costa, 23 anos, Braga – Estudante de Filosofia
Francisca Maria Líbano Monteiro de Almeida Santos, 24 anos, Guimarães – Trabalha em Educação
Vasco Ressano Garcia, 23 anos, Lisboa – Estudante de Mestrado em Ciência Política
Frederico Marques Morais Sarmento, 21 anos, Lisboa – Estudante de Medicina
António Maria S. G. Barbosa de Abreu, 26 anos, Porto – Médico
Maria Ressano Garcia, 21 anos, Lisboa – Estudante de Mestrado em Filosofia
Manuel Maria G. Gomes de Freitas Costa, 24 anos, Lisboa – Médico
Ricardo Filipe Rodrigues de Oliveira, 28 anos, Lisboa – Estudante de Doutoramento em Direito
Pilar Cabral Cardoso da Costa, 26 anos, Lisboa – Arquiteta
Alexandra Sofia de Almeida Santos e Nunes Gaspar, 23 anos, Coimbra – Estudante de Medicina
Benedita Lourenço Sobral, 26 anos, Coimbra – Consultora
Miguel Maria P. Coutinho Ferreira Cabral, 23 anos, Porto – Engenheiro de suporte
Margarida Maria Vassalo Bernardino Marques Pinto, 29 anos, Lisboa – Arquiteta
Gonçalo Manuel Mourão Mina, 27 anos, Lisboa – Key Account Manager
Alexandra Isabel Simões Fonseca, 24 anos, Coimbra – Estudante de Bioquímica
Samuel Gouveia Lima Barros, 24 anos, Coimbra – Estudante de Engenharia Química
Diogo Miguel Morgado de Carvalho Conceição, 30 anos, Coimbra – Médico
Catarina Luís Ferreira Farinha, 28 anos, Coimbra – Advogada
Carolina Almeida Santos Simões, 25 anos, Coimbra – Médica de Medicina Geral Interna na Amadora
Joana Dias Coelho, 25 anos, Vila Nova de Famalicão – Psicóloga
Rita Dias Coelho, 25 anos, Vila Nova de Famalicão – Advogada Estagiária
Margarida Maria Vilaça Ramos Ribeiro, 22 anos, Coimbra – Estudante de Enfermagem
Inês Sofia Seiça Adelino, 22 anos, Coimbra – Estudante de Fisioterapia
Maria Ana da Costa Duarte Castanheira, 20 anos, Coimbra – Estudante de Engenharia Química
João Pedro Simões Fonseca, 20 anos, Coimbra – Estudante de Manutenção Aeronáutica
Lucas Mendes Gonçalves, 19 anos, Braga: Estudante de Engenharia Biológica
Maria Clara Vitorino da Costa Leite, 21 anos, Guimarães – Estudante de Psicologia Clínica e da Saúde
Nota: iremos atualizando o número e nome de subscritores.
Total de assinantes até às 07h00 de 14/02/2020 – 1563
Lista dos restantes assinantes (jovens entre 16 e 30 anos) – aqui (todas as assinaturas foram validadas corrigindo repetições)
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.