Trabalhando há 20 anos na área das pessoas em situação de sem abrigo (não profissionalmente) em vários projetos de inclusão, junto de empresas, organismos públicos e entidades que apoiam e tentam transformar as suas vidas, conheço, interajo e reconheço uma enorme vontade de ajudar as pessoas que passam por este flagelo a percorrerem o caminho para uma vida digna e de cidadania plena.
Nesse caminho, os passos tantas vezes apontados passam pelo apoio alimentar, o apoio psicológico e restabelecer de laços, o acesso a habitação e a integração no mercado de trabalho.
Felizmente em Portugal, e no caso concreto da cidade do Porto, o tema do combate à fome nas ruas progrediu muito, e, a sociedade civil, através de novas e muitas iniciativas e associações por um lado (rondas noturnas, cabazes, banco alimentar, etc.), e as entidades públicas através de cantinas sociais, apoios e restaurantes solidários (como os 3 criados pela CM Porto) por outro, conseguiram multiplicar formas de disponibilizar alimentos a quem precisa.
O apoio psicológico, restabelecer de laços e restruturação da pessoa é talvez a fase mais invisível e mais complexa que conta apenas com as lutas interiores e o restabelecimento interior do próprio, sendo que em Portugal com a Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação de Sem Abrigo cada pessoa deveria ser acompanhada por um gestor de caso que vai providenciando este apoio, e cujo funcionamento em várias cidades está muito aquém do legislado e com grandes variações temporais de território para território.
O passo seguinte, de encontrar um quarto ou uma habitação, tem sido o degrau mais elevado onde tantos esbarram, tendo piorado nos últimos anos com a subida de preços, de tal maneira que hoje muitas das camas que seriam de emergência (e por tal para estadias curtas de meses) são na realidade camas de longa duração, havendo casos de pessoas na cidade do Porto com mais de 20 anos de ocupação de camas de emergência. Nesta área é fundamental haver respostas de alojamento de longa duração para que as várias respostas funcionem adequadamente e assim minimizem o tempo de permanência na rua, que quanto mais longo mais difícil é de reverter.
Se a pessoa conseguir fazer todos estes passos, chega ao degrau final e determinante para a inclusão social que é a inserção no mercado de trabalho. Esta inserção é o passo mais comum para a autonomização plena da pessoa. Sendo possível e procurada para a esmagadora maioria das pessoas, é relevante dizer que haverá sempre algumas pessoas cuja autonomização não será plena.
Há várias formas e iniciativas para realizar a inserção no mercado de trabalho, como o emprego apoiado (não confundir com emprego protegido que é realizado por pessoas com deficiência ou incapacidade em oficinas especificamente estabelecidas para esse fim).
O emprego apoiado é uma área com muita margem de evolução em Portugal, em especial no que toca ao sector que mais emprego gera que é o sector privado. Segundo um estudo da Plataforma + Emprego com a Fundação AEP, um quarto das empresas envolvidas tinha parcerias com o setor social e a maioria já tinha práticas informais de responsabilidade social. A esmagadora maioria das empresas reconhece o impacto social que a contratação de pessoas com baixas qualificações gera e conhece os apoios estatais à contratação em geral, e pouco menos de dois terços recorreram aos mesmos.
A esmagadora maioria das empresas reconhece o impacto social que a contratação de pessoas com baixas qualificações gera e conhece os apoios estatais à contratação em geral, e pouco menos de dois terços recorreram aos mesmos.
No entanto, no caso das Pessoas em Situação de Sem Abrigo, as empresas apontam como principais barreiras a baixa qualificação, a perceção de um maior potencial de problemas (indisciplina, relações laborais, etc.) e a falta de trabalho integrado entre as empresas e processos de inclusão social.
A Plataforma + Emprego tentou solucionar estas três barreiras, com maior enfoque nas duas últimas. Assim criou em parceira com o IEFP a primeira formação especifica para este público em 2015, onde faz a avaliação e acompanhamento das pessoas e a ponte com as empresas.
A Universidade Católica avaliou 3 anos de ação do projeto e concluiu que, por cada mês que uma destas pessoas trabalhou, o Estado teve uma poupança de 639€.
Ao longo dos últimos 10 anos a Plataforma + Emprego mudou a vida de 122 pessoas no Porto e, apesar de não ter orçamentos próprios (exceto quando ganhou uma Parceria para o Impacto por 3 anos), nem contribuições da Segurança Social, e ser baseada essencialmente em trabalho de técnicos das entidades sociais e de voluntários, levou à poupança de cerca de 1,3 Milhões € para a Segurança Social.
Há vontade das empresas, há um balanço muito positivo para o Estado, há pessoas à espera de uma oportunidade de trabalho para serem autónomas e refazerem as suas vidas. Há caminhos para a autonomização das Pessoas em Situação de Sem Abrigo, é só preciso uma maior ambição para transformar vidas potenciando o emprego para a inclusão social!
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.