I. Considerações iniciais
Terminado o sínodo sobre “os jovens, a fé e o discernimento vocacional” o tema da sinodalidade da Igreja ganhou uma enorme importância, dando início a um dinamismo espiritual (mesmo sem termos as certezas que gostamos de ter) antes de iniciar processos de renovação.
É importante decidir que tipo de Igreja somos e queremos ser. O objeto do sínodo é a própria Igreja, o modo de sermos Igreja. Ao convocar o sínodo o Papa quer unir-nos “por uma Igreja sinodal: em comunhão, participação e missão”.
Em 2018, o Papa Francisco publicava a Constituição Apostólica Episcopalis Communio, onde apresentou uma renovação da doutrina, legislação e prática do sínodo dos bispos. O sínodo é alargado a uma dinâmica eclesial de escuta recíproca em todos os âmbitos da Igreja: Bispo de Roma, Colégio Episcopal, Povo de Deus. Cada um com vontade de escutar o outro, todos determinados a ”escutar o Espírito da verdade e o que Ele quer dizer à Igreja (cf. Ap. 2.7)
Poderá este sínodo ajudar à concretização do Concilio Vaticano II, em particular da Lumen Gentium onde se formularam os princípios eclesiais de uma eclesiologia de comunhão?
II. Acreditar na Igreja
A sinodalidade, tema mais falado e que mais expetativas e comentários tem gerado na vida da Igreja nos últimos tempos é, objetivamente, independentemente de todas as opiniões, simpatias ou rejeições, o assunto que vai marcar o futuro próximo da Igreja. Provavelmente, depois do Concilio Vaticano II, será um dos momentos de maior aggiornamento que a Igreja poderá viver.
A incerteza em relação às conclusões deste processo gerou em alguns setores da Igreja inseguranças e defesas que não colidem necessariamente com o crédito da fé na Igreja, com a abertura ao Espírito, com a capacidade de escutar, achando alguns que, apesar das boas intenções do Papa e dos seus conselheiros, tudo poderá não passar de uma “ousadia” condenada “a morrer na praia”. Uma coisa é certa: não será a agenda mediática a “comandar” este processo, nem esta assembleia é um ajuste de contas entre rivais que se prepararam para travar o seu duelo. Todos querem estar no sínodo como uma comunidade que reza e espera viver um novo Pentecostes.
Uma coisa é certa: não será a agenda mediática a “comandar” este processo, nem esta assembleia é um ajuste de contas entre rivais que se prepararam para travar o seu duelo. Todos querem estar no sínodo como uma comunidade que reza e espera viver um novo Pentecostes.
Até onde vamos chegar? Como vamos proceder? As expectativas são grandes, as dificuldades também, mas a esperança que o “Espirito Santo suscitou nos corações” será o dinamismo certo para ”mexer” com a Igreja, à imagem da Trindade de Deus que, com a Ressurreição de Jesus, “mudou” ao assumir na essência da sua divindade a nossa humanidade.
Ninguém quer outra Igreja. Todos a querem fiel e renovada, capaz de responder às questões do nosso tempo, até porque o “o mundo avança sem nós”. Mesmo sabendo que a Igreja, em si mesma é santa, ninguém espera que exista sem defeito. Quem conhece a história da Igreja reconhece o “incomensurável amor do Pai” ao longo do tempo e o quanto lhe custou garantir a unidade e diversidade no meio de tantas divisões e contendas, reconhece a abnegação dos seus mártires e dos seus santos que a purificaram de tantas formas de tentação e de poder, o beneficio e a frescura espiritual de tantos carismas e de novas formas de vida consagrada reinventando formas de rezar e de concretizar a caridade, o impulso missionário e o esforço de inculturação com povos e culturas sem necessidade de “vender” a alma.
A sinodalidade, para além do pressuposto da escuta, exige a todos os convocados um esforço de santidade. Não chegam opiniões e boas intenções, não chegam cardeais e bispos especializados, teólogos de referência, convidados de renome internacional, líderes das ordens religiosas. Contando com o seu contributo insubstituível, este sínodo pretende alargar o raio de visão a toda a comunidade de batizados, a cada igreja local, a cada ordem religiosa, a cada movimento laical, recebendo, se for possível, o contributo dos que “estão fora”, dos que se desiludiram com a Igreja e de todas as pessoas de boa vontade.
O sínodo não será nem o “funeral” da Igreja nem o “parto” perfeito da Igreja ideal. Será um “nascer de novo, sendo velho” (cf. Jo. 3, 4). A história mostra-nos que a Igreja não se construiu no simplismo “separatista” do nós e os outros, na divisão entre bons e maus, puros e impuros, conservadores e progressistas, carismáticos e institucionalistas, pastoralistas e teólogos, sacerdotes diocesanos e consagrados, leigos “comprometidos e “católicos não praticantes”. Que ninguém separe o que Deus uniu: a tradição e a renovação, o de sempre e o que ainda está para vir, o magistério e os carismas, a hierarquia e o povo de Deus, os sacramentos e todas as obras de misericórdia.
O “jogo” ainda não começou e para alguns já foi golo na própria baliza, enquanto que para outros, só o facto deste sínodo se realizar, independente dos seus resultados, já é muito mais do que uma promessa. Acredito que o sínodo, à imagem de um projeto de arquitetura, terá muitas versões, traço a traço até o desenho final ser caminho para todos.
Que ninguém separe o que Deus uniu: a tradição e a renovação, o de sempre e o que ainda está para vir, o magistério e os carismas, a hierarquia e o povo de Deus, os sacramentos e todas as obras de misericórdia.
III – Esperar na Igreja
Movido pela esperança, atrevo-me a “sonhar” áreas de vida onde as palavras podem chegar a factos, onde a fé se pode concretizar em obras, onde a Igreja pode acontecer com um novo “imaginário”, mais circular do que piramidal.
Não parece provável que a sinodalidade aconteça por “magia” ou por “decreto”. Será fruto da capacidade que a Igreja tiver ou não para se “fazer ao largo” e enfrentar as suas mediocridades (clericalismo, carreirismo, machismo, maledicências e invejas, leigos “sacerdotalizados”, religiosos laicizados, soberba moral e formas mundanas de poder, busca de prestígio e riqueza). O único que pode curar qualquer uma destas doenças é o Espírito Santo, a alma do Corpo Místico de Cristo. É o Espírito que sustenta todo o esforço de transparência e purificação. É Ele que nos faz compreender que cada membro ou toma parte na santificação do Corpo ou ajuda ao seu enfraquecimento.
1. Uma Igreja “cananeia”:
Que teria acontecido se a mulher cananeia não tivesse insistido em ter uma resposta de Jesus, inicialmente tão pouco empático, que comparava os “não judeus” com os cãezinhos? Ou a filha desta mulher não se curava ou Jesus teria que descobrir, um dia, que a sua missão não era apenas só para os judeus, mas uma missão universal, para todos. Jesus não sabia tudo e não imaginava que um judeu poderia aprender alguma coisa com uma estrangeira. A verdade é que Jesus praticou a arte da “escuta”, abriu-se, ouviu-a mesmo e nunca mais foi o mesmo.
Espero que aconteça com a Igreja o que aconteceu com Jesus. Porque razão a Igreja há de ser cega ou surda ao grito dos “cananeus “ do nosso tempo?
Espero que aconteça com a Igreja o que aconteceu com Jesus. Porque razão a Igreja há de ser cega ou surda ao grito dos “cananeus “ do nosso tempo?
2. Uma Igreja “estaleiro”:
A sinodalidade faz parte do sonho missionário que o Papa Francisco quer concretizar na Igreja: uma Igreja de batizados, “todo o terreno”, em saída, poliédrica, hospital de campanha, de presbíteros “a cheirar a ovelha”, livre dos poderes do mundo, misericordiosos, capazes de criar cultura e formar consciências, uma barca frágil no meio do mar, semelhante às nossas naus e caravelas. Talvez a Igreja precise da tenacidade dos nossos navegadores que deixaram a terra segura para abraçar com bravura os segredos e os perigos do mar.
É provável que uma barca frágil precise de encontrar “portos de abrigo”, faróis e estaleiros. Tudo seria como deve ser se a Igreja continuasse a apresentar-se ao mundo como um Titanic invencível.
Bento XVI experimentou a fragilidade desta barca e a solicitude de Deus para consigo e para com a Igreja ao assumir que não era o dono da barca. A barca é do Senhor (cf. última audiência de Bento XVI, 27.02. 2013). O sínodo ganharia tanto se contasse com a intercessão e o exemplo de Bento XVI.
3. Uma Igreja mais natalícia:
A Igreja que nasceu do lado aberto de Cristo vive em estado de transfiguração. Jesus viveu a cruz não como um herói, mas como um impotente, abandonado, como vivem todos os inocentes condenados: em silêncio e oração, de forma humilde, adquirindo a “superioridade” que enlouquece os verdugos: oferecem a vida antes de lha roubarem. Chamada a ser “especialista em humanidade” espera-se que a Igreja seja capaz de descer aos “infernos da atualidade” e ao assumir a sua vocação “samaritana”, irradie de alegria os calvários deste mundo.
Se é verdade que tudo nasceu da Páscoa, o natal trouxe ao mundo a revelação da bondade de Deus. Por mais pobre e dramático que tenha sido o nascimento de Cristo, o presépio será sempre uma declaração de amor. O presépio não é menos pascal do que o lava-pés, a última Ceia ou a Cruz. No presépio ou na cruz, pois, “aquele que era rico fez-se pobre” (cf. 2 Cor. 8, 9). Junto à cruz, Maria e João receberam o legado da sede de Cristo; no presépio, os pastores conheceram a alegria de Deus ao assumir a nossa humanidade.
A alegria é tão exigente como a ascese. Prometida à alegria do Evangelho, a Igreja não existe para ser “a carga pesada” da vida de ninguém. Assim, como nenhuma dificuldade apagou a alegria de Maria, de José ou de Isabel, assim também se espera que a “a alegria do natal” esteja, como fermento na massa, no estilo apostólico da Igreja. O natal, veio unir a graça e a natureza, a condição humana e a divina, a santidade de vida e a realização pessoal, os sonhos pessoais e a busca da vontade de Deus.
Prometida à alegria do Evangelho, a Igreja não existe para ser “a carga pesada” da vida de ninguém.
4. Uma Igreja “orquestra”:
A vocação da Igreja assemelha-se a uma orquestra, capaz de dar espaço a todos os instrumentos, gerando a harmonia da diversidade. O que fazer quando algum instrumento prefere ficar de fora, ou tocar mais “a solo” do que em grupo? Tal como uma orquestra, a Igreja não precisa de ser absolutamente genial. Só precisa de ser “genuína”, de ser o que é.
Há uma similaridade no trabalho de equipa de uma orquestra com a vida da Igreja: a construção de um bem comum. As partes convergem para um todo. Nenhum músico pode fingir que toca, nenhum pode estar a ”meio gás”.
Músicos excelentes há em todo o lado. Podendo tocar juntos, não garantem que o façam em orquestra. A excelência de uma orquestra depende do facto de que todos tocam da mesma “forma”, debaixo da mesma batuta. Da batuta do maestro vem o ritmo, a velocidade, a liberdade de interpretação. Nada se faz numa orquestra sem disciplina e criatividade, sem trabalho, rigor e “consciência” de “corpo”.
Não é deste “bom espírito” que a Igreja precisa para formar os seus “quadros” independentemente das capacidades de cada um.
5. Uma Igreja com glamour:
Há 2000 anos que a Igreja usa um perfume demasiado masculino. Que sentiu Jesus na casa de Maria, de Marta e Lázaro, ao ver os seus pés perfumados de “forma” feminina, usufruindo do prazer da mesa, da amizade e da gratidão?
A Igreja não sendo nem masculina nem feminina habitou-se e formou os seus líderes, em particular os sacerdotes, com modelos “patriarcais” de poder, submetendo, em geral, as mulheres a lugares de invisibilidade e subserviência. Muitos pensam que a Igreja, educadora das mentalidades, deveria “dar o exemplo” e atravessar-se pelo reconhecimento que deveria estar a ser dado às mulheres, segundo o que é proprium de uma mulher. Não se trata de destituir uns para promover outros, de trocar de papéis, de masculinizar as mulheres com modelos “mundanos” de poder, dos quais os sacerdotes deveriam estar a libertar-se.
Sou dos que acha que o lugar da mulher na Igreja e no mundo é um assunto inadiável. Mas, para mim, no que se refere à Igreja, antes de vermos e bem, quem tem, quem deveria ter ou não acesso aos ministérios ordenados, segundo a vocação recebida, importa conversar, antes de tudo, sobre o próprio sacerdócio. Sem clarificarmos o que é o sacerdócio, será difícil entendermo-nos. É inadiável “salvar” o sacerdócio das suas caricaturas e recuperar o modus sacerdotal de Cristo, enquanto “servo de Javé”.
Sem clarificarmos o que é o sacerdócio, será difícil entendermo-nos. É inadiável “salvar” o sacerdócio das suas caricaturas e recuperar o modus sacerdotal de Cristo, enquanto “servo de Javé”.
Acredito que o tema vai ser abordado no sínodo, com as balizas que o Papa já lhe colocou e não excluo a possibilidade de a Igreja procurar outros lugares batismais, sacerdotais (não necessariamente presbiterais), no serviço da Igreja. O modo como as mulheres viveram a experiência do encontro com Jesus e foram desafiadas a ser testemunhas da ressurreição “prova-nos” que a sua presença é essencial na construção do Reino e toda a comunidade lucra com o seu modo feminino de acreditar.
O Evangelho tem um fascínio único e um poder de atração que não se pode restringir a nenhuma estética ou linguagem. É um tesoiro intemporal. Pergunto-me se a Igreja não deveria apresentar-se hoje ao mundo com uma imagem renovada, apetecível, não permitindo que a confundam com as expressões que no passado lhe deram “rosto”, mas que hoje não traduzem o que somos nem criam um desejo de pertença.
Quem se atreverá a derramar “novos perfumes” e alargar possibilidades e bons “odores” na vida da Igreja?
6. Uma Igreja psicologicamente mais “adulta”,
No imaginário de muitos, a Igreja vacila entre o infantilismo, conotado com as catequeses da infância ou com a velhice, quando ajuda cada um a reconciliar-se com a história vivida e a morrer em paz.
A Igreja não tem “idade”, não estaciona em nenhuma etapa da vida. Acho um abuso dizer que a Igreja é dos jovens, é dos leigos, é dos padres ou das freiras, é do Papa, etc. A Igreja não tem dono, não tem “classes”, não é de nenhum movimento ou carisma. Não é propriedade privada de ninguém. É corpo de Cristo, obra do Espírito. A Igreja foi “expropriada” por utilidade pública.
A Igreja não tem “idade”, não estaciona em nenhuma etapa da vida. Acho um abuso dizer que a Igreja é dos jovens, é dos leigos, é dos padres ou das freiras, é do Papa, etc. A Igreja não tem dono, não tem “classes”, não é de nenhum movimento ou carisma. Não é propriedade privada de ninguém. É corpo de Cristo, obra do Espírito.
Ninguém quer esconder a “saúde” que a presença dos jovens traz à Igreja. Basta pensarmos na JMJ, essa “reserva” de alegria pura e contagiante que acordou Portugal do “sono” da fé. Que contraste com o flagelo da Igreja dos Abusos e das vítimas.
Sem que fosse um dos seus objetivos a JMJ teve “ensaios” de sinodalidade como foi a prática da hospitalidade ao abrirmos as portas ao “estrangeiro”, a quem não pensa como nós, a receber e escutar.
A JMJ trazia um “perigo” consigo, o de nos autojustificar. Por mais bela e significativa, com uma proposta estética inovadora e com linguagens urbanas que deram um “corpo” contemporâneo à experiência do sagrado, a Igreja não pode inebriar-se com esta “onda”, sendo consciente que muitas igrejas continuarão vazias, que muitas crianças e adolescentes vão continuar a fugir, que há missas que são um pesadelo que nem os avós aguentam, que os jovens católicos não se querem casar pela Igreja. Que não existe em muitos cristãos a serenidade para abordar as questões da identidade e liberdade, deixando-as infelizmente nas mãos dos que as tratam como questões fraturantes e em tensão ideológica com a ética cristã.
Talvez a sinodalidade seja a maior esperança que as novas gerações têm para o futuro da Igreja. Os jovens não podem ficar eternamente jovens. Todos podemos e devemos crescer. Assim, a Igreja, chamada à maturidade de Cristo não tem tarefa fácil ao fazer-nos adultos na fé: ultrapassar as catequeses infantis que não resistem à teoria das espécies, a não reduzir a fé e a teologia à devoção, a conhecer e estudar as sagradas escrituras, a aliar as convicções da razão às razões do coração, a corresponsabilizar-se pelo “destino” dos irmãos, a concretizar o Evangelho na coerência das próprias decisões, a encontrar a sua vocação dentro da Igreja, a construir a comunidade crente.
Assim, a Igreja, chamada à maturidade de Cristo não tem tarefa fácil ao fazer-nos adultos na fé: ultrapassar as catequeses infantis que não resistem à teoria das espécies, a não reduzir a fé e a teologia à devoção, a conhecer e estudar as sagradas escrituras, a aliar as convicções da razão às razões do coração, a corresponsabilizar-se pelo “destino” dos irmãos, a concretizar o Evangelho na coerência das próprias decisões, a encontrar a sua vocação dentro da Igreja, a construir a comunidade crente.
7. Uma Igreja “Cirenaica”
Estranhamente a Igreja habitou-se, no seu orgulho ético, a propor a conversão sem se converter a si mesma. Conclusão: encontrou justificação para as barbaridades que escondeu ou permitiu que lhe acontecessem. Deixou que alguns, traindo Deus, tratassem outros como se não fossem nada, ninguém, capricho para os seus desequilíbrios afetivos, abusando da inocência das crianças e dos frágeis.
A tragédia tornou-se numa praga e nada justifica a ocultação ou a falta de uma resposta de quem deve assumir a justa dor das vítimas, independente da exatidão dos processos judiciais. Não basta pedir perdão. Importa tirar as vítimas da “periferia” e colocá-las no “centro” das decisões. As vítimas não podem esperar. É preciso levar esta cruz ao seu calvário e apoiar quem na Igreja aceitou ser “cireneu” desta causa. Ninguém se pode substituir à Igreja neste trabalho.
A tragédia tornou-se numa praga e nada justifica a ocultação ou a falta de uma resposta de quem deve assumir a justa dor das vítimas, independente da exatidão dos processos judiciais. Não basta pedir perdão. Importa tirar as vítimas da “periferia” e colocá-las no “centro” das decisões. As vítimas não podem esperar. É preciso levar esta cruz ao seu calvário e apoiar quem na Igreja aceitou ser “cireneu” desta causa. Ninguém se pode substituir à Igreja neste trabalho.
A recuperação da confiança do povo de Deus nos seus Bispos e sacerdotes dependerá das medidas concretas e da justiça com que a Igreja responderá a esta atrocidade.
8. Igreja repensa o “céu” a partir da Laudato Si’
A ideia de paraíso nunca se livrou de um imaginário capaz de saber distinguir o “céu” dos “céus”, o espiritual do científico. Cada cristão espera a vida do mundo que há de vir. Na Eucaristia tudo se antecipa e a esperança da Ressurreição materializa-se no pão que, entretanto, se reparte. Como peregrinos, cada um aproxima-se do fim da sua vida terrena. Despede-se de si mesmo e dos que ama e abre-se à promessa de Jesus que nos prometeu o “céu”, o seu “paraíso” (cf. Lc 22, 43).
“Uma das caraterísticas que define o cristianismo é ser uma religião histórica, geográfica, concreta que assume o tempo, a terra, os limites e possibilidades da criação, que tem ao seu cuidado a felicidade de cada pessoa e o bem comum a todos, ao mesmo que espera a vida eterna do mundo que há de vir. Por isso, construir o “homem interior” ou “cuidar da casa comum“ são “cara e coroa” da essência do cristianismo. Talvez a esperança maior dos cristãos seja a de construir o “céu” neste mundo, “a cidade de Deus na terra dos homens”.
Por isso, construir o “homem interior” ou “cuidar da casa comum“ são “cara e coroa” da essência do cristianismo. Talvez a esperança maior dos cristãos seja a de construir o “céu” neste mundo, “a cidade de Deus na terra dos homens”.
Não acharia nada estranho se o sínodo, face à situação ecológica do mundo desafiasse a Igreja a ser tão guardiã da dignidade de cada pessoa como da beleza da criação, subscrevendo o Papa no final da Laudato Si’, quando na “oração sobre a terra” unindo o “céu” e os “céus” afirma: “No fim, encontrar-nos-emos face a face com a beleza infinita de Deus e poderemos ler com feliz admiração o mistério do universo, que partilhará connosco a plenitude sem fim. A vida eterna será uma maravilha partilhada, onde cada criatura, luminosamente transformada, ocupará o seu lugar” (Laudato Si’, n. 243).
IV. Considerações em aberto e esperança final
O sínodo está a acontecer. Não é coisa pequena que aconteça, mas não basta que aconteça. Creio que existe liberdade e sabedoria para tratar de todos os assuntos, mas é muito provável que alguns precisem de mais tempo, debate e oração. Claro que os que vão mais adiantados nas suas reflexões, gostavam que a Igreja não adiasse nenhuma resposta fazendo justiça a discriminações, assim como outros, igualmente fiéis, em nome da prudência se mostrem menos capazes de saber estar na fronteira do risco.
Qual é o preço que a Igreja vai pagar por causa do sínodo sobre a sinodalidade? Isto significa que o magistério Petrino, e dos Bispos em comunhão com ele, será apenas opinativo ou administrativo como acusam alguns? Inconcebível! Significa que a vida pastoral e apostólica vai prescindir da teologia e do direito canónico, tendo como critério as sondagens de opinião? Impensável! Significa que a Igreja está proibida de recriar as suas liturgias, de assumir, se assim o entender, “suscitar” outros sinais eficazes da graça como sacramentos ou criar novos ministérios e diaconias? Claro que sim, bastaria recordar o que aconteceu com a “arquitetura” dos 7 sacramentos no Concilio de Trento.
No fundo, o mínimo que espero deste sínodo é que a sinodalidade seja assumida como a nova garantia espiritual e prática do caráter sagrado e transcendente da Igreja enquanto “serva” ecológica da humanidade” e “corpo místico de Cristo”.
Que Maria nos ajude a acolher e viver o sínodo como ela, feliz, acolheu o seu tempo de gravidez.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.