Polarizar a paz é cristalizar a violência

Entendemos, assim, a construção da Paz, enquanto um processo de esperançar para que a Paz não seja polarizada e a violência não se cristalize entre nós!

Entendemos, assim, a construção da Paz, enquanto um processo de esperançar para que a Paz não seja polarizada e a violência não se cristalize entre nós!

No início da reunião de equipa na Fundação Gonçalo da Silveira (FGS), entre os muitos assuntos, surgiu o incontornável tema da Paz. Das sensibilidades individuais ao quadro institucional que nos vai guiando, sentimos necessidade de nos ouvirmos mutuamente, procurar informação e aprofundar os fundamentos que estão na base do que fazemos enquanto Organização Não Governamental para o Desenvolvimento (ONGD) e obra da Companhia de Jesus. Não foi consensual (talvez nem fosse bom que assim fosse, dado que perderíamos a riqueza da nossa diversidade), como acontece quando olhamos para temas tão complexos como estes, mas, enquanto processo de construção de Paz, decidimos ir “cuidando” da reflexão e diálogo sobre este tema.

A Paz é, muitas vezes, entendida enquanto utopia ou ideal a alcançar, algo quase inatingível face aos cenários de guerra que constrangem a atualidade. Esta perceção da Paz enquanto oposto de guerra conduziu a que, em alguns períodos na história da humanidade, tenha sido tomada como garantida, desconsiderando a perpetração continuada de tantas outras formas de violência, ou seja, de ausência de Paz. Estarmos conscientes dos conceitos de Paz Negativa, caracterizada pela ausência de violência direta e ausência de medo de violência; e de Paz Positiva, enquanto processo orientado para a identificação e eliminação das causas subjacentes à violência, como a pobreza, a desigualdade e a exclusão e para a transformação pacífica dos conflitos (Institute for Economics and Peace, 2022) [1] é por isso fundamental.

Mas será que a nossa sociedade nos prepara para falarmos de Paz? Temos as ferramentas que precisamos para debater este tema com seriedade e humildade? E a prática educativa, será que dá instrumentos a crianças e jovens para poderem dar o seu contributo na construção da Paz? Que papel pode ter a Educação neste processo?

Na nossa prática, enquanto ONGD, é muito claro que a Paz que procuramos e na qual trabalhamos diariamente é “la liberación del individuo de las violencias que le impiden el bienestar y promueve la justicia social” (Mesa, 2023: 2) [2]. A perceção das interdependências que ligam todos os elementos deste ambiente em que vivemos e das relações entre o local e o global conduzem-nos à consciência de viver localmente sintomas de problemas globais, bem como de que as nossas escolhas e atitudes locais têm impactos a nível global. Trabalhar sobre esses sintomas é trabalhar a Paz. [3]

A Educação tem, assim, um papel determinante ao permitir adquirir um conjunto de competências de pensamento crítico, aprofundamento de conhecimento, de diálogo e trabalho colaborativo, essenciais para a construção da Paz. Não é por acaso que o Referencial de Educação para o Desenvolvimento – Referencial ED (2016) – assume esta área como um dos seus subtemas chave para o trabalho com crianças e jovens.

Enquanto ferramenta para a construção de Paz, o Referencial ED indica caminhos de aprendizagem essenciais para este percurso, entre os quais, compreender:

  • que a construção da Paz exige o esforço continuado de todas as pessoas, instituições e comunidades;
  • os vários tipos de situações de insegurança, violência, guerra e ausência de Paz;
  • a interdependência entre Paz, direitos humanos, democracia e desenvolvimento.

Assentes nestas linhas, temos procurado desenvolver “uma cultura de Paz”, encarando a Educação como ferramenta indispensável ao nosso trabalho, no sentido de construir caminhos de Paz Positiva. Entendemos, assim, a construção da Paz, enquanto um processo de esperançar para que a Paz não seja polarizada e a violência não se cristalize entre nós!  Afinal, que Paz queremos construir? Que Paz queremos viver? Como podemos promover o esperançar para alimentar caminhos de Paz?

 

Notas:

[1] IEP – Institute for Economics & Peace (2022). Global Peace Index 2022: Measuring Peace in a Complex World. Sydney: IEP. Disponível em: http://visionofhumanity.org/resource

[2] Mesa, M. (2023). El reto de imaginar un futuro de paz en un mundo en crisis: el papel de la educación para la ciudadanía global. Sinergias – Diálogos Educativos para a Transformação Social: Imagine Peace – A Educação para o Desenvolvimento e a Construção da Paz, Julho 2023, N.º 15. Disponível em: “Imagine Peace”: a educação para o desenvolvimento e a construção da paz – Sinergias ED

[3] Nesta perspetiva de construção e reflexão acerca da Paz, partilhamos, para quem tiver interesse, o Estudo ED-Comunicar.

 

Ilustração: Shivani Ranchhod.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.