Paróquias estão a ficar desertas mas não se arriscam caminhos novos

P. Tiago Freitas defende um novo paradigma de paróquia, não estritamente geográfico, e mais ministérios para os leigos. E lamenta que, apesar da desertificação das paróquias, a Igreja não arrisque e continue a fazer tudo como no passado.

P. Tiago Freitas defende um novo paradigma de paróquia, não estritamente geográfico, e mais ministérios para os leigos. E lamenta que, apesar da desertificação das paróquias, a Igreja não arrisque e continue a fazer tudo como no passado.

O que é um “colégio de Paróquias” (cujo conceito defende na sua tese de doutoramento) e que mudança de mentalidades/conversão implica? 

Em primeiro lugar, temos de, por momentos, colocar de lado o que entendemos por paróquia: uma instituição eclesial, circunscrita por critérios territoriais, e que encontra nos sacramentos o horizonte da sua ação pastoral.

Na sua origem grega, pára-oikía significa junto da casa, assim como pároikos expressa o peregrino que vive próximo da casa dos outros. Nasce assim uma geografia singular, não de ordem territorial mas de penhor antropológico, existencial e espiritual.

A paróquia deveria, neste sentido, ser a presença qualificada, próxima e ministerial da Igreja em lugares de particular relevo antropológico e espiritual para, de modo ágil e estável, atingir as periferias humanas e anunciar Cristo. Um hospital, uma escola, uma prisão ou uma igreja numa localidade poderão constituir-se paróquias, isto é, lugares significativos de presença eclesial.

Como consequência, o “colégio de paróquias” é o conjunto das paróquias, entendidas como realidades de presença ministerial qualificada num determinado lugar, e curadas, sob a presidência de um pároco, por um colégio representativo dessas mesmas realidades.

Em segundo lugar, este modelo implica um conjunto de pressupostos para os quais ainda não estamos sensibilizados. Antes de mais, reconhecer que todo o cristão – pelo baptismo – ensina, governa e santifica. Assim, compete ao sacerdote a “presidência no discernimento” mais do que o governo. Isso abriria caminhos para um verdadeiro espectro de ministérios laicais reconhecidos pela Igreja: hospitalidade, acompanhamento na dor e luto, liderança nas comunidades eclesiais, catequese, etc.

 

Este modelo implica um conjunto de pressupostos para os quais ainda não estamos sensibilizados. Antes de mais, reconhecer que todo o cristão – pelo baptismo – ensina, governa e santifica. Assim, compete ao sacerdote a “presidência no discernimento” mais do que o governo. Isso abriria caminhos para um verdadeiro espectro de ministérios laicais

P. Tiago Freitas

Por fim, e não menos importante, temos de ter a noção que encontrar um modelo pastoral de paróquia é o trabalho mais fácil. Mas não basta! É preciso, ao mesmo tempo, ativar um itinerário pedagógico e espiritual capaz de renovar a vida eclesial, capaz de levar as pessoas a centrarem a sua existência em Cristo. Se isto não for feito, dentro em breve estaremos novamente preocupados com o modelo de paróquia quando, na verdade, o problema será o de não termos cristãos ou, no melhor dos casos, como já acontece, termos cristãos incapazes de “dar razões da própria esperança” e que se refugiam noutras espiritualidades e filosofias de vida.

É um sonho impossível para a realidade da Igreja em Portugal? Que resistências se podem levantar? 

Não creio que seja um caminho impossível. Sobretudo se tivermos em consideração que a Igreja é de Cristo e, portanto, compete também ao Espírito Santo transformar a Sua Igreja. Mas, de um modo pragmático, penso que será um caminho longo e doloroso. Ainda não estamos convencidos de que a realidade mudou e o ponto em que a Igreja se encontra. A lógica tem sido a de fazer tudo para que tudo permaneça igual ao passado. E esse é um caminho de morte!

Será um caminho longo e doloroso. Ainda não estamos convencidos de que a realidade mudou e o ponto em que a Igreja se encontra. A lógica tem sido a de fazer tudo para que tudo permaneça igual ao passado. E esse é um caminho de morte!

P. Tiago Freitas

As resistências são muitas, começando, desde logo, pelos sacerdotes e o modo como vivem o seu ministério. Será necessária humildade e coragem para mudar o paradigma, para encontrar um novo estilo de ser presbítero, assim como um novo modo de dialogar com os não-crentes, agnósticos, indiferentes e intermitentes.

Da parte dos leigos, creio que a dificuldade maior prende-se com um apego ao território, à história da sua terra e uma dependência da figura do sacerdote.

Em termos gerais, todos são unânimes em reconhecer que as paróquias estão a ficar desertas e os sacramentos a serem instrumentalizados. Reconhece-se ainda a incapacidade de gerar cristãos. Curiosamente, nesta nebulosa, prefere-se segurar o que ainda existe ao invés de arriscar caminhos novos. A maior resistência é a de mentalidades e, infelizmente, para muitos ainda não chegou o tempo da mudança. Mas o que é mais importante? Salvar a instituição e as suas estruturas ou sermos leves e ágeis para anunciar o Evangelho? Vivemos tempos de negação e de contradição.

Quanto tempo será preciso para que este estilo de Igreja comece a ser mais visível e a dar frutos?  É possível imaginar um horizonte temporal em que estes colégios de paróquias comecem a ser mais frequentes? 

Existem dois caminhos possíveis para mudarmos a figura histórica de paróquia. O primeiro é administrativo e impositivo, parte da decisão e reflexão do bispo diocesano ou de um grupo de trabalho. A sua implementação é, por isso, muito expedita e bastam dois a três anos. A experiência em várias dioceses mostra-nos, todavia, que este é um caminho a evitar porque a comunhão não se impõe nem tão pouco corresponde ao estilo sinodal de ser Igreja. Por norma, a imposição tem levado a maiores resistências e à falência dos projectos pastorais.

A segunda via parte do diálogo construtivo com as bases, paróquias, sacerdotes, leigos e agentes pastorais. Como seria de esperar, é um caminho longo mas, ao mesmo tempo, mais consistente. Podemos estar a falar de 10 anos.

É preferível um caminho que se vá construindo com a sinergia das pessoas, mesmo que imperfeito, do que algo imposto e administrativo.

A angústia que algumas pessoas sentem prende-se com o facto de perceberem que as mudanças estão a ser muito rápidas, que estamos em contra-relógio para um trabalho consistente, e, apesar disso, deparam-se uma Igreja instalada, confortável, sem coluna vertebral, fazendo apenas operações de cosmética.

Dou apenas um exemplo. Nalguns locais, mudou-se o nome de “paróquia” para “comunidade” ou “comunidade paroquial” na expetativa de que criasse um sentimento de proximidade e de acolhimento típico das pequenas comunidades. Infelizmente, passado pouco tempo, percebe-se que a única coisa que mudou mesmo foi o nome.

 

O P. Tiago Freitas, da arquidiocese de Braga, é o o autor da Tese de Doutoramento “Colégio de Paróquias – Um proto-modelo crítico para a paróquia da Europa Ocidental em tempo de mobilidade”.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.