Os jovens na criação de um futuro promissor

A melhor pastoral juvenil será sempre a da partilha, do testemunho e da festa, a pastoral da relação pessoal, “única”, próxima e inacianamente “indiferente”, que evita dependências e manipulações, se constrói no encontro com Cristo.

A melhor pastoral juvenil será sempre a da partilha, do testemunho e da festa, a pastoral da relação pessoal, “única”, próxima e inacianamente “indiferente”, que evita dependências e manipulações, se constrói no encontro com Cristo.

Servir a Juventude – uma preferência da Companhia de Jesus
A missão que a Companhia de Jesus é chamada a realizar, para ser fiel à sua identidade, exige-lhe uma avaliação contínua sobre o “estado” do mundo, as suas próprias possibilidades e limites e, sobretudo, total disponibilidade para servir a Igreja, no que for mais urgente e mais universal.

Depois de um longo processo de discernimento e eleição, a Companhia escolheu quatro áreas de intervenção que passaram a ser as suas preferências apostólicas, a saber: 1) mostrar o caminho para Deus através dos exercícios espirituais e do discernimento; 2) Caminhar junto aos pobres, os descartados deste mundo, os violados na sua dignidade, numa missão de reconciliação e justiça; 3) Acompanhar os jovens na criação de um futuro promissor; 4) Colaborar no cuidado da casa comum.

Estas preferências são, hoje, na sua essência, a sua missão apostólica, no mundo e na Igreja. Entre estas, como já referimos, encontra-se a determinação de “acompanhar os jovens na criação de um futuro promissor”, que nos cabe aqui apresentar. Face aos índices de desinteresse e desafeto dos jovens de hoje, nuns lugares mais do que noutros, pela Igreja e por Deus, assim como, face à instabilidade do tempo presente e incertezas do futuro, a escolha desta preferência mostra ser uma necessidade incontornável.

Com esta opção não se pretende travar uma batalha cultural, maldizendo o tempo presente e o modo de viver das atuais gerações, nem de oferecer “de bandeja” uma absolvição a tudo o que surja embrulhado de novidade e de progresso. O desejo da Companhia é ajudar os mais jovens a distinguir a grandeza das conquistas humanas, que não se podem perder, das aparências de bem, que não passam de ilusões e encantamentos. Trata-se de um projeto de imersão, não de uma apropriação ou diluição.

Ao adotar a juventude como preferência apostólica, a Companhia de Jesus não quer ser uma presença “light” no universo juvenil, capaz de colher simpatias sem transformar os corações. A razão da sua existência, faça o que fizer, é suscitar o desejo e o primado de Deus, mesmo nos que não estavam à espera desta interpelação. Deus corre o risco, na sua perspetiva, de vir a ser o maior ausente das suas vidas.

Ao adotar a juventude como preferência apostólica, a Companhia de Jesus não quer ser uma presença “light” no universo juvenil, capaz de colher simpatias sem transformar os corações. A razão da sua existência, faça o que fizer, é suscitar o desejo e o primado de Deus, mesmo nos que não estavam à espera desta interpelação.

A juventude é um “apelo” de Deus
A Companhia de Jesus vê a juventude como um “apelo” que vem de Deus. Ao contemplar a face da terra, à maneira da meditação da encarnação, dos exercícios espirituais, ela percebeu que, ainda que com inúmeras variáveis culturais e diferenças geográficas, existe hoje um “mar” de jovens de quem a Igreja se afastou (e vice-versa) que procuram a sua realização pessoal e um significado para as suas vidas, fora do âmbito do Evangelho.

Entre tantos flagelos que assolam o mundo, o ateísmo das novas gerações é um “drama” que não pode ser disfarçado. Uns deixaram de receber a fé no “leite” materno; outros abandonaram-na na adolescência nos “conflitos” impreparados com a ciência, a sexualidade e a autonomia da própria liberdade e, alguns, em número crescente, substituíram a fé cristã por karmas, experiências esotéricas e emocionais.

Dentro da Igreja também se vive a tensão da diversidade. Há pequenos grupos de jovens de perfil mais conservador, onde a fé se entrincheirou numa lógica de “ataques” e “defesas”; há a imensa maioria de jovens batizados mas “não praticantes”, sem grupos eclesiais de pertença, que “confinaram” a fé a um assunto privado, com exceção de alguma celebração religiosa pontual e, finalmente, importa referir, e muito positivamente, a existência de muitos jovens católicos, praticantes, ligados ou não a diversos movimentos de espiritualidade, com convicções firmes e serenas, para quem a fé é muito mais do que uma herança de família, um clube de resistência ou um “fruto” de contexto cultural; é uma opção livre, corajosa e identitária.

A verdade é que no abismo entre jovens “comprometidos” e “alheados”, “focados” e “dispersos”, “não crentes” e “radicalizados” há verdadeiras “células” de jovens “saudáveis”, cheios de fé e de esperança, capazes de renovar o mundo e a Igreja, jovens “prometidos” à alegria do Evangelho.

Muitos dizem-nos, com ou sem razão e por mais que nos doa ouvir, que a Igreja tornou-se obsoleta e irrelevante nas suas decisões. Para muitos deles, a Igreja fechou-se, “está cheia de si”, não quer ouvir, não quer mudar, vive para preservar aparências, como se a fidelidade da qual não pode abdicar se restringisse a ser uma repetição do que já foi ou é. Será mesmo assim?

Muitos dizem-nos, com ou sem razão e por mais que nos doa ouvir, que a Igreja tornou-se obsoleta e irrelevante nas suas decisões. Para muitos deles, a Igreja fechou-se, “está cheia de si”, não quer ouvir, não quer mudar, vive para preservar aparências, como se a fidelidade da qual não pode abdicar se restringisse a ser uma repetição do que já foi ou é.

A Companhia considera, e mostra-o nesta preferência apostólica, que à imagem de S. Inácio e de tantos outros como S. Francisco de Assis, S. Catarina de Sena, S. Teresa de Avila, S. João Bosco, etc, – que “abanaram” a Igreja no seu tempo- , que a Igreja não está “perdida” nem a juventude atual nasceu incapaz de acreditar, e, por isso, arrisca e propõe-se de novo “ousar” o impossível e encontrar no Espírito Santo a fortaleza para dar testemunho da beleza da fé e reconciliar a juventude com Cristo e a Igreja.

Efeitos colaterais – Converter-se a servir os mais jovens
Sabemos que para apoiarmos os jovens na construção de um futuro promissor temos que ser “credíveis”, temos que nos “converter” e “sairmos de nós mesmos”. Temos que ser criativos, transparentes e coerentes. Não podemos ser paternalistas e restringirmo-nos a uma pastoral de “secretaria” ou de “manutenção”.

Qual é a conversão que a Companhia de Jesus precisa de fazer, na sua forma de ser e de trabalhar, para “dar corpo” a esta preferência apostólica, não se contradizendo a si própria, no que é e no que propõe? Que contributo é que pode ela dar para suscitar nos mais jovens, assim como em si mesma, um “futuro” religioso de renovação, que seja de inclusão e não de “descarte”, de misericórdia e de reconciliação, de autenticidade e compromisso?  Podem os jovens, assim como os mais pobres, “converter” a Companhia, à imagem do que faz Deus?

A resposta não está no âmbito do “enciclopédico” ou do “celestial”. Os Jesuítas ousam propor aquilo que procuram e que o Senhor lhes revelou como caminho de fé e de missão. Não é só Deus que “molda” a identidade da Companhia, a realidade também lhe toca a vontade e o coração. Para sermos autenticamente espirituais temos que incluir nas nossas vidas Deus e o homem, o sagrado e o profano, o céu e a terra, não vivermos preocupados primordialmente com a própria salvação, mas prontos e disponíveis para, com a maior humildade possível, sermos sal e luz no mundo, em constante transformação.

A Companhia quer ajudar os jovens a serem protagonistas do seu próprio futuro, a darem ao mundo o melhor de si mesmos. Nenhum jovem pode restringir a sua fé a uma experiência egoísta de “devoção” ou a separar a beleza da sua oração da vontade de irradiar o Evangelho por todas as áreas do viver e do sonhar: uma fé que inspire a política e a cidadania, que habite hospitais e escolas, que forme consciências e inspire mentalidades, que ame a erudição e acolha as provocações das artes e da cultura atual, que se deixe interpelar pelo desenvolvimento científico e o progresso social, que valorize o contributo da psicologia e das ciências humanas na abordagem das decisões éticas mais difíceis; uma fé que tem lugar nas redes sociais e nos meios de comunicação; uma fé que é “aliada” das questões ecológicas e do cuidado ambiental da criação; uma fé que não teme a erotização do divertimento e dos tempos de descanso; que não foge das questões da autoaceitação, do culto da própria imagem e da força dos sentidos; uma fé que questiona os mais jovens, alguns muito mimados, que tudo querem ter sem nada fazer, outros muito “revoltados” que adotam a violência como grito de afirmação; outros, talvez a maioria, a viver muito em gueto, “escondidos” nas redes sociais, demasiado adormecidos, sem causas e em rutura; outros “lutadores, “pequenos heróis”, pais dos próprios pais, próximos dos avós, responsáveis pelo próprio destino, exemplares no sacrifício e na determinação.

Os Jesuítas ousam propor aquilo que procuram e que o Senhor lhes revelou como caminho de fé e de missão. Não é só Deus que “molda” a identidade da Companhia, a realidade também lhe toca a vontade e o coração.

Mesmo que todos sejamos incompletos e que a muitos jovens falte rigor, disciplina, espírito crítico e sentido de humor, os Jesuítas sabem que só é possível construir esta arquitetura de diálogo e participação, entre a fé e a vida, e esperar a reanimação de muitos jovens a partir de uma atitude crente, sem suspeitas e preconceitos sobre a sua condição, fazendo convergir o Evangelho com os melhores anseios dos “jovens de boa vontade” que desejam “mudar a face da terra”: a defesa dos direitos do homem, a formação e autonomia da consciência individual, a defesa da vida em todas as suas idades, a promoção da mulher e da família, a proteção dos mais frágeis e pobres, o cuidado com os sem-ninguém, os sem-pão, sem-terra ou sem-trabalho.

Para dar “asas” a esta preferência apostólica, a Companhia sabe que tem que confiar absolutamente em Deus e deixar agir, em si mesma, o Espírito Santo transformador que a capacita para esta missão e, ao mesmo tempo ser permeável à realidade por quem o próprio Deus nos quer falar e transformar. O P. Arturo Sosa, Geral da Companhia, na carta que enviou aos jesuítas com as quatro preferências apostólicas universais confirma a consequência desta pretensão quando diz que “acompanhar os jovens coloca-nos no caminho dessa conversão pessoal, comunitária e institucional que a torna possível”.

O exercício espiritual de acompanhar
No Evangelho, vemos como Jesus gostava de estar à conversa com cada jovem “rico”, como não deixava nenhuma “ovelha” sem pastor, como se dava inteiro a cada um. Gostava muito de “permanecer”, não só de anunciar ou de esclarecer. Jesus nunca escondeu o desejo de se sentar à mesa com outros, de descansar ou peregrinar acompanhado, de ir à pesca com os amigos, de aprender a aplicar a lei com aqueles de quem nada se esperava, de abrir os olhos aos cegos e dar a liberdade aos oprimidos. Os “perdidos” foram, muitas vezes, os mais procurados, os seus preferidos.

A missão de “acompanhar os jovens na construção de um futuro promissor” é sempre uma experiência arriscada. Ninguém o fará com a “arte” de Jesus. No entanto, com a Sua graça, muito bem se pode fazer. Acompanhar será sempre receber cada um no seu “estado”, ajudando-o a vencer medos e a viver com fé as suas tempestades.

Entre tantas possibilidades, a Companhia decidiu “ficar” perto dos jovens mais “pobres” e “feridos”, carentes de fé, de amor, de família, de sentido e de oportunidades de futuro. Esta preferência exige aos jesuítas e aos seus colaboradores uma enorme humildade para descer aos infernos escondidos em que vivem muitos dos jovens da atualidade. Para que um dia “ressuscitem” e sejam capazes de sonhar um futuro “apetecível”, é necessário que encontrem em nós modelos de esperança, “restauradores de brechas” e que, com alegria, no dar e no receber, sejamos para eles um lugar de encontro e salvação.

Para que um dia “ressuscitem” e sejam capazes de sonhar um futuro “apetecível”, é necessário que encontrem em nós modelos de esperança, “restauradores de brechas” e que, com alegria, no dar e no receber, sejamos para eles um lugar de encontro e salvação.

Quem está preparado para exercer esta missão, para deixar cada um mais livre, como o fazia Jesus? Habitualmente, quem nos procura é muito exigente e quer encontrar mais do que um ouvinte ou um interprete das suas circunstâncias. Nenhum de nós se pode disponibilizar de modo “impreparado”, com quem cumpre uma função, um “sabe tudo”, que ouve mas não escuta, que se acha superior, que se julga dono da verdade mais do que revelador do Evangelho. A estes os jovens sempre viraram as costas. O jesuíta, padre ou irmão, só pode estar no mundo juvenil como um pai ou uma mãe está numa família, independentemente da profissão que exerce. Não está “profissionalmente”, está “sacerdotalmente”.

Todos sabemos que não se pode acompanhar, ou ajudar alguém a aceitar a sua vida e a crescer na esperança, a partir de uma teoria, de um imaginário de perfeição, como se cada jovem que nos procura fosse para nós um “caso clínico” a resolver. Acompanhar exige um crédito de confiança mútua. É propor, “desmontar”, “clarificar”, alargar possibilidades e horizontes. É vincular cada um à pessoa de Cristo, referencial incontornável, para quem procura a felicidade na verdade, e sabe ou vai redescobrindo que tem um futuro à sua espera.

A Companhia sabe que a juventude é a etapa da vida onde não há limites, onde se quer beber a vida até à ultima gota, se dá asas ao desejo e ao amor, se tomam as decisões estruturais, muitas vezes de forma pouco livre e ponderada, onde tudo é possível e o seu contrário. A melhor pastoral juvenil será sempre, para além de tudo, da partilha, do testemunho e da festa, a pastoral da relação pessoal, “única”, próxima e inacianamente “indiferente”, que evita dependências e manipulações, que se constrói no encontro pessoal com Cristo, senhor e servo da liberdade e da verdade de cada um.

Com esta preferência apostólica, a juventude sabe que não está sozinha e que pode contar com a Companhia de Jesus para “encontrar” o seu futuro em santidade. Se quiser, a juventude tem aqui “casa” para se pensar e se estruturar em amor, pois todos sabemos, jovens e jesuítas que o futuro não se espera, constrói-se.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.