Começa amanhã o Sínodo dos Bispos. “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional” é o tema da Assembleia que estará reunida até dia 28. O Ponto SJ falou com o jesuíta Giacomo Costa, secretário especial do Sínodo, sobre o que esperar.
Ginacomo Costa é padre jesuíta e diretor da revista Aggiornamenti Sociali. Juntamente com o sacerdote salesiano Rossano Sala é um dos dois secretários especiais do Sínodo dos Bispos dedicado aos Jovens que começa amanhã, no Vaticano. A sua função é ajudar o relator geral do Sínodo na coordenação do trabalho dos peritos e na elaboração de propostas e documentos para serem discutidos e votados pelos membros da Assembleia Sinodal. Esta missão dá-lhe um conhecimento privilegiado sobre todo o caminho de preparação que antecedeu esta reunião e permite-lhe antecipar aqueles que podem vir a ser os temas marcantes do encontro. O Ponto SJ entrevistou-o por email. A poucas horas do começo do Sínodo, publicamos esta entrevista.
1 – A preparação do Sínodo passou por um longo processo de escuta dos jovens de todo o mundo (inquéritos, encontro pré-sinodal). Conhecendo os dados que resultaram desse processo, o que mais o impressionou naquilo que os jovens dizem/pedem à Igreja?
Em primeiro lugar, é importante sublinhar a novidade do método que está implícita na questão: pela primeira vez na história dos Sínodos, os jovens estiveram envolvidos no processo de definição e de focagem do tema. Na Igreja estamos muito habituados a falar aos jovens mas pouco acostumados a ouvi-los e a dar-lhes o seu espaço. Neste Sínodo, pelo contrário, os jovens foram explicitamente chamados a falar sobre si. E fizeram-no «sem filtros», como tinha pedido o Papa Francisco. Nos questionários compilados on-line, mas sobretudo na reunião pré-sinodal de março, os jovens sentiram-se muito livres para expressar as suas aspirações e para dizer o que pensam da Igreja, colocando em cima da mesa inúmeros problemas relacionados com a comunicação, a linguagem, a credibilidade ou a inclusão das diferenças. Da mesma forma, muitas conferências episcopais admitiram corajosamente as suas dificuldades e resistências no relacionamento com os jovens. Esta dinâmica tornou a preparação do Sínodo um verdadeiro processo de encontro e escuta entre gerações.
Na preparação do Sínodo, os jovens sentiram-se muito livres para expressar as suas aspirações e para dizer o que pensam da Igreja, colocando em cima da mesa inúmeros problemas relacionados com a comunicação, a linguagem, a credibilidade ou a inclusão das diferenças.
2 – Quais as grandes inquietações dos jovens a que o Sínodo não poderá deixar de dar resposta?
O que está em jogo no Sínodo vai muito além da tentativa de reverter a tendência de esvaziamento progressivo de igrejas, comunidades, seminários e noviciados. Através deste processo, a Igreja projecta-se para o futuro que lhe vem ao encontro nos milhões de jovens que procuram encontrar o caminho para a sua própria realização, num mundo que se debate com as mudanças antropológicas produzidas pelos novos media e nas quais as tendências globais se entrelaçam com as culturas locais. Neste contexto, parece-me que existem, acima de tudo, três questões essenciais sobre as quais os padres sinodais serão chamados a refletir, propondo à Igreja medidas de ação.
Antes de mais, há um problema de comunicação entre a Igreja e o mundo da juventude. Dizem-no os jovens, mas, ainda mais eloquentemente, dizem-no as próprias conferências episcopais, que nos questionários declaram muitas vezes não conhecer ou compreender alguns traços caraterísticos do mundo juvenil. Muitas vezes têm medo deles, em particular quanto à difusão dos media digitais e à cultura global da qual são portadores. Como resultado desta dificuldade de comunicação, os jovens distanciam-se da Igreja, ainda que sejam portadores de uma autêntica sensibilidade e de questões espirituais.
Um segundo problema é o da falta de uma cultura do acompanhamento. Os jovens manifestam com insistência a necessidade de apoio e proximidade por parte de figuras de referência ao longo do seu processo de desenvolvimento até à maturidade. Isto num mundo que se está a tornar cada vez mais complexo, marcado pela incerteza e precariedade, tornando cada escolha extremamente cansativa. Para realizar esta tarefa, os jovens procuram ajuda. Mas há uma condição: que essa ajuda não seja um disfarce para uma atitude paternalista ou para tentativas de manipulação e controle. O desejo de serem ouvidos tem que ser sincero. É necessário evitar tratar os jovens como um “objetos” de estudo, aos quais serão depois aplicadas conclusões, alcançadas sem pedir a sua opinião. Os jovens devem ser considerados “sujeitos ativos” na construção da própria vida, bem como no trabalho de evangelização da Igreja.
Um terceiro problema tem a ver com a necessidade de promover uma Igreja relacional. A falta de confiança nas instituições é, sem dúvida, uma das caraterísticas da cultura contemporânea. Isto acontece de um modo particular na cultura juvenil, o que não pode deixar de questionar a Igreja. A estrutura institucional da Igreja tem na confiança um dos pilares da sua ação. Se este pilar não assentar na capacidade de construir relações interpessoais autênticas, o esforço da Igreja se aproximar dos jovens regressará para ela como um boomerang. É uma dimensão concreta que, para a mentalidade dos jovens, é mais credível do que qualquer argumentação teórica.
Sem a capacidade de construir relações interpessoais autênticas, o esforço da Igreja se aproximar dos jovens regressará para ela como um boomerang.
3 – A crise de confiança na Igreja causada pelo escândalo dos abusos sexuais afectou a confiança dos jovens na Igreja.. De que conversão necessita a Igreja para que os jovens confiem nela?
Os três problemas de que falei estão todos, de um modo ou de outro, ligados ao tema da efectiva credibilidade e coerência dos homens e mulheres da Igreja, e das instituições na qual está estruturada. O peso dos escândalos (sexuais, mas também económicos) é enorme e a suas consequências, na relação de confiança entre a Igreja e os jovens, são muitas vezes catastróficas. Mas eu diria que ainda mais crucial é a gratuidade do anúncio: os jovens são particularmente sensíveis às tentativas de exploração pelos adultos e tendem a afastar-se quando percebem que o interesse que há neles não é genuíno, mas motivado por uma lógica de autoconservação institucional.
O mais crucial[para a credibilidade da Igreja] é a gratuidade do anúncio.
4 – No documento de trabalho (instrumentum laboris) refere-se a autoridade como a capacidade de “fazer crescer”, como um serviço ao desenvolvimento da liberdade. “Exercitar a autoridade passa a significar assumir a responsabilidade de um serviço para o desenvolvimento e para o desencadeamento da liberdade, não um controlo que corta as asas e mantém as pessoas acorrentadas.” O Sínodo pode ajudar ao processo de conversão da Igreja, afastando-a da tentação do clericalismo?
Este é realmente um ponto-chave. Ser verdadeiramente credíveis significa assumir o risco de deixar a própria posição, permitindo a quem é acompanhado aceder àquela originalidade que o Criador lhe deu, em vez de replicar passivamente um modelo. Afinal, a abertura à liberdade e à originalidade é o convite que a dinâmica sinodal dirige a toda a comunidade eclesial. Com grande clareza, uma Conferência Episcopal declarou, durante a consulta pré-sinodal, que «os jovens pedem à Igreja uma mudança monumental de atitude, orientação e prática». Eles pedem que ela seja mais autêntica, mais relacional, mais comprometida com a justiça. Esta é a direcção dos caminhos da «conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão» (Evangelii Gaudium, 25), que a Assembleia sinodal é chamada a identificar e relançar a toda a Igreja.
A abertura à liberdade e à originalidade é o convite que a dinâmica sinodal dirige a toda a comunidade eclesial.
5 – Até que ponto o estilo sinodal proposto pelo Papa Francisco deve ser entendido como um reflexo do estilo de Igreja que mostrou desejar na primeira Exortação Apostólica Evangelii Gaudium?
Este é o desejo do Papa Francisco, que o expressou claramente na recente Constituição Apostólica Episcopalis communio, aliás em plena sintonia com o Concílio Vaticano II: fazer da sinodalidade um processo e um estilo que envolve toda a Igreja, começando sem dúvida por estas importantes assembleias de bispos e especialistas de todo o mundo. De um evento, o Sínodo está a transformar-se num processo, longo e articulado, seguindo um estilo inspirado na cultura do “caminhar juntos”. Se o Sínodo permanece oficialmente “dos Bispos”, precisamente por causa do seu papel como pastores, não pode senão tornar-se um processo que envolve toda a Igreja. A evolução ainda não está terminada: houve grandes mudanças em termos de preparação, mas o formato da Assembleia de Outubro permanece em geral tradicional e a fase pós-sinodal estás toda ela por inventar. Em qualquer caso, o rumo a seguir é muito claro e é resumido na expressão do Papa Francisco já bem conhecida, contida precisamente na Evangelii gaudium: “Dar prioridade ao tempo é ocupar-se mais com iniciar processos do que possuir espaços”. Para Francisco, iniciar processos é bem mais importante do que alcançar resultados imediatos.
Foto de Capa: P. Giancomo Costa e Papa Francisco. Fonte: https://jsn.gesuiti.it/padre-giacomo-costa-nominato-segretario-speciale-del-sinodo-dei-vescovi/
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.