Oficina de Advento: Re-imaginar as nuvens

O contraste entre “o bom dia de Deus”, de que fala a mensagem dos Bispos para o Advento e as “nuvens” que nos espreitam está presente nas três pequenas peças musicais, de sabor mais infantil, que evocam três modos de encarar a “chuva".

O contraste entre “o bom dia de Deus”, de que fala a mensagem dos Bispos para o Advento e as “nuvens” que nos espreitam está presente nas três pequenas peças musicais, de sabor mais infantil, que evocam três modos de encarar a “chuva".

Bom dia!

Espero que esteja muito bem!

Hoje venho propor um comentário musical à Mensagem da Conferência Episcopal Portuguesa para este tempo de advento. Decidi partir do contraste entre “o bom dia de Deus”, de que fala a carta, e as “nuvens” que nos espreitam (nesta espécie de inverno sobre inverno que estamos a viver), para compor três pequenas peças musicais, de sabor mais infantil, que evocam três modos de encarar a “chuva” – talvez um pouco inesperados, quem sabe. Para acompanhá-las, desafiei a Mafalda a fazer ilustrações digitais em diálogo com as músicas. Espero que a música e as imagens bastem para falar à sua imaginação.

(“O chefe sugere” que experimente ver e ouvir os pequenos vídeos primeiro, para que a sua imaginação possa agir livremente. Depois, se tiver curiosidade, poderá ler a meia dúzia de parágrafos que escrevemos para enquadrar um pouco a ideia.)

Quadro I

 

Quadro II

 

Quadro III

 

Rorate caeli desuper,
Et nubes pluant iustum.

Ó céus, fazei descer do alto
E as nuvens chovam o justo.

Estes dois versos de Isaías (45,8)  estão na base de diversos hinos de advento. Aliás, algumas missas deste tempo litúrgico eram também conhecidas como missas Rorate por causa da força dessas palavras, cantadas no começo da celebração, que sintetizam as esperanças que giram em torno do Natal.

São várias as coisas que me tocam, nestes dois versos: toca-me

o modo como é capaz de transformar as nuvens em poema; toca-me a sua força cinematográfica que, mesmo com grande economia de palavras, é capaz de nos fazer ver o desejo de quem implora, a arquitectura do céu, e um corpo flutuante a resumir a distância do longe ao perto; toca-me a ambivalência da chuva, que tanto fala de lágrimas por justiça, como de uma esperança mística e ecológica.

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O gosto que tenho por eles tem também uma razão biográfica: sempre tive um fascínio por nuvens e por chuva. Não sei mesmo dizer quantos rolos fotográficos terei arruinado, em miúdo, na tentativa de caçar a luz dos relâmpagos da janela do quarto, em finais de tarde de Inverno. Mas percebo que as nuvens suscitam emoções contrastantes. Para uns, ligados à terra, as nuvens falam de irrigação e fertilidade; para outros, falam de desconforto e de estragos. Há quem trema de medo ao ouvir trovões, há quem deprima ao ver cinzentos. Noutros climas, as crianças deliram com a possibilidade de jogar à chuva. E, para quem esteve preso durante muitos anos, diz-se, poder estar finalmente à chuva é como redescobrir a bênção da liberdade e dos recomeços.

O texto da Conferência Episcopal Portuguesa para o advento tem sabor a Rorate. É poético e imaginativo na forma, profético na intenção, e também ele fala de uma relação nova com as nuvens que temos pela frente. Perante este contexto nebuloso, vivido à escala global, a notícia de um bom dia não podia ser mais urgente. Mas, lá está, como lidamos com as nuvens? Como podem chover-nos o Justo? Como pode a chuva rimar com bom dia?

Tendo esse texto nas mãos e aqueles versos de Isaías em mente, procurei apresentar três pequeninas peças musicais que pudessem ajudar a re-imaginar a nossa relação com as nuvens. A ideia é convidar o ouvinte a entrar naquele jogo divertido que fazíamos em tardes de Outono: “O que vês naquela nuvem? Faz-te lembrar o quê?”. Cada peça recorre à imaginação para conduzir a um cenário diferente, com uma postura própria em relação à chuva.

Pensadas para coros juvenis, as músicas apresentam três quadros distintos: um índio norte-americano que dança para pedir chuva; uma mãe que embala o filho numa noite de inverno; uma criança que quer brincar à chuva. Os contrastes entre elas falam das reacções diversas que as nuvens provocam em nós, ao mesmo tempo que traçam um percurso (não-linear) de descoberta e reinterpretação não só das nuvens, mas da vida. Por outro lado, é possível que elas ajudem a intuir que, sem imaginação, é difícil ver os céus rasgando-se para nos cumprir promessas, ou guardar uma esperança resiliente em tempos de pandemia, ou olhar o nosso vizinho e adivinhar nele a presença do Reino de Deus, ou crescer até chegar a ser criança.

Nesta lógica de compor música para imaginar, pareceu-me bem pedir à Mafalda que fizesse três ilustrações. Como se não bastasse, pensei que seria muito engraçado fazer-lhe uma pergunta para ajudar a “ler” as imagens que criou. Eis a minha pergunta e a sua resposta.

Rui:

Mafalda, como é que aquelas músicas te levaram às ilustrações que fizeste? O que é que te guiou?

Mafalda:

Rui, desafiaste-me para encontrar uma expressão visual nas tuas composições, dando-me também a mim, a oportunidade de olhar para as nuvens. Curiosamente, reparei que, tal como este comentário musical à carta da Conferência Episcopal Portuguesa se divide em três ambientes e formas diferentes, também a leitura meteorológica das nuvens se divide em três grandes categorias (Cirrus, Stratus e Cumulus), segundo Luke Howard (apelidado como o “homem que deu nome às nuvens”). Cada uma das categorias mostra-nos diferentes “arquitecturas do céu” (expressão roubada ao Rui), uma pontua-o, toca-o de ligeiro, outra cobre-o como um manto, outra retalha-o com formas cheias e definidas.

Havendo, em cada uma destas composições, uma afinidade com uma destas categorias, comecei por explorar diferentes colagens digitais com exemplos destas paisagens aéreas. Não quis apenas criar composições de nuvens, queria que estas tivessem uma relação com a experiência terrena de quem olha cá de baixo (e nunca deixa de olhar para cima). Quis ligar estas ilustrações com as “as crianças [que] deliram com a possibilidade de jogar à chuva”, com o homem que teme a escuridão do céu, e por isso, dei-lhes a qualidade de “pergaminhos” – de papéis carregados na algibeira de um bibe, na lista de compras, no porta-luvas de um carro. Papéis com excesso de uso, dobrados e gastos – constantes lembretes para olhar as nuvens, ou pequenos refúgios imagéticos a olhar quando já é de noite.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.