Obrigado Senhor pelo Papa

Durante este tempo de sede vacante (e do Conclave) talvez seja isto a que somos chamados: reconhecer que Deus é misericordioso. Não se cansa de oferecer-Se ao Seu Povo. Este é o tempo de agradecer o dom do pontificado e da vida de Francisco

Durante este tempo de sede vacante (e do Conclave) talvez seja isto a que somos chamados: reconhecer que Deus é misericordioso. Não se cansa de oferecer-Se ao Seu Povo. Este é o tempo de agradecer o dom do pontificado e da vida de Francisco

Viver em Roma é uma verdadeira graça. Mas essa graça tornou-se para mim especialmente evidente com a morte do Papa Francisco. Muito mais do que “presenciar um momento histórico”, o Senhor concedeu-me a possibilidade de me despedir em pessoa do Papa. A graça de, juntamente com milhares de pessoas, chorar e agradecer uma última vez o facto de me ter mostrado Deus e de me ter anunciado o Seu Amor.

«Pode-se sempre dar um passo em frente, ao pedir insistentemente a consolação» (Discurso à CG 36). Mais do que uma vez, o Papa insistiu que devemos pedir a Deus o dom da consolação, e que essa oração de súplica é «o principal serviço à alegria». Peçamo-la incessantemente! Esta é um dos sinais mais claros da ação de Deus. Mas, nestes dias, dei-me conta que uma das coisas que o Papa Francisco me ajudou a aprender foi que, na relação com Deus, não devemos confundir o dom com Aquele que o dá. Não podemos confundir essa consolação com o Senhor que a dá gratuitamente – pois correríamos o risco (e corremos) de não O reconhecer quando o momento é escuro, nebuloso, desolador ou apenas desconhecido. O nome de Deus não é paz, consolação, coragem, perseverança. O nome de Deus é Misericórdia. Enquanto que a paz, a consolação, a coragem e a perseverança nós as podemos procurar com os nossos próprios meios e oferecê-las a nós mesmos – ainda que sempre de modo imperfeito e, tantas vezes, com os meios errados -, a Misericórdia não pode ser alcançada com as minhas próprias mãos. Vem gratuitamente do Céu e eu só a posso acolher.

Durante este tempo de sede vacante (e do Conclave que virá), talvez seja isto a que somos chamados: reconhecer que Deus é misericordioso (e não se cansa de perdoar). Não se cansa de oferecer-Se ao Seu Povo. Por isso, não façamos de cada dom divino algo à nossa imagem e semelhança. Este é o tempo de agradecer a Deus o dom do pontificado e da vida de Francisco – e, desde já, agradecer com generosa liberdade o novo Papa que o Senhor nos oferecerá.

Com a assertividade que lhe é própria, o Manuel Fúria notava como corremos o risco de que, agora que morreu, tudo o que se escreva sobre o Papa Francisco não seja, na verdade, sobre o Papa Francisco. Que o sumo pontífice seja só um espelho. Seja apenas o reflexo das nossas ideologias, sentimentos e, aquilo que mais tememos, o nosso vazio existencial. Que o façamos à nossa imagem e semelhança. Tendemos a remeter para o silêncio o Francisco que não nos agrada ou até o que nele era limite. Talvez seja a consciência desses limites que gerasse a sua profunda confiança em Deus, e que o levava a falar da Misericórdia com tanta propriedade.

Este é o tempo de agradecer ao Senhor o verdadeiro pai na fé que Francisco foi para nós. É o tempo de reconhecer que, tal como o foram os papas anteriores, também aquele que virá eleito será um dom para a Igreja.

O Papa foi um grande dom para a Igreja (como o foram os Papas anteriores), e ainda o é, a rezar por nós com a corte celestial. Viver em Roma ajudou-me a perceber que Francisco era um homem com os seus limites e que o nome de Francisco não apagou Jorge Mario Bergoglio, com tudo o que isso acarreta.

Assim, agora não se trata de saber se “devemos meter uma medalha ou dar uma nota a Francisco, mas se vamos aprender de eventuais críticas e erros”, como afirmou o P. Arturo Sosa. Não se trata de escrever grandes tratados de como gostaríamos que fosse ou não fosse o sucessor de Francisco. Este é o tempo de agradecer ao Senhor o verdadeiro pai na fé que Francisco foi para nós. É o tempo de reconhecer que, tal como o foram os papas anteriores, também aquele que virá eleito será um dom para a Igreja.

O Papa Francisco sempre nos pediu que rezássemos por ele. Agora é a nossa vez.

“Querido Papa Francisco, agora pedimos-vos que rezeis por nós e que, do céu, abençoeis a Igreja, abençoeis Roma, abençoeis o mundo inteiro, como fizestes no domingo passado, do balcão central desta Basílica, num último abraço a todo o povo de Deus, mas também, idealmente, à humanidade que procura a verdade de coração sincero e segura bem alto a chama da esperança” (Da homilia do funeral do Papa Francisco)

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.