1. Como mel para a boca
Zion é a tradução inglesa de “Sião”. Sião, na Bíblia, designa a cidade de Jerusalém, a sua população e também o conjunto do povo eleito. A palavra evoca a bênção divina, a Terra Prometida, esse lugar tão celebrado e desejado em muitos Salmos e Cânticos do Antigo Testamento.
De onde vem, então, esse Lion in Zion, cuja força – cantada por Bob Marley – deve ser um modelo para nós? A resposta está no texto bíblico. Antes, porém, ouça a legendária canção do Jamaicano.
2. Um texto bíblico
Jacob mandou vir os seus filhos e disse: «Reuni-vos, pois quero revelar-vos o que vos acontecerá no futuro.
Ajuntai-vos para escutar, filhos de Jacob, para escutar Israel, vosso pai.
A ti, Judá, teus irmãos te louvarão.
A tua mão fará curvar o pescoço dos teus inimigos.
Os filhos de teu pai inclinar-se-ão diante de ti!
Tu és um leãozinho, Judá,
quando regressas, ó meu filho, com a tua presa!
Ele deita-se. É o repouso do leão e da leoa;
quem ousará despertá-lo?
O ceptro não escapará a Judá,
nem o bastão de comando à sua descendência,
até que venha aquele a quem pertence o comando
e ao qual obedecerão os povos.
Génesis 49, 1-2.8-10
Então, um dos anciãos disse-me: «Não chores. Porque venceu o Leão da tribo de Judá, o rebento da dinastia de David; Ele abrirá o livro e os seus sete selos.»
Depois olhei e vi no meio do trono e dos quatro seres viventes e no meio dos anciãos, um Cordeiro. Estava de pé, mas parecia ter sido imolado.
Apocalipse 5, 5-6
3. O esclarecimento
| Para ter a certeza de que não perdeu nada, vamos rever o jogo: |
Primeira parte : o leão no Livro do Génesis
No excerto do Livro do Génesis (o primeiro livro da Bíblia), eis o que encontramos:
- ·Jacob reúne os seus filhos, 12 no total. Depois do combate com Deus, Jacob recebe um outro nome: Israel (que quer dizer “Deus é forte”). Por isso é que se fala dos “12 filhos de Jacob” e das “12 tribos de Israel”.
- Jacob-Israel profetiza então aos seus 12 filhos o destino das respetivas tribos.
- De entre os seus filhos, Jacob especifica Judá, comparando-o a um leão, e atribui-lhe um estatuto real: ele receberá o cetro, o bastão de comando e a obediência dos povos.
A imagem do leão associada à realeza teve uma incrível posteridade. Sem este texto do Génesis, poderíamos ter sido privados do nosso Walt Disney preferido (O Rei Leão) e de um reggae bem curtido («Iron like a lion in Zion»)!
É claro que o texto bíblico não explica tudo. Como sublinha, numa obra magistral*, Marc Girard – eminente colaborador do site La Bible en ses Traditions – o leão tem muitos aspetos que simbolizam a realeza:
“Para além da força muscular, três aspetos observáveis podem ter influenciado esta correlação: a juba, semelhante a uma coroa; a tranquilidade do macho, que, serenamente deitado, espera que lhe tragam o fruto da caça; e o seu papel de guarda, protetor da coletividade.”
*Marc Girard, Symboles bibliques, langage universel: Pour une théologie des deux Testaments ancrée dans les sciences humaines, Mediaspaul Canada Editions, Montreal, 2016
Segunda parte: o leão no Apocalipse
O nosso segundo texto, do Livro do Apocalipse (último livro da Bíblia) relata uma visão celestial e revela o final dos tempos:
- Evoca o “leão da tribo de Judá, o rebento da dinastia de David”. O território da tribo de Judá engloba particularmente Belém, onde nasceram o rei David e Jesus. David foi o maior rei da história do povo de Israel e é um dos antepassados de Jesus. Jesus é então identificado com este rei tão esperado da tribo de Judá, a partir da profecia de Jacob-Israel (no nosso primeiro texto).
- Imediatamente depois, este mesmo leão é identificado com o cordeiro! Imolado, este cordeiro remete para a Ceia Pascal, centrada num cordeiro morto para aquela ocasião. Este cordeiro simboliza o sacrifício de Jesus, “Cordeiro de Deus”, imolado na cruz precisamente durante a Páscoa.
Assim, numa aliança de palavras tão maravilhosa como desconcertante, o autor do Apocalipse refere-se a Cristo Ressuscitado com dois títulos consecutivos: “o leão da tribo de Judá […], o cordeiro imolado” (Ap 5,5-6).
Este duplo simbolismo concentra o paradoxo da vida de Jesus, ao mesmo tempo:
- Leão, pela sua força, poder e singular autoridade
- E cordeiro, pelo sacrifício voluntário que faz da sua vida.
Assim se desenha um modelo de vida humana em que a força e o domínio do leão devem fundir-se com a mansidão e submissão do cordeiro.
4. E ainda uma palavra final…
Resumamos a aliança do cordeiro e do leão com algumas linhas de Alphonse Gratry, numa época em que a exegese era também poesia:
“Mas, o que é a mansidão? É a plenitude da força!
Sabeis, um raio, é uma força brutal, que ruge e rasga, que atravessa um homem, uma árvore! Pobre força! A verdadeira força é esta mansidão que sustém o nosso globo e todos os astros, sem que nos demos conta.
Aquele que tem na alma, pela presença de Deus, esta força inteira, esta força mansa, esse, apenas esse, pode erguer a terra e possuí-la.”
Alphonse Gratry,
Commentaire sur l’Évangile selon saint Matthieu,
Charles Douniol, J. Lecoffre (et alii), Paris,1863.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
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