As breves reflexões que se seguem brotam da leitura do artigo “Por que a Amazónia merece um Sínodo”, da autoria dos dois Secretários Especiais do Sínodo para a Amazónia: o dominicano espanhol D. David Martínez de Aguirre, Vigário Apostólico de Puerto Maldonado, na Amazónia peruana, e o P. Michael Czerny, jesuíta do Canadá, Subsecretário na Secção Migrantes e Refugiados da Santa Sé e que será criado cardeal no Consistório do próximo dia 5.
A partir do tema geral do Sínodo “Amazónia: Novos Caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral”, os autores do artigo colocam três questões de grande relevância: “Por que é a Amazónia tão importante a ponto de lhe ser dedicado um Sínodo? O que é a «ecologia integral» e quais poderiam ser esses «novos caminhos» para a Igreja? Por fim, em que consiste de facto um Sínodo?”.
Depois de todo o foco noticioso colocado na gigantesca onda de incêndios que tem devastado enormes parcelas da Amazónia nas últimas semanas, abstenho-me de continuar a insistir na importância desta região para o ecossistema e o clima do planeta. Contudo, não posso deixar de pasmar perante as afirmações de alguns atores na arena política internacional, como é o caso de alguém com a responsabilidade do Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, que afirmou há poucos dias em Washington: “Existe mudança climática? Sim, sempre houve. É devido à ação humana? Não está claro. É catastrófico? Parece que não”.
A ecologia integral inclui claramente, pois, tanto “as dimensões humanas e sociais” como as “naturais e económicas”. Francisco concebe-a como inseparavelmente associada à noção de bem comum (LS 156-158), que é central na ética social de matriz católica, e também ao conceito mais recentemente articulado de justiça intergeracional (LS 159-162)
Talvez não seja assim tão evidente para todos, contudo, a importância da Amazónia, e deste Sínodo em particular, para a Igreja Católica. Antes de mais, reside aqui uma oportunidade única para aprofundar e concretizar o conceito de “ecologia integral” proposto pelo Papa Francisco na encíclica Laudato si’ (LS), conceito que “serve tanto de guia como de objetivo do Sínodo”. A novidade desta abordagem em relação a outras perspetivas ecológicas precedentes reside em associar estreitamente o “clamor da terra” e o “clamor dos pobres”. A ecologia integral inclui claramente, pois, tanto “as dimensões humanas e sociais” como as “naturais e económicas”. Francisco concebe-a como inseparavelmente associada à noção de bem comum (LS 156-158), que é central na ética social de matriz católica, e também ao conceito mais recentemente articulado de justiça intergeracional (LS 159-162). O Papa apela assim em favor de uma nova atitude em simultâneo para com o ambiente natural e o ambiente humano e social.
Não se pense, porém, e ao contrário de algumas críticas injustas que na minha opinião têm circulado, que o Sínodo seja apenas uma resposta em estilo ONG à grave crise ecológica que assola o planeta e, em particular, a região amazónica. Este Sínodo tem antes como ponto de partida os povos amazónicos, ou, em linguagem eclesial, o Povo de Deus que está na Amazónia. O amplo processo de consultas pré-sinodais realizado um pouco por toda a região amazónica é bem prova disso e o Instrumentum Laboris(IL) que daí resultou o seu fruto mais evidente. Com este Sínodo, a Igreja nos nove países amazónicos busca avançar na compreensão de como pode acompanhar e servir melhor esses povos, a quem foi enviada desde há séculos a anunciar o tesouro do Evangelho, ainda que no meio de muitas infidelidades à sua essência de espelho do amor redentor de Cristo.
Mas a Igreja na Amazónia procura também aprender desses povos novas sendas para a sua caminhada na história, novos caminhos que a guiem para “ser não para si mesma, mas para as pessoas, envolvendo-as ativamente enquanto Povo de Deus”. Augura-se que a ampla participação que foi fomentada em todo o processo de preparação do Sínodo, e que se espera possa continuar e fortalecer-se quando chegar o tempo da sua implementação, ajude antes de tudo a Igreja a adquirir um rosto mais amazónico. O processo de discernimento que foi desencadeado e que terá o seu ponto alto nos dias da realização do Sínodo abordará necessariamente, pois, os temas de “uma estrutura eclesial e estatutos apropriados para os seus específicos requisitos pastorais”, do aprofundamento do “processo de inculturação”, do “dar prioridade ao protagonismo da comunidade indígena evangelizada” e o dos “ministérios e serviços nas comunidades” que permitam “assegurar a presença dos sacramentos em cada comunidade”.
Esses novos caminhos terão, porém, um alcance mais universal. O artigo que tomamos como inspiração sustenta que a prática dos vários Sínodos realizados durante o atual pontificado tem conduzido “os Sínodos para virem a ser algo de mais rico do que simplesmente «bispos que caminham juntos». Cada vez mais, os Sínodos estão a tornar-se encontros de todo o Povo de Deus na Igreja”. Algumas medidas práticas têm vindo a encorajar esse carácter mais inclusivo dos Sínodos, desde “a instituição de inquéritos na fase preparatória” até ao “aumento do número e da variedade de participantes para representar diversos aspetos da questão”. Procura-se, assim, que a colegialidade tão cara ao espírito de renovação eclesial lançado pelo Concílio Vaticano II se articule e enriqueça “através da prática da sinodalidade a todos os níveis”. Assume aqui papel de extrema relevância o desenvolvimento da capacidade de escuta: escuta uns dos outros, escuta de Deus que me fala também através dos outros. Nas palavras do Papa Francisco: “Uma Igreja sinodal é uma Igreja da escuta, ciente de que escutar «é mais do que ouvir». É uma escuta recíproca, onde cada um tem algo a aprender. Povo fiel, Colégio episcopal, Bispo de Roma: cada um à escuta dos outros; e todos à escuta do Espírito Santo, o «Espírito da verdade» (Jo 14, 17), para conhecer aquilo que Ele «diz às Igrejas» (Ap 2, 7)” (Discurso na comemoração do cinquentenário da instituição do Sínodo dos Bispos, 17/X/2015).
Como dizem os dois Secretários Especiais, “a escuta recíproca, o acolhimento, o diálogo, o discernimento comum, o consenso para identificar os caminhos que Deus nos traça como Igreja, o povo de Deus, são elementos fundamentais para «uma Igreja chamada a ser cada vez mais sinodal» (IL 5)”. Residirá talvez aqui o principal contributo que o Sínodo para a Amazónia tem a dar à Igreja universal.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.