O caso concreto de uma freguesia rural do “outro Algarve”

Cachopo, freguesia rural do interior algarvio, é um vasto campo de missão evangelizadora, onde se privilegia a atenção à população idosa e envelhecida (80%), não raras vezes exposta à solidão e indiferença. Albino Martins conta-nos como.

Cachopo, freguesia rural do interior algarvio, é um vasto campo de missão evangelizadora, onde se privilegia a atenção à população idosa e envelhecida (80%), não raras vezes exposta à solidão e indiferença. Albino Martins conta-nos como.

Toda a essência da vida cristã não está apenas no dizer e nem sequer no confessar Jesus Cristo por palavras, mas está no fazer, isto é, no praticar o amor concreto aos pobres, aos desfavorecidos, aos que vivem sós como proclamou, ensinou e viveu o Senhor. A Igreja é servidora dos pobres. A Evangelização aos mais desfavorecidos, vulneráveis e excluídos da sociedade constitui uma prioridade da missão da Igreja.

Cachopo, freguesia rural e do interior do Algarve, é um vasto campo de missão evangelizadora, onde se privilegia a atenção maior a uma grande parte da sua população mais idosa e envelhecida, não raras vezes exposta à solidão e indiferença, mesmo de alguns familiares. Também aqui se acentua uma profunda crise cultural, que atinge as famílias não apenas numa dimensão económica, mas também de proteção social, no cultivo de valores e na promoção da dignidade e defesa das próprias vidas. Mas esta realidade representa um enorme desafio na concretização de medidas que, inspiradas nos grandes princípios da Doutrina Social da Igreja, contribuam para novas mentalidades e para o desenvolvimento integral da população aqui residente.

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Cachopo I Fonte: http://www.e-cultura.pt/artigo/19303

As políticas sociais, a par de uma pesada e complexa burocracia, assim como a facilidade e sedução por uma vivência cultural de descarte e descomprometimento perante as fragilidades, ainda não privilegiam o desenvolvimento integral e pleno das gentes do interior, que carecem de estruturas básicas para a promoção e defesa da dignidade das suas vidas principalmente na saúde, na educação, na valorização de trabalho para quem deseja constituir família e permanecer na sua terra.

É urgente que se valorize e se desperte para a realidade de sermos, assumirmos e de vivermos, sem timidez e vergonha, uma comunidade de pessoas com identidade. A nossa é a cristã. Por isso, é urgente despertarmos a partir da iluminação da vida pelo Evangelho para o acolhimento sem medida, para a partilha de bens, para a promoção dos direitos sociais dos cidadãos, na erradicação da pobreza, na promoção da inclusão social, no apoio a famílias, crianças e jovens, no apoio à integração social, na educação e formação profissional, na proteção na velhice.

Temos que olhar a realidade e o contexto grave em que nos encontramos como aldeia do interior algarvio. Devemos continuamente fazer o diagnóstico dos problemas sociais dos habitantes da nossa freguesia (Cachopo, concelho de Tavira), evidenciando e atuando perante as necessidades emergentes, detetando e apoiando pessoas em solidão, idosos, doentes a passar dificuldades, os mais frágeis e vulneráveis.

Constantemente deve-se apelar à diaconia da caridade. Neste sentido, aos colaboradores da Instituição Social (Centro Paroquial) é feito o apelo a que estejam atentos e assim possam ajudar a detetar esses casos de carência que depois são discutidos, rezados e, na medida dos possíveis, ajudados. Para as soluções, a Paróquia de Cachopo e o seu Centro socorrem-se de parcerias com outras instituições sociais vizinhas e ainda, quando difíceis de solucionar e fora do nosso alcance, direciona-as para o Município de Tavira, a Segurança Social ou o Ministério da Saúde.

Uma sociedade que não ama nem respeita os seus mais velhos é uma sociedade desumanizada, sem alma, sem futuro. Nada do que nós desfrutamos chegou até nós por acaso.

Albino Martins

Detenho-me neste singelo testemunho numa população idosa (Cachopo, tem cerca de 80% de população idosa), apelando a uma oportuna mudança de atitude, valorizando a dignidade e as potencialidades dos anciãos. Há muita gente com idade avançada que é amada e acarinhada e, por isso mesmo, se sente feliz e útil, não pelo trabalho que ainda realiza, mas por ser uma presença congregadora no meio dos seus e uma referência enriquecedora para as gerações dos mais novos, quando estes a sabem apreciar e agradecer. No património de uma família, os mais idosos representam uma parte importante e valiosa para aqueles que ainda não deixaram subverter os verdadeiros valores da vida.

Uma sociedade que não ama nem respeita os seus mais velhos é uma sociedade desumanizada, sem alma, sem futuro. Nada do que nós desfrutamos chegou até nós por acaso. O que nos foi chegando e perdura é, frequentemente, mais fruto do trabalho, da dedicação, do amor, com muitos sacrifícios e lutas pelo meio, daqueles que nos precederam, que do nosso trabalho e engenho pessoal.

Saborear a alegria de viver, ainda que com as limitações que a idade impõe, não é possível sem se estar rodeado de um ambiente de amor e gratidão, de apreço e estima. Na reta final da vida, já muita coisa se dispensa, não porém o sentir-se amado e acarinhado.

As muitas iniciativas e soluções de apoio social que se vão multiplicando não podem dispensar a família da dívida nunca paga, que é a do amor aos seus pais e avós. O mesmo acontece com os muitos e dedicados voluntários, fiéis à sua visita aos doentes e aos idosos mais sós da comunidade.

Ao desafio do envelhecimento da população portuguesa há que responder com o slogan da gerontologia social: “Já que se alongam anos à vida, há que dar vida aos anos”. Para que tal aconteça é necessário criar uma mentalidade nova, uma postura diferente.

São belas as palavras que escutei de um octogenário: “O sol da tardinha é tão maravilhoso como o da manhã”. Os idosos têm o direito de ser felizes no entardecer da vida, pois foram, ao longo dela, servidores da comunidade: consumiram as suas energias em prol do progresso das terras onde viveram. Podem com razão dizer aos seus filhos: “Vós não seríeis o que agora sois, se eu não fosse o que hoje sou”.

Por isso, devem continuar os idosos, na medida do possível, a viver no seio das suas famílias, no calor das suas casas, ricas ou pobres que sejam, aquecidos pelo amor de seus filhos. Se por necessidade, forem acolhidos em Centros de Dia ou Lares da 3ª Idade, não sejam estas Instituições, simples dormitórios, mas sim respostas sociais onde funcione uma verdadeira terapia ocupacional que lhes proporcione atividades de ordem cultural, lúdicas, recreativas, desportivas, passeios, etc., adaptando inclusivamente, ideias experimentadas pelas universidades da 3ª idade. Outra possibilidade era criar parcerias, com estas instituições de ensino.

Ultimamente usa-se e abusa-se do termo “sinalizado”, na ação social. Não basta sinalizar, são necessárias respostas aos problemas concretos. Não podemos ficar indiferentes. Não basta sinalizar problemas, urge resolve-los.

Albino Martins

Os familiares que recorram a estes equipamentos visitem os seus idosos com frequência e nunca apressados. As suas manifestações de proximidade, afeto e ternura, são muito importantes. Desta forma conseguirão dar vida, ânimo e tornar felizes os que, com larga conta de anos, merecem viver os últimos, com dignidade, serenidade e coragem.

Por fim, um apelo: A fé desacomoda-nos e inquieta-nos! Temos de estar inquietos. Procuremos soluções para os dramas que conhecemos e que atingem todas as idades. Todos temos um papel importante a desenvolver. Promovamos os direitos dos quem vivem em situações pobreza. Há “humilhações” que não se podem manter. Todos têm direito à sua dignidade e a uma melhor qualidade de vida.

Acredito na necessidade de dar ainda mais visibilidade a estes problemas. Importa que a sociedade portuguesa faça um amplo debate. As estruturas existentes, Serviços Locais da Segurança Social, Instituições Particulares de Solidariedade Social e Redes Sociais Concelhias têm de desenvolver um amplo trabalho de prevenção de riscos e de procura de soluções para as situações degradantes em que vivem homens, mulheres e crianças no nosso país.

Ultimamente usa-se e abusa-se do termo “sinalizado”, na ação social. Não basta sinalizar, são necessárias respostas aos problemas concretos. Não podemos ficar indiferentes. Não basta sinalizar problemas, urge resolvê-los. O Estado (através dos seus serviços), a Igreja e outras entidades, têm que procurar responder, articulando respostas sectoriais (ação social, educação, saúde, habitação, formação profissional e emprego…) no sentido de dignificar o nosso semelhante mais fragilizado e dignificar a sua promoção humana velando pelo desenvolvimento integral do homem todo e de todo o homem.

Albino Martins 

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* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.