Nova Iorque é uma maquete

A Brotéria sugere, para esta semana, Pretend It’s a City: uma “série-conversa” entre Scorsese e a escritora Fran Lebowitz.

A Brotéria sugere, para esta semana, Pretend It’s a City: uma “série-conversa” entre Scorsese e a escritora Fran Lebowitz.

Pretend it’s a City é uma docussérie que replica o serão que se segue a um jantar de amigos em que, continuando à mesa ou passando para o sofá, nos lançamos a comentar o muito que se passa e o quase nada que acontece.

Martin Scorsese é o anfitrião de Fran Lebowitz – autora conhecida principalmente pelas suas cáusticas crónicas em contexto nova-iorquino – que, através de bem-humorados e provocadores aforismos, nos leva a pensar sobre a tessitura de uma cidade; a gentrificação, a arte, a obsessão pelo dinheiro, pela tecnologia, pela saúde, passando pelo trânsito, desporto e a nossa relação com os livros e com o mundo da cultura.

Mais que título desta série, Pretend it’s a City reflete apropriadamente o seu tom e sentido, pois é o desabrido comentário que Fran Lebowitz reserva para quem para no meio da rua para tirar uma selfie ou consultar um mapa. Estamos, assim, diante de um sardónico apelo a que ganhemos consciência das nossas ações, um exercício de denúncia dos nossos equívocos contemporâneos de uma forma inteligente e irónica, por vezes algo cínica, mas sem ceder ao ressentimento.

Filmando entre o exclusivo Players Club e as ruas de Nova Iorque, passando por uma enorme maquete da cidade, Scorsese deixa o verbo para a protagonista, mas a forma como ele oferece a cidade onde Fran se move, e os carris por onde a conversa circula, são a forma de se expressar. Scorsese permite-nos habitar o mesmo mundo, numa conversa-monólogo da qual todos nos sentimos cúmplices. E o mérito encontra-se na mestria da edição.

Esta série é uma porta mais do que um espelho; um convite a entrar na reflexão e não a encontrar o seu próprio reflexo. O que se procura não é consenso, mas sim uma boa conversa. Podemos argumentar que não se apresentam alternativas, que não se sonha uma outra realidade ou um outro mundo, mas esse não é o intuito. Num momento em que o receio de ofender sensibilidades é tão grande, este exercício de opinião pungente é uma lufada de ar fresco. E devemos estar agradecidos a Fran Lebowitz e a Martin Scorsese por nos proporcionarem esta oportunidade, principalmente quando todos estamos forçados a viver à distância: há uns quantos meses que não desfrutava de um serão destes, e Pretend It’s a City oferece-nos sete belíssimas ocasiões.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.

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