Nota: Este artigo baseia-se na catequese preparada para os jovens da Arquidiocese de Évora por ocasião da celebração do Dia Mundial da Juventude, que hoje se assinala. Em Évora esta celebração teve lugar no dia 25 de novembro. O tom coloquial do texto deve-se ao contexto para o qual foi escrito.
Na mensagem para a Jornada Mundial da Juventude que hoje celebramos, o Papa Francisco deixa-nos um desafio que pediu emprestado a São Paulo: sejamos alegres na esperança (Rm 12, 12). Talvez nos ajude saber que São Paulo não fez esse desafio aos cristãos de Roma num momento em que a sua vida era fácil. Antes pelo contrário, quando receberam a carta de São Paulo estes viviam um momento difícil, em que eram perseguidos por causa do seu compromisso com Jesus, por terem decido ser amigos de Jesus, por terem decidido ser seus discípulos.
Olhando à nossa volta, também podemos sentir e pensar que vivemos um momento difícil: guerras, medo do futuro com a ansiedade provocada pelas alterações climáticas, desigualdades e discriminações. A tudo isto podemos acrescentar os problemas de saúde mental de tantas amigas e de tantos amigos que conhecemos de perto.
Reconhecer estas dificuldades não nos impede de identificar tantos gestos de bondade, não nos impede de reconhecer a beleza das pessoas e do mundo, não nos impede, tal como faz o Papa, de recordar a explosão de luz e alegria que experimentámos na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) de Lisboa.
Ao dar estas dicas deixo-vos também um alerta: o Papa sabe (e nós também sabemos) que estas dicas não são palavras mágicas. São uma bússola que pode ficar gravada no nosso coração para que nunca percamos a direção da Esperança.
Será que esse momento já passou? Se tantos jovens se reúnem este fim de semana, em diversas partes do país, para viverem juntos esta jornada é porque há um desejo de que esse momento não nos tenha passado ao lado. Mas, afinal de contas, o que é que aprendemos com a JMJ? Como podemos encontrar a alegria verdadeira, a alegria que não morre? Como ser alegres na esperança?
Não tenho nem uma receita, nem um manual de instruções, mas posso partilhar convosco duas dicas do Papa Francisco. Ao dar estas dicas deixo-vos também um alerta: o Papa sabe (e nós também sabemos) que estas dicas não são palavras mágicas. São uma bússola que pode ficar gravada no nosso coração para que nunca percamos a direção da esperança. Esta bússola não é um destino, é uma orientação. Somos nós que temos que dar cada passo e ir percorrendo o caminho. Lembro-me de um verso de António Machado que aprendi aos 13 anos num campo de férias da minha paróquia: “Caminhante não há caminho, o caminho faz-se ao andar”
Não há nada de que não possamos falar com Ele. Nada! Nada! Nada! Alegrias, sonhos, medos, desilusões, zangas, paixões, família, amizades, projetos, sucessos, falhanços, pecados.
1ª dica – A esperança é alimentada pela oração
E como podemos rezar? Podemos rezar abrindo a bíblia, encontrando alguma passagem da vida de Jesus e falando com Ele como um amigo fala com outro amigo (cf Santo Inácio, Exercícios Espirituais, 54). O mais importante na oração é saber que Jesus nos ama, nos aceita totalmente tal como somos, não como gostaríamos de ser, como nos disse o Papa em Lisboa na cerimónia de acolhimento. Jesus confia em nós. Conta connosco. Não há nada de que não possamos falar com Ele. Nada! Nada! Nada! Alegrias, sonhos, medos, desilusões, zangas, paixões, família, amizades, projetos, sucessos, falhanços, pecados.
Na oração podemos descobrir o que o Papa Bento XVI nos ensinou e que o Papa Francisco nos recorda na sua mensagem: “é bom existir como pessoa humana mesmo em tempos difíceis. A fé faz-nos felizes a partir de dentro. “
Mas nem sempre é fácil olhar para dentro. Custa-nos lidar com o vazio que sentimos, com a solidão ou a tristeza. A oração é um encontro em que descobrimos que nunca estamos sozinhos. Podemos nesse encontro pedir a Jesus a Sua companhia, a Sua presença, a Sua paz.
Às vezes temos vergonha. Porque a noite de copos até foi divertida, foi ótimo estar com amigos e amigas. Mas nessa noite tão divertida também fizemos coisas de que no fundo, no fundo (ainda que custe reconhecê-lo) nos arrependemos. Coisas que achámos que iam preencher o nosso vazio, mas não o preencheram. Ou, então, sentimos vergonha porque passei a tarde com amigos ou amigas a gozar com um colega da escola, rimos muito, mas quando chegámos a casa e ficámos sozinhos não nos sentimos muito bem com o que fizemos.
Na oração, podemos experimentar aquilo que o Papa diz na Christus Vivit “não seremos santos nem completos copiando outros.” (CV 186). Se queres ser santo tens que ser tu próprio, falando com Jesus.
Nessa altura, talvez seja mais fácil pegar no telemóvel e tentar esquecer aquilo que fizemos, encher-se de ruídos que não nos deixam sentir a tristeza pela dor que causámos a outra pessoa. Ruídos que nos impedem de parar um pouco para conversar com Jesus.
Acredita e confia que Jesus não te vai dar um sermão. Ele conhece o nosso coração e sabe que ficámos tristes. E conhece também o nosso sincero desejo de sermos bons. Vai dizer-nos alguma coisa parecida ao que disse a Pedro, depois de Ele o ter negado, “eu confio em ti, podes tomar conta dos teus irmãos” (inspirado em Jo 21, 15-18). A cada um de nós talvez nos diga: “eu sei que amanhã podes ser melhor, vais dizer uma coisa simpática à pessoa com que gozaste e vais saber perdoar a alguém que goze contigo.” E pode também dizer-nos, sem nenhuma recriminação: “Eu sei que da próxima vez que saíres com os teus amigos e amigas te vais divertir sem usar ninguém ou deixar que alguém te use.” Se ouvirmos isto, talvez da próxima vez que chegarmos a casa, não peguemos logo no telemóvel, mas paremos um pouco para rezar e agradecer a Jesus a ajuda que Ele nos dá para sermos melhores.
Na oração podemos descobrir que a única coisa que Deus deseja é que sejamos nós próprios sem nenhuma maquilhagem, sem filtros nas fotografias, sem nos compararmos com ninguém, sem competirmos com ninguém. Cada um de nós pode ser o que é, à maneira de Jesus e de uma forma única e irrepetível. Na oração podemos experimentar aquilo que o Papa diz na Christus Vivit: “não seremos santos nem completos copiando outros.” (CV 186). Se queres ser santo tens que ser tu próprio, falando com Jesus. Não tenhas medo do que Deus te possa pedir na oração, porque como diz o Papa: “Ele respeita totalmente a tua liberdade.”
2ª dica – A esperança é alimentada pelas pequenas escolhas do dia-a-dia.
O Papa também já convidou os jovens a não ver a vida da varanda, e quando conversou com os universitários em Lisboa, durante a JMJ, disse-lhes “procurai e arriscai”. Um amigo de Jesus, um discípulo não tem medo do mundo, não foge do mundo, não condena os outros, acolhe.
O Papa dá um exemplo muito simples de como podemos escolher a esperança: é mais fácil partilhar notícias más do que notícias de esperança. Francisco convida-nos todos os dias a partilhar uma palavra de esperança. Às vezes também é mais fácil partilhar um vídeo em que alguém é gozado ou até mesmo agredido. Em universidades portuguesas já houve estudantes estrangeiros que sentiram necessidade de voltar ao seu país por terem sido vítimas de bullying.
Há muitas outras formas pelas quais podemos construir relações de esperança: em vez de pedir perdão por uma mensagem de WhatsApp e receber um “ok, tudo bem” na resposta, podemos pedir perdão olhos nos olhos. É mais difícil termos que ver nos olhos dos outros a dor que causámos, mas assim construímos relações de confiança que dão alento e esperança.
Em vez de ficar uma tarde de domingo agarrado ao telemóvel ou a um videojogo, podemos ir visitar a nossa avó ou avô, ou um vizinho que viva só. Podemos aproximarmo-nos dos que aparentemente sorriem, mas por dentro choram. Podemos dar-lhes tempo para conversar ou desabafar.
Faz hoje uma semana que morreu Sara Tavares. Numa das suas músicas inspiradas em São Paulo, ela diz “o que escolho fazer hoje vou vivê-lo amanhã.” Não podemos deixar a vida para mais tarde. Podemos achar, quando somos jovens, que a vida a sério ainda não começou. Mas a vida já começou.
Se nos fechamos em nós e nos nossos interesses, esse vazio vai aumentando, essa solidão torna-se insuportável, perdemos a alegria.
Queridas amigas e queridos amigos,
Nas tardes da JMJ sentimos sede muitas vezes. E ainda que gostemos de muitos refrigerantes, talvez tenhamos sentido que apenas a água nos tirava mesmo a sede.
Temos outras sedes. Todos temos sede de afeto (amor), sentido (esperança) e de segurança (fé/confiança). Essas sedes fazem-nos experimentar um vazio. Às vezes enganamo-nos quanto ao modo de saciar essas sedes, quanto ao modo de preencher este vazio.
Achamos que usando máscaras os outros vão gostar de nós. Noutras alturas, gostamos tanto de alguém e temos tanto medo que essa pessoa deixe de gostar de nós que tendemos a controlá-la, deixamos que o ciúme nos domine. Há números que nos devem inquietar: 65% dos jovens já sofreu alguma forma de violência no namoro e 50% acha aceitável controlar o/(a) namorado/(a). Isto não é amar como Jesus nos ama.
Talvez possamos achar que será a fama a trazer sentido à nossa vida. Mas já vimos tantas pessoas que viveram para a fama e acabaram desiludidas e sozinhas. Talvez possamos sentir que o dinheiro e o poder nos darão segurança, mas podemos ver como a busca do dinheiro, pelo dinheiro e do poder, pelo poder tornam o mundo mais violento.
É quando descobrimos Jesus vivo na nossa vida, na vida das nossas famílias, grupos de amigos e comunidades que descobrimos a alegria que não morre. É quando aprendemos a amar gratuitamente, a viver com os outros e para os outros e não contra os outros, é quando estabelecemos relações de confiança, não querendo controlar tudo ou tendo todas as respostas, é confiando que Jesus nunca nos abandona que podemos descobrir a verdadeira alegria.
Só quando estivermos totalmente com Deus é que podemos preencher totalmente o nosso vazio. Haverá sempre alguma solidão na nossa vida. Se nos fechamos em nós e nos nossos interesses esse vazio vai aumentando, essa solidão torna-se insuportável, perdemos a alegria. Mas se aprendemos pouco a pouco a viver gratuitamente e para o bem dos outros, vamos sendo cada vez mais alegres na esperança. Vamos sendo mais como Jesus.
Fotografia de Denise Jans – Unsplash
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.