As reflexões feitas nomeadamente pelas organizações não-governamentais de ambiente e por múltiplos especialistas mostram que apenas poderemos ter melhores dias para o planeta se houver uma mudança de paradigma no que respeita às necessidades e expectativas das populações. Até agora temos vivido numa sociedade onde impera o consumo como base da felicidade e da qualidade de vida. Mudarmos a nossa bússola mental de objetivos de crescimento para metas de suficiência não é, de forma alguma, fácil porque enraizámos um modelo de sociedade predador de recursos que não admite sequer equacionar ou assumir uma necessidade de redução e partilha indispensáveis para conciliarmos uma população crescente com a capacidade de renovação proporcionada pela natureza. É um facto que a natureza sobrevive sem nós, enquanto o contrário não é válido. Mas, mesmo assim, é difícil fazermos a mudança profunda individual e coletiva que é imprescindível quando estamos, em diversas áreas, a ultrapassar os pontos de rutura de várias partes do sistema terrestre.
Os cidadãos procuram o bem-estar social, económico e ambiental. O bem-estar económico, na forma de prosperidade para todos, começa nomeadamente na redistribuição dos cuidados de saúde. O bem-estar social, sinónimo de qualidade, traduz-se em serviços públicos inclusivos e a preços adequados, apostando na promoção da diversidade cultural e no cuidar da própria sociedade. O bem-estar ambiental reside em proporcionarmos um ambiente natural saudável que suporte a vida, proteja os solos, as águas, o ar, assegurando uma alimentação saudável e onde o impacte nas alterações climáticas seja minimizado.
Neste contexto, é fundamental aumentar a confiança das pessoas nas instituições e nas empresas, assegurando que os interesses comerciais e corporativos não ultrapassam o interesse público. É, assim, crucial não deixar ninguém para trás, vivendo tanto quanto possível dos recursos renováveis que geramos.
Um dos aspetos relevantes é o desenvolvimento de políticas e legislação que se concentrem em garantir a coerência das políticas para o desenvolvimento sustentável e na aplicação de padrões elevados de empregos, saúde, segurança e ambiente, proporcionando benefícios tangíveis a todos os cidadãos e a regeneração do capital ambiental. A coerência das políticas, como um objetivo chave, deverá promover a eliminação progressiva de subsídios públicos perversos, especialmente para produção de alimentos insustentáveis e combustíveis fósseis.
A economia circular é uma das prioridades do governo português e da União Europeia para as futuras décadas que é fundamental ser percebida e verdadeiramente aplicada. No fundo, não é nada mais do que conseguirmos garantir recursos suficientes para todos, num planeta que está sobre explorado, reintroduzindo os materiais o mais possível na cadeia de consumo, sem irmos buscar novos recursos, evitando também o desperdício. Para tal, é darmos uma verdadeira prioridade à redução de consumo, à reutilização, e depois à reciclagem, contrariando uma sociedade onde o importante para cada um é o ter e não o ser. A qualidade de vida tem de ter por palavra de ordem a suficiência, em vez de um consumismo desenfreado onde utilizamos cerca de 1,6 planetas, isto é, bem para além dos recursos regeneráveis que a capacidade do meio terrestre e marinho conseguem assegurar. Precisamos de promover uma transição rápida e eficaz para um modelo de economia circular, com envolvimento alargado do governo, agentes económicos e sociedade civil, em linha também com o importante e desafiante objetivo de tornar Portugal neutro em carbono em 2050.
É fundamental a prevenção da utilização de recursos (ecodesign), a possibilidade de reparação, reutilização, atualização, a facilidade de reciclagem dos diferentes recursos, o uso de fontes sustentáveis dos materiais (por exemplo, integração de material reciclado), ou ainda a remoção de substâncias perigosas.
Necessitamos também que a prevenção e a reutilização passem a desempenhar um papel central nos sistemas de gestão de produtos/bens e não apenas a reciclagem e onde há um potencial de criar centenas de milhares de empregos na União Europeia.
Mais ainda, só é possível uma economia circular com uma alteração de estilos de vida assentes em padrões de consumo significativamente diferentes dos atuais, com um foco na partilha em detrimento da posse, da suficiência em detrimento da acumulação.
No quadro do Acordo de Paris, a visão de longo prazo de, à escala do planeta, assegurar um balanço neutro de carbono entre os sumidouros e as emissões de gases resultantes das atividades humanas, irá pôr em causa todo o nosso paradigma económico e trará profundas modificações sociais e ambientais. Esse será um mundo com perto de 100% da energia proveniente de fontes renováveis, onde o uso dos recursos deverá ser 100% suficiente. É assim fundamental traçarmos um caminho para um futuro onde esses sejam os objetivos a atingir à escala nacional, europeia e planetária. O facto de Portugal ter assumido este objetivo para 2050 tem necessariamente de ser integrado como um dos eixos principais da sustentabilidade ambiental da sociedade, do Estado e das empresas, em conjugação com outras áreas e de forma integrada. Este enorme desafio que temos pela frente toca em áreas que vão desde o desenvolvimento tecnológico, a mudança de comportamentos, os objetivos de realização individual e coletiva, o ordenamento do território à dinâmica das cidades. O ensinamento das últimas décadas mostra-nos que nestas áreas as decisões têm um impacte que apenas se torna claramente visível no sistema, passados dez ou quinze anos da decisão política.
Olhar para uma sociedade carbono zero, zero resíduos, alicerçada em recursos renováveis, é um enorme desafio que tem de começar já, que merece um profundo planeamento, que deve ser flexível ao longo do tempo, e que acima de tudo deve merecer um grande consenso político e institucional, para além de necessidade de uma participação empenhada de todos os setores da sociedade, alicerçada também na contribuição de diversos técnicos. As empresas, no quadro da sua responsabilidade social e ambiental têm também agora uma missão urgente que se interliga com outras temáticas críticas como a economia circular. As universidades, as organizações não-governamentais são também pilares de ação relevantes.
Neste Dia Mundial do Ambiente, 5 de junho, abraçar esta visão é um primeiro passo para todos começarmos a refletir e a concretizar um futuro mais sustentável, essencial para salvaguardarmos o planeta e termos um país mais resiliente.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.