1. Inácio, o louco por Jesus:
reformar a vida, regressando à Vida de Jesus
Quem conheceu Inácio, logo desde os primeiros tempos da sua conversão, reconheceu o grande amor que tinha por Jesus. “Que era louco por Jesus”, disseram dele. Nos Exercícios Espirituais, o conhecimento íntimo de Jesus é a grande graça que se deseja e se pede.
Voltar à vida de Jesus, tal como os Evangelhos no-la apresentam. Não à ideia, não ao sentimento, mas à Vida inteira de Jesus, à Sua forma de vida, à força e ao Segredo da Sua vida.
“Quem quiser vir comigo há-de estar comigo, partilhar o que sou, fazer seu o que é meu, até a forma como visto e como como; trabalhará comigo de dia e vigiará comigo de noite, sem se lamentar do que lhe falta ou daquilo que os outros lhe dão ou não lhe dão; comungará o amor que me liga ao Pai e oferecer-se-á, sem “mas” nem “porquês”, pela vida dos irmãos, até à morte, se tal fosse necessário. Estando comigo na cruz, estará comigo na ressurreição”.
O imitar pobre e desconsiderado, sofredor e desprezado, só porque ele foi assim e quis viver assim, e, assim, alcançar a alegria mais perfeita, a alegria de ter o Senhor como único tesouro, a pedra mais preciosa.
Que o Senhor nos dê a graça do conhecimento íntimo de Jesus e da Sua vida; que nos dê a graça de contemplarmos e de comungarmos os segredos do Seu coração;
a graça de um amor perfeito que em nada fira gravemente a relação com o Senhor e com aqueles em quem Ele está presente, todos os irmãos, especialmente os mais pobres, os sofredores, os desprezados; que nos dê a graça de um amor ainda mais perfeito, que em nada fira, nem nas coisas mais pequenas, o laço de vida que nos une ao Senhor e aos irmãos;que nos dê a graça maior de um amor perfeitíssimo, aquele que deseja imitar o Senhor, por puro amor de O imitar pobre e desconsiderado, sofredor e desprezado, só porque ele foi assim e quis viver assim, e, assim, alcançar a alegria mais perfeita, a alegria de ter o Senhor como único tesouro, a pedra mais preciosa.
2. Inácio, o Peregrino:
partir, partir sempre, livres e alegres
Inácio falou de si como peregrino. A sua biografia é escrita com os pés, mesmo que, uma vez em Roma, a missão lhe pedisse que ficasse aí até à sua morte.
Partir, andar, sem parar, sem repousar, sem fazer ninho, sem se apropriar do caminho, sem acusar o custo dos fracassos e o peso das vitórias. Voltar a partir, de novo, sem saco nem duas túnicas. Porque ainda há Índias longínquas que não conhecem o Senhor e periferias próximas, sempre mais na margem de tudo; porque ainda há almas e vidas, tantas almas e tantas vidas, que não conhecem o amor que o Pai lhes tem; ainda há tanto sofrimento a aliviar, tanto abandono a consolar, tantas lágrimas a enxugar, tanto pecado por perdoar.
Só os livres partem, e viverão em partida, mesmo que nunca deixem o mesmo lugar em que sempre viveram. Felizes os que se conseguirão libertar, aqui e agora, do supérfluo, para viverem só do essencial.
Só os livres partem, e viverão em partida, mesmo que nunca deixem o mesmo lugar em que sempre viveram. Felizes os que se conseguirão libertar, aqui e agora, do supérfluo, para viverem só do essencial. Felizes os que deixarem coisas, lugares e pessoas por amor do Senhor: a sua pobreza e nudez será a sua riqueza, a causa da sua alegria. Mais felizes serão, ainda, os que deixarem o bem mais custoso de deixar e que mais prende, o amor de si mesmos. Porque enquanto não se abandonarem a si próprios não serão livres, porque enquanto não se esvaziarem de si não poderão ser preenchidos por outra riqueza.
Que o Senhor nos dê a graça da indiferença, a graça da liberdade, de não querermos nem desejarmos senão a bandeira do Senhor: pobreza com Cristo pobre, em vez de posse e de riqueza; desprezo com Cristo desprezado, em vez de estima do mundo que não pensa, nem sente, nem age segundo o Espírito Santo; humildade com Cristo humilde, em vez de orgulho e de auto-suficiência, sempre tão oca, tão insegura, tão ridícula, tão estéril.
Que o Senhor nos dê a liberdade diligente de querermos fazer nossa, já aqui, já agora, a vontade do Senhor, sem adiar para amanhã, sem desculpas pela nossa indolência e falta de coragem.
3. Inácio, o místico de olhos abertos e pés no chão:
discernir a vontade de Deus para nós, hoje
Inácio viveu na contínua procura da vontade de Deus. Pela própria exercitação, aprendeu a arte do discernimento.
Em tudo amar e servir a Sua divina Majestade, procurando sempre o mais necessário, o mais urgente, o mais universal.
O que quererá, o Senhor, de nós, hoje, aqui e agora? Quais são as necessidades deste tempo, como se realizará, hoje, o Evangelho, como se edificará a Igreja, no tempo que nos é dado viver?
Discernir é o exercício exigente de quem acredita que o Espírito Santo já está a agir na história e nas consciências e que ilumina e fortalece os discípulos de Jesus, para que, em cada tempo e lugar, possam realizar o Evangelho como palavra que salva a vida
Discernir é o exercício exigente de quem acredita que o Espírito Santo já está a agir na história e nas consciências e que ilumina e fortalece os discípulos de Jesus, para que, em cada tempo e lugar, possam realizar o Evangelho como palavra que salva a vida. Este é o tempo favorável, este é o tempo de salvação. Mas, num tempo cada vez mais plural e secularizado, o que quererá o Senhor de nós? Como levaremos a graça que salva a este tempo que é assim, às pessoas de hoje que são como são, que falam como falam, que sentem e vivem como sentem e como vivem. Quem são os Zaqueus de pequena estatura de hoje, e como lhe diremos que desejamos entrar em sua casa e sentar-nos à sua mesa? Quem são as mulheres e os homens de má vida de hoje, e como nos deixaremos tocar pelos seus beijos e pelas suas lágrimas? Quem são as adúlteras e os adúlteros de hoje, e como não os lapidaremos nas praças públicas com o arremesso da nossa verdade? Quem são os leprosos de hoje e como os curaremos? Quem são as viúvas de hoje e como lhes restituiremos os filhos que perderam?
Que o Senhor nos dê a graça de reconhecer e de amar todas as coisas em Deus e de amar Deus em todas as coisas; a graça de reconhecermos que este é o mundo que o Senhor ama, que são estas as pessoas reais que o Senhor ama; a graça de termos um olhar puro para reconhecermos Deus a agir e a fazer novas todas as coisas, e de colaborarmos com Ele, para a maior glória de Deus.
Foto de capa: Pormenor de quadro de uma cena da vida de Santo Inácio de Loiola – Sé de Coimbra. Foto de João Ferrand
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.