Salmo 137
“Junto dos rios da Babilónia, ali nos assentamos e choramos, quando nos lembramos de Sião”.
Qual o motivo da Guerra em Cabo Delgado? É triste apontar motivos e razões para uma guerra. Às vezes, uma guerra acontece para recuperar um território, outras, por questões tribais ou pela libertação do sistema colonial. A guerra em Cabo Delgado, além de nunca ter sido dada qualquer explicação clara à população, parece ser um somatório de fatores: motivações económicas, políticas e a presença do fundamentalismo religioso. Nesta guerra, as consequências são tristes: fuga, mortes, exílio, fome, doenças e saudades… É triste ver que os pobres são os que mais sofrem.
A região norte de Cabo Delgado é formada por aldeias de pequenos camponeses, pessoas que levam uma vida simples, seguindo o ciclo da natureza. Vivem em casas construídas de bambu, revestidas de barro, algumas cobertas de palha e outras, poucas, de placas de zinco.
As aldeias e as sedes de distrito são os alvos dos ataques. Os moradores pobres das aldeias veem as suas casas queimadas, os seus familiares assassinados de forma brutal, entre eles jovens, rapazes e moças, raptadas. No momento do ataque, não resta outro caminho para os moradores senão fugir para o mato. Em algumas aldeias é possível fugir em pequenas embarcações. Após um tempo no mato, seguem em direção a um lugar onde possam estar “seguros”. Começa a história da “fuga para o Egito”, tal como a Sagrada Família. Começam a vida numa espécie de exílio tão duro quanto o da Babilônia.
O dia a dia das aldeias dá lugar ao caminho desconhecido. Agora, já não existe o canto da alegria, nem o som das enxadas na dança frenética do Mapiko. Os cantos e as danças das celebrações e festas se transformam em choros e prantos.
Caminham para diversos lugares até encontrarem abrigo, que podem ser casas de familiares ou amigos, com seus pequenos comôdos que abrigam até 30 pessoas, ou os assentamentos espalhados em diversos pontos de Cabo Delgado. Cada um vive do jeito que é possível. Nesses assentamentos, o conceito de casa é variado.
Assim tem sido a vida de 700 mil deslocados, espalhados por todos os lados. São pessoas despedaçadas que dependem da solidariedade e da ação humanitária. Nesse tempo de “exílio”, o olhar é de tristeza. O dia parece não passar.
Assim tem sido a vida de 700 mil deslocados, espalhados por todos os lados. São pessoas despedaçadas que dependem da solidariedade e da ação humanitária. Nesse tempo de “exílio”, o olhar é de tristeza. O dia parece não passar. Já não existe a machamba nem os vizinhos.
Enquanto missionários, as palavras fogem-nos. Cabe-nos “estar com”. O conceito de missão não é tanto o de “fazer”, mas o de “estar”. No momento da fuga dos ataques, não existe outra ação senão a caridade. É a prática do amor que alimenta, veste, ampara e cuida do deslocado.
Com as crianças, nas atividades que realizamos com os fantoches, almejamos encontrar um sorriso carregado de esperança. Cada encontro com elas é uma festa!
A ação governamental encaminha as famílias, posteriormente, para os reassentamentos. Parece uma forma de lhes dizer que não voltarão para as suas aldeias de origem. Para esse povo resistente, a voz do coração fala mais forte, uma pequena chama de fé ainda fumega e aponta para outra direção, na esperança de um dia retornar…
“Nasceu a flor e o espinho
Onde eu pisei e dancei
Longe sem ver o meu ninho
Não mais sorri nem amei
Mas voltarei
Mas voltarei
Mas voltarei
Mas voltarei”
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.