Declaração do Secretariado para a Justiça Social e Ecologia da Companhia de Jesus, Roma
Roma, 31 de março de 2021
A Companhia de Jesus compadece-se profundamente ao saber que no passado dia 22 de março de 2021, o tribunal especial da Agência Nacional de Investigação (NIA) rejeitou o pedido de libertação sob fiança do nosso irmão Pe. Stan Swamy sj, após o seu encarceramento de 164 dias. Stan foi preso no dia 8 de outubro, levado da sua residência em Ranchi (Jharkhand) e desde então, tem sido mantido sob custódia na prisão de Taloja, perto de Bombaim, em pleno contexto da pandemia da COVID-19.
O mais preocupante é que se negue a liberdade a um defensor dos direitos humanos com 83 anos com diversos problemas de saúde, entre os quais Parkinson em estado severo. Como companheiros jesuítas, afirmamos que Stan se dedicou à defesa dos adivasis (povo indígena) e outras comunidades desfavorecidas cujos direitos fundamentais têm sido negados e sistematicamente espezinhados. Confirmamos que Stan inequivocamente crê, professa e se compromete em atividades que visam “assegurar a todos os cidadãos: JUSTIÇA (…), Liberdade (…), Igualdade (…), e promover entre todos a FRATERNIDADE garantindo a dignidade do indivíduo e a unidade e integridade da Nação” (Preâmbulo da Constituição da Índia). Os Jesuítas também crêem e praticam os valores do diálogo pacífico e “não violento”, como praticado por Mahatma Gandhi, Pai da nação.
Como tal, como Jesuítas espalhados por todo o mundo, sentimo-nos confusos e indignados ao ler as 34 páginas da ordem do tribunal da NIA. Baseada em documentos apresentados pela acusação, o tribunal declarou prima facie que Stan “participou numa grave conspiração, juntamente com membros de uma organização banida, para criar tumulto em todo o país e subjugar o governo, politicamente e com recurso à força” (#67). A Companhia de Jesus nega veementemente e condena tal declaração do tribunal. Mantemo-nos unidos a Stan e tantos outros defensores dos direitos humanos nesta conjuntura crucial. Comprometemo-nos a prosseguir o esforço, tanto a nível nacional como internacional, de trazer à luz a verdade e a justiça e a advogar pelos direitos das pessoas vulneráveis de forma pacífica e não violenta.
O que está a acontecer neste país, em particular nos últimos anos, não são incidentes isolados. É indicativo de um desconforto e erosão da democracia na Índia, conforme sublinhado no relatório internacional sobre a democracia (Democracy under Siege, Freedom in the World 2021, Freedom House)
Enquanto Jesuítas que percorreram, ao longo dos últimos cinco séculos, o difícil caminho de estar “nas encruzilhadas das ideologias, nas trincheiras sociais” (Papa Paulo VI, 3 de Dezembro de 1974), enfrentámos inúmeras situações deste tipo em diferentes partes do mundo. Estamos conscientes das consequências da nossa opção de estar ao lado dos pobres. Alguns Jesuítas, como o Beato Rutilio Grande, em El Salvador, e A.T. Thomas, em Jharkhand (Índia), que optaram por estar do lado dos pobres, foram mortos. Deste modo, não estamos muito surpreendidos com a ordem do tribunal especial da NIA que recusa a libertação sob fiança do P. Stan.
Neste caso, importa destacar que o âmbito legal deste tribunal da NIA em particular se limita à Lei de Prevenção de Atividades Ilegais (UAPA) e a poucas mais, mas não a todas as leis da nação. A lei viola os princípios estabelecidos de que “uma pessoa é inocente até que se prove ser culpada” e a lei geral segundo a qual “a fiança é norma; a prisão a exceção”. A UAPA, ao por ónus da prova da inocência sobre o acusado, vai na direção diametralmente oposta a estes princípios. Mais ainda, a UAPA foi modificada em Julho de 2019. Esta emenda realizada de acordo com as Secções 35 e 36 da Lei Principal de 1967, simplesmente faculta ao governo central o poder de reconhecer um indivíduo ou uma organização como “terrorista” e encarcerar qualquer pessoa que considere indesejável, deixando-o quase sem possibilidade de libertação sob fiança. No presente caso de Bhima Koregaon, alguns dos acusados passaram quase três anos na prisão, sem qualquer julgamento.
O que está a acontecer neste país, em particular nos últimos anos, não são incidentes isolados. É indicativo de um desconforto e erosão da democracia na Índia, conforme sublinhado no relatório internacional sobre a democracia (Democracy under Siege, Freedom in the World 2021, Freedom House). Este apelo não é apenas sobre Stan Swamy, mas também sobre tantos outros defensores dos direitos humanos, estudantes, mulheres, agricultores, intelectuais, movimentos civis e qualquer um que tenha ousado opor-se ou criticar as políticas do governo, ao longo dos últimos anos. Eles são rotulados de “terroristas, criminosos e antipatrióticos” e são encarcerados indefinidamente sob a opressiva UAPA, com falta de transparência na investigação.
Neste contexto, recordamos o que o P. Stan gravou, numa mensagem em vídeo, apenas dois dias antes de ser preso: “O que me está a acontecer não é algo único que me esteja a suceder apenas a mim. É um processo mais vasto que está a acontecer por todo o país… Sinto-me feliz por fazer parte deste processo porque não sou um espectador silencioso, mas parte de um jogo e disposto a pagar o preço por isso, qualquer que ele seja”.
A seguir à sua detenção, a Companhia de Jesus e diversos grupos da sociedade civil fizeram campanha, mobilizaram-se e defenderam, pela Índia e por todo o mundo, a libertação de Stan e de outros quinze que foram encarcerados desde 2018. Num comunicado à imprensa, em 20 de Outubro de 2020, a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, manifestou a sua preocupação em relação ao caso do P. Stan Swamy e instou as autoridades indianas a “libertar todos os acusados em virtude da Lei de Prevenção de Atividades Ilegais por apenas exercerem direitos humanos básicos que a Índia é obrigada a proteger”. A 3 de Novembro de 2020, o Vice-Presidente do grupo de trabalho para a detenção arbitrária, a Relatora Especial sobre a situação dos defensores dos direitos humanos e o Relator Especial sobre as questões das minorias, das Nações Unidas, publicaram uma declaração manifestando preocupação acerca da detenção arbitrária e intimidação ao P. Stan Swamy em resposta ao seu trabalho pacífico em prol dos direitos humanos.
“Continuamos a ter esperança e a rezar para que a justiça prevaleça e para que o P. Stan seja libertado em breve e absolvido após um julgamento justo, (…)”
Apesar da nossa dor e desilusão, fazemos eco das palavras do P. Jerome S. D’Souza sj, Presidente da Conferencia dos Jesuítas da Ásia do Sul. Na sua declaração à imprensa de 22 de Março de 2021, afirma: “Continuamos a ter esperança e a rezar para que a justiça prevaleça e para que o P. Stan seja libertado em breve e absolvido após um julgamento justo, porque acreditamos profundamente na Constituição da Índia e no seu poder judicial”. Cremos ainda nas palavras de São Paulo quando diz “Em tudo somos atribulados, mas não esmagados; confundidos, mas não desesperados; perseguidos, mas não abandonados; abatidos, mas não aniquilados” (2 Cor 4, 8-9). Ao longo deste tempo da Semana Santa, as palavras de São Paulo fazem muito sentido: “trazemos sempre no nosso corpo a morte de Jesus, para que também a vida de Jesus seja manifesta no nosso corpo” (2 Cor 4, 10).
Nós acreditamos que “de novo há-de voltar a haver justiça e hão-de segui-la todos os de coração reto”[1] (Sal 94, 15). Apelamos a todos os governos, instituições internacionais e grupos e organizações da sociedade civil que exijam ao Estado Indiano que revogue a UAPA e liberte Stan e os demais defensores dos direitos humanos imediatamente.
Tradução de Diogo Couceiro Roda, sj
[1] NT: Versão Inglesa no original: justice will prevail and all the morally upright will be vindicated
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.