Laudate Deum, uma exortação pela mobilização climática e por um acordo vinculativo no Dubai

O documento oferece uma excelente explicação e roteiro institucional com vista a soluções climáticas globais. Sublinha as causas estruturais da crise climática, como o "paradigma tecnocrático" que "se alimenta monstruosamente de si mesmo."

O documento oferece uma excelente explicação e roteiro institucional com vista a soluções climáticas globais. Sublinha as causas estruturais da crise climática, como o "paradigma tecnocrático" que "se alimenta monstruosamente de si mesmo."

Porque é que o Papa Francisco escreveu uma continuação da Laudato Si’, centrada na temática do clima, oito anos após o lançamento da Laudato Si’?

“A situação é agora ainda mais premente”[1], diz a exortação do Papa. A dois meses da COP28 nos Emirados Árabes Unidos, a nossa razão pode levar-nos ao pessimismo ou ao desespero. Depois das catástrofes climáticas ocorridas este verão, como os grandes incêndios ocorridos no Canadá e na Europa, ou as gigantescas inundações na China, há quem continue a negar as alterações climáticas, mesmo “dentro da Igreja Católica”[2], o que preocupa o Papa Francisco. Há quem duvide da implicação do ser humano no aquecimento global do planeta, quando existe um consenso científico sobre isso, como refere o primeiro capítulo da Laudato Si’.

“Louvado seja Deus” é o título desta exortação.

“Porque quando os seres humanos desejam ocupar o lugar de Deus, tornam-se os seus piores inimigos.” O documento oferece uma excelente explicação e roteiro institucional com vista a soluções climáticas globais. Sublinha as causas estruturais da crise climática, como o “paradigma tecnocrático” que ” se alimenta monstruosamente de si mesmo”. Ao mesmo tempo, o espírito franciscano também está presente no documento quando, no início, o Papa Francisco evoca a “ternura de Jesus por todos os seres que nos acompanham ao longo do caminho!”[3]

O conteúdo do texto é forte e solene.

Faz lembrar algo… A Laudato Si’ no início, tem um paralelismo com a encíclica Pacem in terris [4], publicada num momento de grande perigo de guerra nuclear, em 1963, e a Laudate Deum pode fazer-nos lembrar a Mit brennender sorge [5], publicada em 1937, sobre a “ansiedade ardente” do totalitarismo.

O nosso tempo é preocupante, mas esta exortação, e a intenção do Papa Francisco participar na COP28, é um sinal de esperança. Como escreveram os cientistas, ainda é possível separar, mas isto tem de ser feito rapidamente pois o declive tornou-se muito mais acentuado. Lembremo-nos que na Europa, o Pacto Ecológico, foi projetado para diminuir 55% das emissões até 2030. Muitas ações estão na direção certa, mas as que estão a ser aplicadas nos países europeus não são suficientes (isolamento, energias renováveis…) e, por vezes, de forma esquizofrénica, como o lançamento de novos projetos de combustíveis fósseis, quando sabemos que projetos como estes nos fará ultrapassar as metas do Acordo de Paris, de acordo com os dados da Agência Internacional de Energia; o aumento de passageiros nos aviões ou o aumento da exploração de matérias primas mais recentes, não apenas destinadas às energias renováveis.

O Papa Francisco utiliza expressões fortes: critica as “ilusões de marketing”[6], a propósito das promessas de desenvolvimento feitas aos países mais pobres, quando os projetos apresentados prejudicam gravemente a Criação (podemos imaginar muitos exemplos, como as bombas climáticas, ou os projetos no Uganda ou em Moçambique). O Papa Francisco alerta para a recolha da emissão de gases, considerando que: “supor que todos os problemas do futuro poderão ser resolvidos através de novas intervenções técnicas é uma forma de pragmatismo homicida, como empurrar uma bola de neve pela colina”[7].

Na vertente económica, o Santo Padre critica o “crescimento ilimitado” e cita os bispos africanos quando referem que as alterações climáticas são “um exemplo trágico e marcante de pecado estrutural”[8].

O texto oferece ainda uma outra visão sobre os ativistas que são “negativamente retratados como “radicais””, e explica que “estes estão a preencher um espaço deixado vazio pela sociedade como um todo, que deveria exercer uma ‘pressão’ saudável, uma vez que cada família deveria perceber que é o futuro dos seus filhos que está em jogo”[9].

 

Referências:

[1] Laudate Deum §4

[2] Laudate Deum §14

[3] Laudate Deum 1

[4] Encyclique également adressée “aux hommes de bonne volonté”, publiée en 1963

[5] Encyclique de Pie XI, écrite en allemand

[6] Laudate Deum § 29

[7] Laudate Deum § 57

[8] Laudate Deum § 20

[9] Laudate Deum § 58

 

Para saber mais sobre a Laudate Deum (texto, vídeos, explicações) está disponível um site em português:

https://laudatedeum.church/pt/

Uma proposta de Advento que inclui orações para a COP:  https://laudatosimovement.org/pt/advento-2023/

Uma proposta de oração dos Jesuítas sobre a COP: https://jesc.eu/wp-content/uploads/2023/11/COP28-letter-POR.pdf

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.