JRS lança petição pelo fim da prisão de imigrantes

Na véspera de se assinalar um ano da morte de Ihor Homeniuk, o JRS critica a lei que leva o país a continua a prender pessoas pelo simples facto de quererem trabalhar em Portugal, mas não terem visto de trabalho.

Na véspera de se assinalar um ano da morte de Ihor Homeniuk, o JRS critica a lei que leva o país a continua a prender pessoas pelo simples facto de quererem trabalhar em Portugal, mas não terem visto de trabalho.

Assinala-se amanhã, 13 de março, a triste efeméride da morte de Ihor Homeniuk, imigrante ucraniano assassinado no aeroporto de Lisboa. Antes de ser assassinado, Ilhor foi preso, sem ser suspeito de qualquer crime ou por razões de segurança, mas tão só por suspeita de irregularidade documental. Um ano volvido, alerta o Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS- Portugal), continua a prender pessoas pelo simples facto de quererem trabalhar em Portugal, mas não terem visto de trabalho.

O JRS considera por isso que, não obstante as várias promessas do governo português, o sistema incoerente (e hipócrita) mantém-se: é injustificado deter pessoas que têm objetivos pessoais perfeitamente legítimos e comuns a todos os seres humanos, em qualquer parte do mundo: trabalhar e melhorar de vida! A detenção por razões administrativas deve acabar, defende, e devem ser procuradas alternativas de regularização. Se alguém esta’ irregular, regulariza-se. Não se prende. Portugal precisa de imigrantes e beneficia muito da sua presença (884 milhões líquidos em 2019).

Neste sentido, o JRS – Portugal lança, hoje, dia 12 de março, uma Petição Pública junto da Assembleia da República para que a regularização de migrantes “económicos” possa respeitar os princípios da dignidade, igualdade e a justiça:

  • Fim da previsão legal de detenção por meras irregularidades administrativas de entrada em Portugal (artigos 32.º, 34.º e 146.º da Lei de Estrangeiros);
  • A criação de um visto para procura de trabalho (conforme previsto nas Grandes Opções do Plano 2020 – 2023, pág. página 162, ponto 5º);
  • O acesso a prestações sociais e SNS em iguais condições aos demais cidadãos durante o processo de regularização. É de elementar justiça que quem desconta para os serviços públicos, designadamente para o IPSS, tenha acesso às respetivas contraprestações – medida já experimentada com a aprovação do Despacho de regularização extraordinária provisória aprovado no atual contexto pandémico (Despacho n.º 10944/2020 de 08 de novembro de 2020).

Os espaços de detenção dos aeroportos portugueses não ficam presos apenas cidadãos estrangeiros  suspeitos de crime ou que colocam em causa a segurança nacional, mas sobretudo pessoas que a única  irregularidade que cometeram foi a de quererem trabalhar em Portugal apesar de não terem um visto de  trabalho emitido por uma embaixada portuguesa.

Os espaços de detenção dos aeroportos portugueses não ficam presos apenas cidadãos estrangeiros  suspeitos de crime ou que colocam em causa a segurança nacional, mas sobretudo pessoas que a única  irregularidade que cometeram foi a de quererem trabalhar em Portugal apesar de não terem um visto de  trabalho emitido por uma embaixada portuguesa. Em 2019, 89% do total de 4.995 recusas de entrada foram  por falta de visto de trabalho , das quais 84% aplicadas a cidadãos lusófonos (79,4% brasileiros e 4%  angolanos) .

Para o JRS, trata-se verdadeiramente de uma prisão. As pessoas são trancadas entre quatro paredes, à guarda de seguranças privados e polícias, privadas dos seus telemóveis e demais pertences e com comunicação com o exterior altamente limitada, até 60 dias. Mas estas prisões são legais, sublinha o JRS. Elas são legitimadas pela lei. Contudo, a lei é imoral e desproporcional, acrescenta o serviço da Companhia de Jesus que acompanha os refugiados, deslocados à força e todos os migrantes em situação de particular vulnerabilidade, pois priva a liberdade de pessoas que não cometeram nenhum crime. Isto não obstante tantos portugueses terem feito o mesmo em França, Alemanha, Luxemburgo, Canadá e EUA. O que diríamos sobre a prisão desses portugueses?

Além de imoral, esta lei é incoerente. Incoerente porque a lei não oferece uma possibilidade séria de entrada legal aos migrantes trabalhadores. O visto de trabalho previsto na lei portuguesa exige que o cidadão estrangeiro tenha, ainda no seu país de origem, um contrato de trabalho ou promessa de contrato de trabalho com o empregador português, o que é, evidentemente, um regime desadequado à realidade social, laboral e empresarial.

Além de imoral, esta lei é incoerente. Incoerente porque a lei não oferece uma possibilidade séria de entrada legal aos migrantes trabalhadores.

Incoerente porque em vez de oferecer uma possibilidade séria de entrada legal, oferece apenas a  possibilidade de correção da irregularidade, a posteriori, caso o imigrante já tenha contrato de trabalho e  descontos feitos. Portanto, a lei portuguesa manda prender quem tenta trabalhar sem visto, não dá hipótese de obter esse visto, mas permite a regularização de quem se sujeitar à irregularidade e ao risco das respetivas consequências penais. A vida destas pessoas torna-se, assim, um jogo de sorte e azar.

O JRS considera ainda que a lei é também incoerente com a estratégia política declarada pelo Estado Português: Portugal precisa de dezenas de milhares de novos trabalhadores estrangeiros por ano, não só uma minoria especialmente  qualificada .

Além de desproporcional e incoerente, esta lei é hipócrita, acrescenta, pois o Estado português sabe que a esmagadora maioria dos imigrantes trabalhadores em Portugal não entrou, não entra nem entrará (enquanto não se alterar o regime do visto de trabalho) regularmente. Em 2019, das 129.155 autorizações de residência  emitidas, 26.716 foram concedidas a cidadãos que vieram procurar trabalho sem visto de trabalho, ao passo  que com visto de trabalho foram menos de 1.700 .

E ao mesmo tempo que a lei manda o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) prender estas pessoas, manda as Finanças e a Segurança Social  aceitá-los como contribuintes fundamentais para a sustentabilidade do sistema de reformas e pensões e o  financiamento de serviços públicos como o SNS . Ao invés do princípio de “no taxation without  representation”, a lei portuguesa aplica o princípio: tributação sem prejuízo de prisão e deportação.

O JRS lançou também uma campanha que durará até o sistema se alterar. Consistirá no testemunho de um detido por imigração irregular que sairá no dia 12 de cada mês. Pretende chamar a atenção da opinião pública para a injustiça que é deter pessoas por irregularidades administrativas. As histórias vão ser partilhadas nas redes sociais do JRS.

Para assinar a petição pública, clique aqui.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.